Acórdão nº 1050/04 de Tribunal da Relação de Coimbra, 08-06-2004

Data de Julgamento08 Junho 2004
Número Acordão1050/04
Ano2004
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra
1
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


A intentou, em 13/07/2000, pelo Tribunal da comarca de Alvaiázere, acção ordinária contra Companhia de Seguros B pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de 4.807.480$00 (23.979,60 €) e juros legais, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, por ele sofridos em consequência do acidente de viação ocorrido em 31/03/1998, pelas 15,30 horas, na E.N. 110, à passagem pela localidade de Barqueiro, entre o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 42-98-GV, conduzido pelo autor, seu proprietário, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 97-64-BA, conduzido pelo seu proprietário António Amaral Santos, e seguro na ré (apólice nº 1199073), ficando o acidente a dever-se a culpa exclusiva deste último condutor.
Requereu a concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa total de preparos e do pagamento de custas, que, oportunamente, lhe foi deferido.
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A ré contestou, pugnando pela improcedência da acção, em virtude de a culpa do acidente ser do próprio autor, por circular na via pela esquerda da mesma, em contravenção à norma estradal que lhe impõe a circulação pela direita.
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Foi proferido o despacho saneador e organizada a selecção dos factos assentes e dos que constituem a base instrutória, tendo havido reclamação do autor quanto a um lapso material, que foi rectificado.

O autor foi, conforme requereu, submetido a exame pericial no I.M.L. de Coimbra.


Teve, depois, lugar uma primeira audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova, seguida de decisão da matéria de facto controvertida e sentença, mas tudo foi anulado em virtude de se mostrarem inaudíveis as cassetes da gravação.
Realizado novo julgamento, com gravação da prova e deslocação do Tribunal ao local do acidente (com registo da observação do Sr. Juiz a fls. 188), e, decidida a matéria de facto controvertida, sem reclamações, foi proferida a sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor 3.740,50 € por danos morais, 349,16 € como correspondendo ao que o autor deixou de auferir em consequência de ter estado 60 dias impossibilitado de trabalhar, 4.990,00 € como correspondendo a metade dos danos sofridos pelo autor resultantes da I.P.P: de 10% para o trabalho e metade do que se vier a liquidar em execução de sentença como sendo os danos sofridos pelo veículo do autor, mas nunca superior a 10.649,34 €, tudo acrescido de juros à taxa legal desde a citação.
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Inconformada, apelou a ré, concluindo a sua alegação da forma seguinte:
1. Apesar de sido interposto recurso de apelação pela ré, o despacho de admissão, julga-se que por lapso, não consta do despacho proferido em 22/09/2003, o qual só refere o recurso interposto pelo autor.
2. Também as cópias da gravação da audiência fornecidas à ora recorrente, são totalmente ininteligíveis.
3. Sem que se saiba se o defeito será da gravação da audiência ou tão só das cópias dela retiradas e fornecidas à parte.
4. Da prova da matéria de facto produzida em audiência de julgamento, há que concluir que a culpa na produção do acidente tem de ser imputada exclusivamente ao autor.
5. Por ter invadido a mão contrária à que lhe competia, na via onde o acidente aconteceu e aí chocando com o veículo seguro.
6. Tal demonstrou-se com a derrapagem marcada no pavimento, produzida pela roda da frente esquerda do veículo seguro, a qual sendo paralela ao centro da via, prova que este último nunca abandonou a sua mão de trânsito.
7. Aliás, pretendesse o segurado mudar de direcção para a sua esquerda, as marcas deixadas sempre seriam oblíquas relativamente ao eixo da via.


8. Fixada pois a culpa, não se justifica o recurso ao risco, para determinar a sentença, pois sendo o ónus da prova, quanto à eventual culpa do autor, sempre a acção tem de ser julgada improcedente.
9. Mas que o autor tivesse direito a ser indemnizado a sentença não contem os fundamentos de facto da liquidação das quantias arbitradas.
10. Pelo que os montantes atribuídos a título de danos não patrimoniais e de danos futuros correspondem a verbas atribuídas discricionariamente e não com base em critério de equidade, que não vem fundamentado.
11. Pelo que a sentença sempre sofreria de nulidade determinante da sua revogação (artº 668º als. b) e c) do Código Processo Civil).
12. Também não é admissível remeter-se para liquidação de sentença, parte do pedido de indemnização, só porque o eventual titular não trouxe aos autos a prova que permitisse tal liquidação.
13. Tal remessa só é admissível quando, sem culpa do peticionário, o tribunal não pode efectuar a liquidação, mas dá como provados os factos que fundamentam o direito.
14. No caso dos autos, haveria que se dar como provado que o veículo ficou inutilizado ou quais as avarias sofridas, determinantes da decisão sobre a perda total, valor dos salvados, ou custo do arranjo.
15. Assim, a sentença proferida viola os artºs 483º do Código Civil, 668º als. b) e c) do Código Processo Civil e 13º nº 1 do Código da Estrada.
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Também o autor interpôs recurso de apelação, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:
1ª- A decisão recorrida, não ajuizando pela culpado segurado da demandada co-recorrente
2ª- sentenciando com base na vulgarmente designada teoria do risco ou seja na responsabilidade objectiva
3ª- sendo certo que a E.N. 110, no local, não só ostentava 6,20 m de largura,
4ª- mas também encontrar-se separada, em duas hemi faixas de sentido contrário, por linha longitudinal
5ª- por certo que uma das duas viaturas ocupou espaço para cujo trânsito não lhe estava dado, mas vedado,


6ª- havendo duas testemunhas arroladas pelo autor/recorrente que presenciaram a eclosão do sinistro
7ª- entendemos que deverá, superiormente, de ser determinada a reconstituição do acidente, com a finalidade de ajustar e aproximar o Juízo e o julgamento do acidente
8ª- à verdade material dos factos que levaram a que houvesse colisão entre as duas viaturas referidas nos autos,
9ª- anulando-se o julgamento e ordenando-se a repetição do mesmo com reconstituição do acidente.
10ª- Não tendo assim sucedido, humildemente entendemos que foram violadas, entre outras, as normas dos artºs 483º e ss. e 503º do C.Civil, 612º, nº 1 e 650º do C.P.C.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os legais vistos, cumpre apreciar e decidir.
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Na 1ª instância foi dado como provado o seguinte:
Factos Assentes:
A) - No dia 31/03/1998, cerca das 15, 30 horas, na E.N. nº 110 (IC 3), que liga Tomar a Condeixa-a-Nova, à passagem pela localidade de Barqueiro, concelho e comarca de Alvaiázere, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de passageiros, marca Opel, modelo Astra, de matrícula 42-98-GV, pertencente ao autor e por este conduzido, e o veículo ligeiro de passageiros, marca Honda, modelo Prellude, de matrícula 97-64-BA, pertencente a António Amaral Santos e por este conduzido.
B) - O veículo GV seguia no sentido Condeixa-Tomar, seguindo o veículo BA no sentido Tomar-Condeixa.
C) - No local do embate a E.N. 110 recebe um primeiro entroncamento, no sentido Condeixa-Tomar, que liga Alvaiázere a Barqueiro e vice-versa.
D) - A E.N. 110 encontrava-se no local dividida por uma linha longitudinal contínua, interrompida para contínua no local fronteiro à referida interseccção de estradas.
E) - O embate deu-se entre a frente esquerda do veículo GV e a
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