Acórdão nº 106/11.0TBCPV.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 22-09-2016
Data de Julgamento | 22 Setembro 2016 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 106/11.0TBCPV.P2.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
I - AA intentou contra Companhia de Seguros BB, SA, acção declarativa com processo comum pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 37.608,27, com juros de mora a contar da citação.
Alegou para o efeito que exerce a actividade profissional de Técnico Oficial de Contas (TOC), encontrando-se inscrito na Câmara dos TOC (CTOC) com o n° …, e que esta celebrou com a R., em 7-11-2000, um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, que se regia pelas Condições Gerais, Especiais e Particulares.
De acordo com as “Condições Particulares” desse seguro obrigatório, previsto pelo n° 4 do art. 52° do Dec. Lei n° 452/99, de 5-11, era tomador “A Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas” e segurado o “Técnico Oficial de Contas, inscrito na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas”.
No âmbito da sua actividade profissional o A. cometeu falhas profissionais para com alguns dos clientes relacionadas com a opção pelo regime de tributação em IRC ao abrigo do regime comum ou do regime simplificado cuja responsabilidade assumiu e que estava coberta pelo referido contrato de seguro.
Por força das exigências feitas pelos clientes do A. que ficaram prejudicados, o A. teve de suportar as quantias correspondentes ao diferencial entre a tributação que foi aplicada aos clientes aquela que teria existido se o A. tivesse optado pela aplicação de outro regime que era consentido.
A R. contestou por excepção, com invocação do caso julgado material sustentado no facto de o A. já ter anteriormente instaurado uma acção contra a R., a qual foi julgada improcedente.
Por impugnação, alegou o desconhecimento da alegada omissão e danos por ela causados e defendeu que tais factos eram insusceptíveis de constituir o específico risco garantido pela apólice e nunca constituíram fundamento para o accionamento das coberturas, tanto mais que das funções atribuídas a um TOC não cabe a opção pelo regime da contabilidade organizada.
O A. replicou.
A excepção dilatória de caso julgado arguida pela R. foi julgada improcedente por acórdão final deste Supremo Tribunal, com fundamento em que a improcedência do pedido declarada na anterior acção foi motivada unicamente pelo facto de o A. não ter demonstrado nessa acção a efectivação do pagamento das quantias correspondentes aos prejuízos dos seus clientes decorrentes das falhas profissionais imputadas ao A.
Efectuado o julgamento no âmbito desta segunda acção em que tal facto foi alegado e demonstrado, foi proferida sentença de absolvição da R. do pedido.
O A. apelou e a Relação revogou a sentença, julgando parcialmente procedente a acção e condenou a R. no pagamento de € 33.818,72, com juros de mora à taxa de 4%, a partir da citação.
A R. interpôs recurso de revista em que suscitou essencialmente a ausência de incumprimento por parte do A. de algum dever profissional cuja existência era determinante para a responsabilização da R. ao abrigo do contrato de seguro.
Pelo ora relator foi oficiosamente suscitada a questão da autoridade de caso julgado emergente da anterior sentença ou da preclusão dos fundamentos da responsabilidade que nela foram apreciados, tendo em conta que já anteriormente foi interposta outra acção cujo resultado reflectiu apenas a falta de prova do desembolso das quantias que o A. agora veio reclamar da R.
Relativamente a tal questão foram ouvidas as partes, a fim de exercerem o contraditório previsto no art. 3º, nº 3, do CPC.
A R. pronunciou-se e alegou que não teve a efectiva possibilidade de impugnar a sentença proferida na primeira acção, uma vez que o segmento decisório não implicava para si um prejuízo superior a metade da alçada do tribunal de 1ª instância, não podendo ser invocada contra si a “autoridade do caso julgado” formado por tal sentença cuja aplicação afecta o seu direito de defesa e o direito a um processo equitativo. Alegou ainda que do segmento decisório da aludida sentença nada de útil se retira com implicações na presente acção, tanto mais que o próprio A. instaurou esta segunda acção sem extrair da sentença proferida na anterior acção esse efeito de autoridade de caso julgado e sem ter impugnado o despacho saneador e o despacho que fixou os temas da prova.
O A. respondeu de modo concordante com o entendimento que foi exposto no despacho sobre a aplicação dos efeitos da autoridade do caso julgado.
Colhidos os vistos, importa apreciar o recurso de revista, cujo objecto é definido pelas alegações e pelo teor do antecedente despacho do ora relator.
II - Factos provados:
1 – O A. exerce a actividade profissional de Técnico Oficial de Contas (TOC), encontrando-se inscrito na Câmara dos TOC (CTOC) com o nº …, conforme doc. de fls. 25.
2 – A CTOC celebrou com a R., em 7-11-2000, um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, titulado pela apólice nº 87/…, que se regia pelas Condições Gerais, Especiais e Particulares, constantes do doc. de fls. 143-144 e 145 e ss.
3 – De acordo com as “Condições Particulares” do referido contrato, é tomador do seguro “A Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas” e segurado é o “Técnico Oficial de Contas, inscrito na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas”, cuja obrigação de subscrição deste seguro se encontra estabelecida pelo nº 4 do art. 52º do Dec. Lei n.º 452/99, de 5-11 – Estatuto da Câmara dos TOC.
