Acórdão nº 1052/19.5T8PVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 15-09-2022
Data de Julgamento | 15 Setembro 2022 |
Case Outcome | CONCEDIDA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 1052/19.5T8PVZ.P1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I. — RELATÓRIO
1. AA, invocando, a qualidade de herdeira e cabeça de casal da herança de BB, intentou acção declarativa com a força de processo comum contra CC pedindo que:
a) seja decretada a execução especifica de contrato promessa de partilha celebrado por BB, e pela sua ex-cônjuge, aqui Ré, CC, divorciada, “adjudicando-se aos herdeiros do falecido BB, o imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...45 e descrito na conservatória do registo predial ... na ficha nº ...92 e alusivo ao prédio sito na Rua ..., ..., e nos termos discriminados nas clausulas 3º, 4º e 5º do referido contrato”;
b) seja considerada como já efectuada a restante partilha, à excepção das obras de arte referidas pela Autora, agora Recorrente.
2. Foi proferido despacho, considerando haver litisconsórcio necessário activo, em face do disposto no art. 2091.º do Código Civil e, em consequência, convidando a Autora suscitar o incidente de intervenção principal provocada de DD e EE, herdeiras habilitadas de BB.
3. A Autora suscitou o incidente e, devidamente citadas, as requeridas habilitadas herdeiras de BB declararam que se opõem à acção.
4. Invocaram a ilegitimidade activa da Autora, para prosseguir, por si, só, a acção.
5. O Tribunal de 1.ª instância absolveu a Ré da instância:
I. — quanto ao pedido deduzido sob a alínea a), por ilegitimidade da Autora;
II. — quanto ao pedido deduzido sob a alínea b), por incompetência do Tribunal, em razão da matéria.
6. Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação.
7. O Tribunal da Relação do Porto:
I. — confirmou a decisão impugnada quanto ao pedido deduzido sob a alínea a);
II. — deu como prejudicada a impugnação da decisão quanto ao pedido deduzido sob a alínea b).
8. Inconformada, a Autora interpôs recurso de revista.
9. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:
I. Estamos perante uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;
II. Estão em causa interesses de particular relevância social;
III. O Acórdão de que se recorre encontra-se em manifesta contradição com o acórdão proferido pela Tribunal da Relação de Lisboa em 28.04.2015, alusivo ao processo 806/13.0 TVLSB.L1-7. E este acórdão deliberado por unanimidade. Insere-se no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, sem que tenha sido proferido Ac. de Uniformização de Jurisprudência até à data.
IV. A questão fundamental de direito em causa circunscreve-se a:
O disposto no art. 2091 nº 1 do Código Civil, ao consignar que “os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros” tem o alcance de que tal pressuposto se cumpre com a presença de todos os herdeiros nos autos, designadamente através do incidente de intervenção principal provocada, (ainda que alguns/alguns dos intervenientes se oponha(m) à pretensão da A.”, ou, pelo contrário, todos os herdeiros chamados a intervir, tem de observar um só vontade relativamente à pretensão em causa formulada pela A. (litisconsórcio necessário ativo).
V. Não tendo sido consagrado, o recurso excecional de revista, como um triplo grau de recurso jurisdicional, e atenta excecionalidade da modalidade de recurso em questão é fulcral e perentória a necessidade imperiosa do STJ intervir, no sentido de uma melhor aplicação do direito, considerando a relevância dos contornos sociais em causa.
VI. Prevendo o artigo 2091 nº 1 do C.C. que “fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no art. 2078º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros”, urge esclarecer a exata extensão das expressões “só” e “conjuntamente”, no âmbito do instituto do litisconsórcio necessário previsto no art. 33º do C.P.C.
VII. O litisconsórcio necessário verifica-se quando a lei ou negócio jurídico exige a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, ou quando pela natureza da relação jurídica, aquela intervenção seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal (cfr. art. 33 nº 1 e 3 do C.P.C).
VIII. A decisão produz o seu efeito útil normal, sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado “é consabido que, na pendência do inventário, enquanto não está efetuada a partilha, em nome da herança (ou contra toda a herança) embora carecida de personalidade jurídica, que devem ser instauradas a ações destinadas a defender, ou a sacrificar interesses do acervo hereditário, sendo a herança normalmente representada nesse caso pelo cabeça de casal ( art. 2088 e 2089º do C.C.) desde que, a intervenção deste caiba nos seu poderes de administração e fora destes casos para todos os herdeiros como decorre do disposto no art. 2091 nº 1 do C.C.” – in Ac. recorrido.
