Acórdão nº 1065/16.9T8VRL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 07-03-2019
Judgment Date | 07 March 2019 |
Case Outcome | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA |
Procedure Type | REVISTA |
Acordao Number | 1065/16.9T8VRL.G1.S1 |
Court | Supremo Tribunal de Justiça |
I – Relatório
1. AA (A.) intentou, em 18/06/2016, ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB (R.), alegando, no essencial, que:
. A A. e R. viveram em comunhão de leito, mesa e habitação durante 11 anos, de 21/01/2001 a 23/03/2012, sendo os primeiros três anos em união de facto, desde 21/01/2001 até 11/12/2004, altura em que contraíram casamento, que veio a ser dissolvido por divórcio decretado por sentença de 17/04/2014;
. Desde 21/01/2001, primeiramente na constância da união de facto e depois enquanto casados, em esforço comum de A. e R., foram investindo os rendimentos do seu trabalho em situação de compropriedade, na proporção de metade para cada um;
. Ao longo dos anos dessa vivência, A. e R. adquiriram vários bens, com esforço comum, no convencimento de que tais bens eram de ambos, em regime de compropriedade;
. Enquanto ainda viviam em união de facto, A. e R. decidiram adquirir um prédio urbano e um rústico, com dinheiro que iam poupando do produto dos seus trabalhos;
. Assim, em 28/11/2002, por escritura pública, adquiriram em compropriedade os dois referidos prédios, pelo preço global de € 60.000,00, com dinheiro comum e emprestado a ambos e que acabaram por pagar ao longo do tempo em que estiveram juntos;
. Ademais, A. e R., por si e antepossuidores, há mais de 20, 30 e 40 anos, encontram-se na posse pública, pacífica e de boa fé, dos referidos prédios, na convicção de exercerem um direito próprio, donde decorre a sua aquisição originária, em compropriedade, por usucapião;
. A. e R. efetuaram também nesses prédios obras de beneficiação e reparação, no valor total de € 50.000,00, com dinheiro que iam poupando do esforço comum;
. Além disso, A. e R. adquiriram, durante a sua vivência em comum, vários bens móveis no valor total de € 30.000,00, bem como um trator, uma fresa, um reboque e um motocultivaldor, pelos valores, respetivamente, de € 15.000,00, € 3.000,00, € 2.500,00 e € 500,00;
. As benfeitorias, bens móveis e semoventes referidos vêm sendo possuídos por A. e R. desde 21/01/2001 até ao presente, com o ânimo de exclusivos donos, sem oposição de ninguém, à vista de toda a gente, na convicção de exercerem um direito próprio, do que resulta a sua aquisição, em compropriedade, por via da usucapião;
. Dada a situação de economia comum, A. e R. decidiram que os dois prédios ficassem em nome deste, apesar de terem sido obtidos com o esforço comum de ambos;
. Porém, após a rutura do casal, o R. recusou-se a resolver a situação, mantendo-se na posse de todos os bens, usando-os e fruindo-os, com o consequente enriquecimento por parte do R. à custa da A., o que tem causado a esta mágoa, tristeza, sofrimento e humilhação.
A A. concluiu a pedir que fosse:
a) – Declarado que A. e R. viveram em união de facto desde 21/01/2001 até 11/12/2004, altura em que contraíram casamento católico;
b) – Reconhecido o direito de compropriedade da A., na proporção de metade sobre os prédios identificados em 20.º da petição inicial, bem como as suas benfeitorias, bens móveis e semoventes identificados em 25.º a 27.º da mesma peça processual;
c) – Condenado o R. a indemnizar a A. por todos os prejuízos patrimoniais e não patrimoniais por esta sofridos em consequência dos atos praticados pelo mesmo e descritos nos artigos 40.º a 47.º da petição inicial e que vierem a ser liquidados em execução de sentença;
E/ou
d) – Condenado o R. a entregar à A. metade do valor real do património comum identificado nos artigos 20.º, 25.º a 27.º da petição inicial, bem como os juros de mora contados desde a citação;
E/ou
e) – Condenado o R. em indemnização pelo uso exclusivo que faz do património comum identificado em 20.º e 25.º a 27.º da petição inicial, a liquidar em execução de sentença, bem como nos juros de mora até efetivo e integral pagamento.
2. O R. apresentou contestação, em que excecionou a prescrição do direito invocado pela A. com base no enriquecimento sem causa e impugnou os factos por esta articulados, alegando que adquiriu, nomeadamente, os imóveis em causa ainda no estado de solteiro com dinheiro apenas seu, uma vez que apenas passou a viver com ela em 2003, nunca tendo a mesma contribuído com qualquer quantia.
Concluiu pela improcedência da ação.
3. Realizado a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 162 a 181, datada de 14/01/2018, a julgar a ação parcialmente procedente, decidindo-se:
a) - Declarar que A. e R. viveram em união de facto, desde 21/01/2001 até 11/12/2004, altura em que contraíram casamento católico.
b) - Reconhecer o direito de compropriedade da A., na proporção de metade, sobre os prédios identificados no art.º 20.º da petição inicial, bem como das suas benfeitorias, bens móveis e semoventes;
c) - Condenar o R. a entregar à A. metade do valor real do património comum, a liquidar em execução de sentença, bem como os juros de mora contados desde a citação;
d) - Absolver o R. do demais peticionado.
