Acórdão nº 1063/14.7IDLSB.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 26-01-2021

Data de Julgamento26 Janeiro 2021
Número Acordão1063/14.7IDLSB.L1-5
Ano2021
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em Conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


1.No processo comum, com intervenção de tribunal singular n.º 1063/14.7IDLSB, do Juízo Local Criminal de Oeiras, em que é arguida S.LDA e outros, todos identificados nos autos, foi proferida sentença, a 6 de Julho de 2020, na qual o tribunal decidiu: (transcrição)

«Pelo exposto e decidindo, julga-se a acusação deduzida procedente por provada e, consequentemente CONDENA-SE:
A)- A arguida S. LDA. pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 7. ° e 105. ° n.º 1 e 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias e 30. ° n.º 2 do Código Penal, NA PENA DE 45 (QUARENTA E CINCO) DIAS DE MULTA À RAZÃO DIÁRIA DE 5€ (CINCO EUROS), O QUE PERFAZ UM TOTAL DE 225€ (DUZENTOS E VINTE E CINCO EUROS);
B)- O arguido HB, como autor material de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 105. ° n.º 1 e 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias e 30. ° n.º 2 do Código Penal, NA PENA DE 45 (QUARENTA E CINCO) DIAS DE MULTA À RAZÃO DIÁRIA DE 5€ (CINCO EUROS), O QUE PERFAZ UM TOTAL DE 225€ (DUZENTOS E VINTE E CINCO EUROS).
C)- O arguido JM, como autor material de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 105. ° n.º 1 e 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias e 30. ° n.º 2 do Código Penal NA PENA DE 45 (QUARENTA E CINCO) DIAS DE MULTA À RAZÃO DIÁRIA DE 10€ (DEZ EUROS), O QUE PERFAZ UM TOTAL DE 450€ (QUATROCENTOS E CINQUENTA EUROS).
D)- O arguido IR, como autor material de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 105. ° n.º 1 e 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias e 30. ° n.º 2 do Código Penal, NA PENA DE 45 (QUARENTA E CINCO) DIAS DE MULTA À RAZÃO DIÁRIA DE 6€ (SEIS EUROS), O QUE PERFAZ UM TOTAL DE 270€ (DUZENTOS E SETENTA EUROS).

2.Os arguidos HB, JM e IR [1] interpuseram recurso dessa decisão, terminando a respectiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

I.-Os Recorrentes foram condenados com pena de multa, pela prática de um crime de Abuso de Confiança Fiscal, na forma continuada, p.p. pelo Art.° 105°, n.° 1 e 2, do RGIT, aprovado pela Lei n.° 15/2001, de 5 de Junho e pelo Art.° n,° 30° n.° 2 do Código Penal (CP);
II.-Em sede de julgamento foram ouvidas todas as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa;
III.-Perante a factualidade provada e face à motivação da douta decisão recorrida e à sua fundamentação fáctico-conclusiva e jurídica, verifica-se que na mesma não foi feita criteriosa ponderação das circunstâncias provadas e não provadas, concluindo-se, mal, que os Recorrentes foram gerentes de facto da sociedade no período em causa;
IV.-Em consequência foram os Recorrentes condenados pela prática do crime de que foram acusados;
V.-A decisão sobre a matéria de facto provada e não provada está indevidamente motivada, denotando de acordo com o texto da decisão recorrida, contradição entre os factos provados e não provados e entre estes e a respectiva justificação probatória;
VI.-Os Recorrentes não praticaram na sociedade qualquer acto material no qual se consubstancia a gerência de facto, quer fosse na data da consumação dos ilícitos criminais que lhe eram imputados, quer fosse em qualquer outro período;
VII.-Neste caso, não podiam os Recorrentes ser responsabilizados pelos factos de que foram acusados;
VIII.-Nenhuma prova foi produzida que permita concluir que os Recorrentes tivessem intervenção pessoal na decisão de não pagar ao Estado os impostos em causa;
IX.-Nada foi apurado quanto à conduta dos Recorrentes no sentido de terem, efectivamente, poder de decisão na gestão da sociedade arguida;
X.-Existe uma completa ausência de prova sobre a prática dos factos que são imputados aos Recorrentes e na base dos quais foram condenados;
XI.-A prova produzida não contém qualquer referência, nem permite qualquer ilação, quanto ao comportamento dos Recorrentes relativamente à decisão de a sociedade não pagar os impostos em dívida;
XII.-Os ora Recorrentes foram condenados, apenas, com base numa presunção judicial;
XIII.-A jurisprudência tem vindo a entender que não se pode concluir, perante o facto de alguém figurar no registo como gerente de uma sociedade, que esse alguém exerce, de facto, essas funções de gerência;
XIV.-A sentença recorrida ofende os princípios basilares do nosso processo penal, pelo que se impõe a sua revogação e consequente absolvição dos Recorrentes;
XV.-Foi violado todo um extenso rol de normas, nomeadamente o Art.° 32° n° 2 do CRP, o Art.° 26°, o n.° 2 do Art.° 40°, ambos do CP e o Art.° 127° do CPP."