IX. Não se enquadrando a execução específica de um contrato promessa de partilha celebrado pelo de cujus no conceito de “administração da herança”- o que se concede- aquando da dedução do incidente de intervenção principal provocada pela aqui recorrente (sua viúva e cabeça de casal da herança aberta pelo óbito do falecido, viúva esta do 2ª matrimonio do falecido) para o chamamento das demais herdeiras (filhas do de cujus na constância do 1ª matrimonio dissolvido com a 1ª Ré CC, portanto, enteadas da A/recorrente) resulta, assim que in casu é aplicável o disposto no art. 2091 nº1 do C.C. e subsequentemente o disposto no art. 33 do C.P.C.
X. Conforme ensina o Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3.ª edição, Coimbra Editora, página 94, ensina:
“... Quando é que a relação jurídica litigiosa tem de ser resolvida de modo uniforme quanto a todos os interessados? Quando é que a decisão só pode ser proferida em relação a todos?
Procurou a lei portuguesa responder ao quesito que a lei alemã e a lei italiana deixaram sem resposta. E responde nestes termos: quando for necessária a intervenção de todos para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.
Esta fórmula foi inspirada na doutrina de Redenti (...). Chiovenda dá-nos outro critério. A solução do problema, diz ele, deriva de dois princípios fundamentais: a) por um lado, o princípio da liberdade; b) por outro lado, o princípio do interesse, ou melhor, o princípio da utilidade. Princípio da liberdade: cada um tem o direito de proceder como quiser dentro dos limites da lei: ninguém pode ser forçado a propor uma acção que não está disposto a propor, nem a intentá-la contra quem não quer [o que, parecendo semelhante, está, contudo, nos antípodas do afirmado pelo Míssimo. Juiz a quo, na Sentença proferida, penúltima página, último parágrafo] Princípio da utilidade: não se pode pedir ao Tribunal uma coisa inútil, ou, por outras palavras, toda a demanda há-de-ter alguma utilidade prática, por mais limitada que seja.” (negrito nosso).
XI. Já na página 95, o mesmo Professor continua a ensinar: “O efeito útil normal da sentença é declarar o direito de modo definitivo, formando o caso julgado material (...). Se este resultado não puder conseguir-se sem que estejam em juízo todos os interessados, estaremos em presença dum caso de litisconsórcio necessário emanado da própria natureza da relação jurídica. Por outras palavras, se a relação litigiosa for de tal natureza que, para se formar o caso julgado substancial, seja indispensável que a sentença vincule todos os interessados, todos eles têm de figurar na acção, visto, por um lado, ser inadmissível que se profira uma sentença inútil, e, por outro, ser intolerável, em princípio, que uma sentença tenha eficácia contra interessados directos que não foram chamados à acção”
XII. Assim, este é, tão só o propósito processual do litisconsórcio necessário: 1º prever o direito de cada um proceder como quiser dentro dos limites da lei; 2º declarar de modo definitivo, formando o caso julgado material;
XIII. Como doutamente, V. Exas., Venerandos Juízes Conselheiros do STJ já entenderam: “na inexistência de decisões inconciliáveis sob o ponto de vista prático e, consequentemente, na obtenção de segurança e certeza na definição das situações jurídicas, sendo certo que a repartição dos vários interessados por ações distintas impede uma composição definitiva do litígio e, ainda assim, essa repartição pode obstar a uma solução uniforme entre todos os interessados. Assim, por exemplo, na ação de anulação de testamento, a sentença a proferir só produz o seu efeito útil normal com a intervenção de todos os interessados, porque só essa participação comum assegura uma decisão uniforme entre eles (STJ – 28.02.1975, BMJ 224, 235) .
XIV. Acrescente-se que também, Pires de Lima e Antunes Varela referem que “ a falta de qualquer dos herdeiros interessados na ação é fundamento de ilegitimidade” (in Código Civil Anotado, Volume VI, Pires de Lima e Antunes Varela, Coimbra Editora, pág 152). Não de concordância de todos os herdeiros-
XV. No caso dos presentes autos, e após as intervenientes principais DD e EE (descendentes do de cujos e da 1ª Ré CC, e com esta co residentes no imóvel em relação ao qual pretende a A. a execução especifica em benefício da herança) virem aos autos “opor-se ao prosseguimento dos autos” estribam as mesmas a ilegitimidade da aqui recorrente naquela sua oposição, mediante (i) uma sua conclusão textual dos termos “só” e “conjuntamente” previstos no artigo 2091 nº 1 do C.C. e (ii) na citação de um parágrafo “descontextualizado” de FF Ascensão o qual no contexto em que insere esse mesmo parágrafo entende dever aplicar-se subsidiariamente as regras da compropriedade ao caso (como dos presentes autos) em que todos os herdeiros não observam...
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