4. Inconformado, o R., recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães, em sede de impugnação de facto e de direito, tendo sido proferido o acórdão de fls. 230 a 260, de 27/09/2018, a julgar a apelação parcialmente procedente, decidindo-se alterar a sentença recorrida no sentido de:
a) - Absolver o R. do pedido de reconhecimento do direito de compropriedade da A., na proporção de metade, sobre os prédios identificados no art.º 20.º da petição inicial, bem como das suas benfeitorias, bens móveis e semoventes;
b) – Condenar o R. a entregar à A. a quantia que se vier a apurar em posterior incidente de liquidação correspondente ao valor com que a A. participou na aquisição dos bens identificados no art.º 20.º da petição inicial, bem como nas suas benfeitorias, bens móveis e semoventes;
c) – Confirmando-se no mais o ali decidido.
5. Desta feita, vem a A. pedir revista, formulando as seguintes conclusões:
1.ª - A presente revista funda-se, além do mais, no constante na alinea d) do art.º 629.º, 674.º, 607.º, n.º 2, 663.º n.º 2, e 679.º todos do CPC, por erro de julgamento da matéria de facto e violação da lei adjetiva, ferindo o acórdão com nulidade prevista na alínea b), c) e d) do art.º 615.º do CPC;
2.a - O presente recurso, na perspetiva da A./Recorrente, prende-se com erro de julgamento e violação das normas de direito adjetivo, como infra se vai explanar;
3.a - Sendo que o acórdão recorrido tal qual se mostra apreciado, culminando na decisão que ora se impugna, está em clara oposição com os fundamentos, com a matéria dada como provada e aplicação do direito, o que o fere de nulidade;
4.ª - Entendeu a Relação que o recorrido quando interpôs recurso da decisão da 1.ª instância não cumpriu com o ónus da impugnação especificada prevista no art.º 640.º do CPC, excetuando o facto provado no número 16 da 1.ª instância;
5.ª - Entende a A./Recorrente que também relativamente a tal facto (16) não cumpriu o R./recorrido tal ónus;
6.ª - O R./recorrido, relativamente ao ponto 16 dos factos provados limitou-se apenas a referir nas suas alegações que tal facto não podia ser dado como provado, alegando estar sustentado por nenhuma das testemunhas inquiridas, o que se retira da audição dos seus testemunhos, mas também da motivação da sentença;
7.ª - Relativamente a este facto (16) a Relação, quando refere que o R./Recorrido impugna em bloco os factos 1 a 28, engloba aqui também o número 16 e assim sanciona tal facto, considerando legalmente inadmissível e sancionando o ónus da impugnação especificada tal qual o exige o art.º 640.º do CPC como não conhecendo de tal factualidade;
8.ª - Ao assim o entender, a Relação corrobora que o recorrido não impugnou de forma especificada que sobre ele incumbia, limitando-se a uma impugnação em bloco;
9.ª - O Tribunal “a quo”, apesar de admitir relativamente aos factos de 1 a 28, onde se inclui o 16, que o recorrido não respeitou o ónus da impugnação que sobre ele incumbia, acaba por afirmar a pag. 12: “Assim, esta Relação apenas irá conhecer da impugnação referente ao facto provado n.º 16”.
10.ª - Para posteriormente e no final da pag. 16, decidir, em clara e manifesta oposição “Depois da audição da prova gravada este Tribunal não encontra razões para alterar a decisão da 1.ª instância”.
11.ª - Isto é, o Tribunal da Relação, quando a folhas 19 elenca a lista definitiva dos factos provados, deixa incólume o ponto 16, transcrevendo ipsis verbis o que foi dado como provado na 1.ª instância relativamente a tal ponto, que aqui se transcreve tal qual se mostra elencado na lista definitiva dos factos tidos por provados pela Relação:
"16 - A aquisição dos dois referidos prédios foi efectuada com dinheiro comum da Autora e do Réu e com dinheiro emprestado, que acabaram por pagar ao longo dos anos em que permaneceram juntos e casados".
12.ª - Esta factualidade, dada por assente pela Relação, em conjugação com outros factos dados por si como provados, mormente os referidos em 8 a 19, não se acha alterado pela Relação, assim confirmando a matéria assente da 1.ª instância de tal prova assente;
13.º - Antes se extrai que provado ficou que a A./recorrente e o R./recorrido têm um património comum, adquirido pelo esforço comum de ambos, contribuíram ambos, desde que começaram a viver juntos em 21/01/2001 e durante o casamento, com o que auferiam do seu trabalho para a aquisição em comum e por isso em compropriedade de todos os bens referidos em 15 a 19 dos factos considerados assentes pela Relação e partilhavam os valores (rendimentos) que auferiam;
14.ª - Ora, se ambos partilhavam os rendimentos que auferiam, como provados esta na matéria assente a que se aludiu supra, forçoso é de presumir que os bens adquiridos na vigência da união de facto e no casamento, foram-no com o dinheiro obtido com o esforço de ambos;
15.ª - Deste modo, por aplicação da lei e da presunção...
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