3.O Ministério Público respondeu ao recurso, pedindo a sua improcedência, nos termos constantes de fls. 1261 a 1279, tendo finalizado a sua resposta com as seguintes conclusões: (transcrição)

I- O recurso interposto pelos arguidos deverá ser rejeitado na parte de impugnação da matéria de facto, [artigo 410°, n.º 1, alínea a), e artigo 417o, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal] por falta de especificação [artigo 431°, alínea b), e artigo 412°, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal], não sendo, in casu, admissível o convite ao aperfeiçoamento [artigo 417°, n° 3, do Código de Processo Penal];
II- Da concatenação, desde logo e essencialmente, das declarações do arguido JM, e dos depoimentos de BP e de MS, resulta que os arguidos intervinham na gestão da sociedade, muito concretamente nos assuntos fiscais relativos à mesma, e que aquele e RC tinham, não obstante, larga autonomia relativamente aos assuntos quotidianos da sociedade que se confundiam em certa medida com a actividade normal do estabelecimento comercial explorado por aquela, concretamente no que diz respeito aos pagamentos aos fornecedores.
III- Nenhuma contradição existe entre factos provados e não provados e entre estes e a fundamentação. A separação de funções entre sócios e funcionários dentro da sociedade/estabelecimento comercial decorreu evidente da prova produzida em audiência sendo claro que os arguidos assumiam as responsabilidades ao nível das obrigações fiscais da sociedade (v.g. aquela objecto dos presentes autos) de negociação de outras dívidas(como a que haveria mensalmente com o dono do imóvel), e contacto com clientes institucionais (angariados por JM), tudo conforme resulta patente das declarações das testemunhas MS, BP, e do arguido JM.
IV- Nenhum dos factos dados como provados na sentença contraria a lógica ou as regas da experiência comum, como também não contraria tais regras o percurso lógico-dedutivo percorrido pelo tribunal recorrido na análise e fundamentação da prova a que procedeu.
V- Inexiste também qualquer insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, porquanto todos os factos trazidos ao processo eram suficientes para a verificação dos elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime. Os arguidos poderão não concordar com a conclusão do tribunal sobre a factualidade atinente ao alegado crédito tributário, de resto reconhecido na sentença, mas não podem afirmar que a mesma era insuficiente para uma decisão do tribunal. De resto, a questão de facto em causa tem sede própria na jurisdição administrativa e fiscal, e não a penal, e aí foi devidamente analisada conforme consta nos autos, limitando-se o tribunal recorrido a trabalhar com as conclusões da administração fiscal sobre o tal crédito. Assim, e se não lhes foi admitida a dedução daquele montante de IVA, não lhes restaria senão proceder ao pagamento da quantia apurada pela Autoridade Tributária, e que os mesmos optaram por não pagar. De resto, tão pouco aquele crédito faria baixar a dívida abaixo dos € 7.500,00 enquanto condição objetiva de punibilidade.
VI- A distinção entre gerente de facto e gerente de direito é relevante naquelas situações, muito frequentes, de alguém que, pretendendo fugir a outras responsabilidades, nomeadamente fiscais, civis, ou outras, controla o funcionamento de uma sociedade através de uma terceira pessoa que consta na “documentação oficial” daquela - como seja o pacto social - como gerente, e por vezes até como sócio, (gerente de direito, vulgo “testa de ferro”), sendo que na realidade quem dá as ordens e controla a actividade de todo o negócio é o verdadeiro dono do negócio e real gerente (gerente de facto). Tal distinção não é aplicável aos casos em que o dono (ou donos) do negócio está perfeitamente identificado e contrata ele próprio um funcionário (in casu, primeiro, BP, e depois RC) para assumir o trabalho administrativo quotidiano daquela, ainda que coadjuvado por outros funcionários.
VIII- O conteúdo das funções de um gerente de uma sociedade pode ser maior ou menor consoante as suas próprias opções de gestão, delegando um maior ou menor número de funções. Assim, da mera circunstância de um funcionário concentrar em si, por opção do ou dos donos do negócio, in casu, dos arguidos, grande parte da actividade quotidiana de uma empresa, v.g. assegurando os atos materiais de pagamento e recebimento, não transforma o funcionário em gerente da sociedade, nem afasta aqueles da gerência de facto da sociedade. Menos ainda, como no caso dos autos, quando é evidente que pelo menos as questões tributárias, dívidas a credores, e contratação de grandes clientes para utilização do espaço estava a cargo dos aqui arguidos, precisamente porque eram matérias que fugiam ao quotidiano da sociedade, e bem assim do estabelecimento comercial por aqueles explorado através da sociedade arguida.
IX- Contrariamente ao alegado pelos arguidos, em momento algum da sentença o tribunal se socorreu de quaisquer presunções ou suposições decorrentes da qualidade de sócios e ou gerente nomeado no pacto social para condenar os
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