4 – De acordo com o art. 2º das Condições Gerais do contrato aludido em 2.:
“O presente contrato tem por objecto a garantia da responsabilidade extracontratual que, ao abrigo da Lei Civil, seja imputável ao Segurado, na qualidade ou exercício da actividade referidas nas respectivas condições Especiais e Particulares”.
5 – De acordo com o ponto 3º das Condições Particulares do contrato mencionado em 3., o âmbito de cobertura, compreende, entre outras:
“As indemnizações que legalmente sejam exigíveis ao Segurado, em consequência de danos patrimoniais causados a clientes e/ou terceiros, desde que resultem de actos ou omissões cometidas durante o exercício da actividade de Técnico Oficial de Contas”.
6 - É o A. quem prepara, elabora e recolhe a assinatura dos seus clientes nas declarações fiscais que estes submetem à Administração Fiscal.
8 – No ano fiscal de 2002, ano seguinte ao do início da actividade dos clientes/contribuintes a seguir mencionados, o A. não lhes comunicou para exercerem a opção pelo regime geral ou serem tributados pelo regime simplificado de determinação do lucro tributável.
9 – Sendo que no sobredito ano de início de actividade aqueles contribuintes, nas respectivas declarações de IRC, haviam colocado uma cruz na quadrícula da opção pelo regime geral.
10 – Omissão que decorreu do convencimento do A. de que aqueles seus clientes continuariam a ser tributados pelo regime geral durante, pelo menos, os três primeiros exercícios.
11 – Por não ter sido exercida a opção referida em 8., alguns contribuintes/clientes do A. foram tributados pela Administração Fiscal em montantes de IRC superiores àqueles que resultariam da aplicação do regime geral.
12 – Os quais vieram a exigir do A. o pagamento das quantias resultantes da diferença entre o imposto a pagar se tributados pelo regime geral e o imposto efectivamente pago pelo regime simplificado, em virtude de não ter ocorrido declaração atempada de opção pelo regime geral.
13 - Com referência ao exercício fiscal de 2002, Construções CC, Lda, NIF …, com sede em …, Tarouquela, Cinfães, foi tributada pelo regime simplificado, tendo a pagar aos Serviços Fiscais € 10.726,46, no pressuposto de que a firma obteve um lucro de € 53.632,31, quando, se tributada pelo regime geral o lucro real seria de € 3.746,30 e teria a pagar € 1.123,89, conf. doc. de fls. 16 e ss.
14 – Assim ascendeu a € 9.602,57 (€ 10.726,46 - € 1.123,89) o excesso de imposto imputado à dita firma em consequência do erro do A.
15 – Por não ter pago aos Serviços de Finanças os montantes devidos pelo exercício de 2002, devido a dificuldades financeiras, à firma em causa, foi instaurado processo de execução, n.º 253…, conf. doc. de fls. 26 e ss., com os encargos daí advenientes.
16 – Uma vez que a firma executada, devedora principal, não dispunha de bens suficientes para o pagamento da dívida, os Serviços Fiscais accionaram subsidiariamente os sócios-gerentes daquela, DD e marido EE, nos termos do disposto na Lei Geral Tributária, conf. doc. de fls. 26 e ss. e de fls. 29 e ss.
17 – Em 12-10-09, DD, NIF … procedeu ao pagamento por reversão do processo de execução fiscal identificado em 16., de € 9.039,32, montante respeitante ao exercício de 2002, conf. doc. de fls. 26.
18 – Em 19-10-09, EE, NIF …, procedeu ao pagamento por reversão do processo de execução fiscal identificado em 16., de € 6.000,00, conf. doc. de fls. 27, fls. 2, sendo que daquela quantia apenas € 1.218,16 (€ 781,22€+€ 436,94€) se reportavam ao exercício de 2002.
19 – A mencionada cliente/contribuinte foi tributada, a final, em € 10.257,48 (€ 9.039,32 + € 1.218,16), quantia suportada por aqueles seus sócios-gerentes, montante que aqueles, na sobredita qualidade de sócios-gerentes da Construções CC, Lda, exigiram ao A. e que este lhes entregou, em numerário, aos 9-10-09, conf. doc. de fls. 31.
20 – Com referência ao exercício fiscal de 2002, Construções FF, Lda, NIF …, com sede em …, Sobrado, Castelo de Paiva, foi tributada pelo regime simplificado, tendo pago aos SF, aos 8-8-05, € 5.309,56, no pressuposto de que a firma obteve um lucro de € 36.559,15, quando, se tributada pelo regime geral o lucro real seria de € 2.426,84 e teria a pagar € 728,05, conf. doc. de fls. 32 e ss.
21 – E ascendeu a € 4.581,51 (€ 5.309,56 - € 728,05) o excesso de imposto pago pela firma, montante que o referido contribuinte/cliente exigiu ao A., e que este entregou em numerário, em 1-9-08, a GG, na qualidade de sócio-gerente daquela sociedade, conf. doc. de fls. 42.
22 – Com referência ao exercício fiscal de 2002, HH, Ldª NIF...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO