Acórdão nº 1052/22.8T8LMG.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 25-10-2024

Data de Julgamento25 Outubro 2024
Número Acordão1052/22.8T8LMG.C1
Ano2024
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra
Relator: Fonte Ramos
Adjuntos: Moreira do Carmo
Fernando Monteiro

*
(…)


*

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. AA intentou a presente ação declarativa comum contra BB, pedindo que se declare que o A. é proprietário do prédio descrito no art.º 1º da petição inicial (p. i.) e se condene o Réu a reconhecê-lo e a entregar esse imóvel livre, devoluto e no bom estado de conservação em que se encontrava no início da ocupação e, ainda, a indemnizar o A. pelos “danos morais e materiais” e juros desde a citação até à entrega efetiva do imóvel.

Alegou, nomeadamente: a sua mãe (falecida em 06.9.2021) cedeu ao Réu o andar cimeiro do identificado prédio, sem contrapartida nem contrato verbal ou escrito, entregando-lhe o Réu pequenas quantias de dinheiro algumas vezes ao ano; interpelou o Réu para que lhe entregasse as instalações, mais lhe tendo proposto arrendar o imóvel mediante o pagamento de determinada quantia, tudo a que o Réu se opôs, continuando no dito andar e a utilizar o espaço contíguo.

O Réu contestou, dizendo que sempre reconheceu ao A. (e, anteriormente, aos pais deste) a qualidade de proprietário do prédio urbano em causa, que recebeu de arrendamento, por contrato celebrado verbalmente, com os pais do A., há mais de 15 anos, pagando as rendas em numerário e havendo celebrado os respetivos contratos de prestação de serviços de água e energia elétrica, habitando no referido imóvel com a sua família. Concluiu pela improcedência da ação (com exceção do reconhecimento da propriedade do imóvel) e pediu a condenação do A. como litigante de má fé.

Na sequência do despacho de 23.11. 2022, o A. respondeu à matéria de exceção e renunciou ao pedido por “danos morais e patrimoniais”.

Foi proferido despacho saneador que firmou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 20.3.2024, julgou a ação procedente e, em consequência, reconheceu que o A. é o legítimo proprietário do prédio identificado em 1. dos factos provados e condenou o Réu a reconhecer tal direito e a entregar-lhe o referido prédio livre, devoluto e no estado de conservação em que se encontrava no início da ocupação.
Dizendo-se inconformado, a Réu apelou formulando as seguintes conclusões:

1ª - O Apelante não se conforma com as decisões constantes nos parágrafos 5. e 9. (no que tange à referência “há mais de quinze anos”) e 9., dos factos provados bem como as constantes na alínea i), dos factos não provados, da sentença recorrida, porquanto estão em manifesta contradição com a motivação de tais decisões explanadas no aresto recorrido.

2ª - A sentença em crise está, assim, ferida de nulidade, por violação do disposto na alínea c), do n.º 1, do art.º 615º do Código de Processo Civil (CPC).

3ª - A redação dos parágrafos 5. e 9. deverá ser alterada, devendo constar:

5. O réu recebeu o andar cimeiro do prédio referido em 1. por acordo celebrado verbalmente com os pais do autor, há mais de dezanove anos.

9. O réu há mais de dezanove anos que habita o imóvel identificado, conjuntamente com a sua família constituída pela sua esposa e dois filhos e com uma cadela de estimação.

4ª - De facto, a testemunha CC afirmou que o “Sr. BB está lá há mais de dezanove anos”, o que expressou de forma reiterada, o que, aliás, é reconhecido pelo Tribunal recorrido quando refere que “A testemunha CC explicou, de forma fundamentada, que a casa foi arrendada ao réu há cerca de 19 anos (quando a sua filha nasceu)”, sendo que o Tribunal considerou que tal testemunha “(…) falou de forma fundamentada e objetiva, reportando-se aos factos por si relatados e coincidentes com a matéria factual em apreço, com recurso a exemplos e sem hesitações.”, não tendo qualquer outra testemunha referido tal factualidade.

5ª - Factualidade esta também corroborada pelo Tribunal a quo quando refere “O facto do ponto 6. deu-se como provado pela análise da fatura-recibo emitida pela Câmara Municipal ..., devidamente carimbada com a menção de «pago», datada de 04/9/2007, em que figura como utente DD, mostrando-se aposto no endereço postal o nome do réu, e pela análise da fatura da EDP de 19/01/2007, emitida em nome do réu.

Da conjugação destes elementos documentais que se encontram na posse do réu que os juntou aos autos e que lhe são dirigidos, com o depoimento das testemunhas inquiridas nos termos que infra se descreverão - dando conta que o réu residiu na habitação em apreço o Tribunal ficou convencido da veracidade do facto em apreço.”

6ª - Donde resulta sempre sem conceder nem conceber que o Apelante, pelo menos desde janeiro de 2007, que, conjuntamente com a sua família passou a habitar no arrendado.

7ª - Em consequência, também o parágrafo 7., dos factos provados, terá que ser alterado em conformidade, devendo fazer-se constar que “Desde há mais de dezanove anos que o réu pagou e continua a pagar contrapartida monetária para aí residir(…)”.

8ª - A testemunha CC, a quem o Tribunal a quo reconheceu idoneidade e credibilidade, referiu ao longo do seu depoimento, por diversas vezes, que o Recorrente sempre procedeu ao pagamento das rendas, incluindo, portanto, os meses de outubro e novembro do ano de 2022, como reiterou, por diversas vezes, ao longo do seu depoimento, referindo, nomeadamente, que o “Sr. BB pagava a renda sempre a dia 9 ou 10”; “Cheguei a ter 1.500€ de rendas do Sr. BB”; “A minha filha também entregou as rendas do Sr. BB ao Sr. AA depois da morte da mãe”, o que expressou de forma reiterada convencendo o Tribunal da veracidade de tais factos.

9ª - Do depoimento da testemunha CC, considerando a análise crítica efetuada pelo Tribunal recorrido constante da “Motivação”, resultou provada a factualidade da alínea i) dos factos não provados, pelo que a mesma deverá ser eliminada dos “Factos não provados” (tanto mais que está em manifesta contradição com os factos considerados provados nos parágrafos 7. e 8.) e levada aos “Factos provados”.

10ª - Resultou ainda provado, considerando o teor do requerimento datado de 06/02/2024 e os documentos aí anexos, o qual não foi impugnado, que, a partir do mês de dezembro de 2022, até ao corrente mês, sempre o Apelante procedeu ao pagamento da renda, por depósito bancário efetuado na agência de ..., da Caixa Geral de Depósitos (CGD), na conta titulada pelo Autor (anexa comprovativos dos depósitos efetuados, cuja junção requer nos termos previstos nos art.ºs 652º, n.º 1, al. e) e 425º, do CPC, tendo em conta que os documentos ora juntos, ainda não anexos aos autos, não estavam em poder do Apelante por se encontrarem, à data, extraviados ou por corresponderem a datas posteriores à prolação da sentença).

11ª - Em consequência, tendo em conta a apreciação efetuada pelo próprio Tribunal, devidamente fundamentada, como já se viu, a redação do parágrafo 7. dos factos provados, deverá ser alterada, passando a constar:

7.1. Desde há mais de dezanove anos que o réu pagou e continua a pagar contrapartida monetária por ali residir, primeiro aos pais do autor, depois à sua mãe e, após o decesso desta, ao próprio autor.

7.2 No mês de outubro de 2022, o réu entregou a quantia de € 150 à referida CC para que o fizesse chegar ao autor, o que aconteceu, não obstante nunca lhe ter sido passado o competente recibo de quitação.

7.3 A partir do mês de dezembro de 2022, até ao corrente mês, mensalmente o Réu procedeu ao pagamento da quantia de 150€, por depósito bancário efetuado na agência de ..., da CGD, na conta titulada pelo Autor.

12ª - Reafirme-se: deve ser eliminada a al. i) dos “Factos não provados”.

13ª - A carta remetida ao Apelante, citada e reproduzida em parte no parágrafo 11. dos factos provados, constitui a confissão, por parte do Autor da sua condição de senhorio, o que ali afirma perentoriamente “Como sabe, sou agora o seu senhorio porque sou o dono da casa em que o senhor vive. (…)”e, consequentemente a confissão e aceitação da prévia existência do contrato de arrendamento.

14ª - A consciência da parte do Autor e a aceitação da existência do contrato de arrendamento é bem explícita, constituindo declaração confessória, quando afirma, no final daquela missiva (...) terei de consultar um advogado para resolver todos estes problemas, que poderão passar por uma ação de despejo.

15ª - O Autor, posteriormente, vem intentar a presente ação de reivindicação assentando a sua causa de pedir em factos que bem sabia não serem verdadeiros (com a exceção da alegada propriedade, que nunca foi posta em causa pelo Apelante).

16ª - O Autor não logrou provar nenhum dos factos por si alegados em sede de p. i. nem em sede de réplica, com a exceção da prova da propriedade e da transmissão da mesma, por sucessão, que, aliás, não foi posta em causa.

17ª - O Autor bem sabe que os factos por si alegados na p. i. não são verdadeiros, nomeadamente os dos artigos 3º a 11º, tendo deduzido uma pretensão que bem sabia não ter fundamento.

18ª - O Autor tinha a consciência de que apenas poderia obter a restituição do arrendado através da competente ação de despejo, se para tanto estivessem verificados os requisitos legais.

19ª - O Autor, manifestamente de má fé, utilizou o presente processo para obter uma vantagem (a entrega do arrendado) com recurso à alteração da verdade dos factos, fazendo um uso manifestamente reprovável, tendo até, em primeira instância logrado os seus intentos.

20ª - O Autor litiga com manifesta má fé e como litigante de má fé deve ser condenado, em multa condigna e indemnização a favor do Apelante, a fixar no n.º 2, do art.º 543º do CPC (porquanto ainda são desconhecidos os montantes das despesas e honorários a suportar para integral defesa).

21ª - Ao assim não entender o Meritíssimo Juiz a quo também violou o exato entendimento do disposto no art.º 542º, n.º 2 do CPC.

22ª - Ao Autor competia provar, em...

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