Acórdão nº 104/20.3SJPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 02-05-2024

Data de Julgamento02 Maio 2024
Case OutcomeNEGADA PROVIMENTO
Classe processualRECURSO PENAL
Número Acordão104/20.3SJPRT.P1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório

1. Por acórdão de 08 de Novembro de 2023, do Tribunal da Relação do Porto, 4ª Secção, proferido no Processo 104/20.3SJPRT.P1, foi julgado procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, da sentença do Tribunal Singular de 13/04/2023, que absolvera o arguido, AA da prática, em autoria material e concurso efectivo, de dois crimes de “ofensa à integridade física simples”, p. e p. na disposição do artigo 143º do Código Penal e em consequência foi o mesmo condenado nas penas, respectivamente, de 2 meses de prisão e 8 meses de prisão e em cúmulo jurídico na pena única de oito (8) meses e quinze (15) dias de prisão suspensa na sua execução, pelo período de um (1) ano, sob condição do pagamento das quantias de 250.00€ e de 1.500.00€ aos ofendidos.

2. Inconformado o arguido interpôs recurso do douto acórdão, extraindo da respectiva motivação, as seguintes conclusões: (transcrição)

a) Por sentença de 1ª instância foi o ora Recorrente absolvido da prática de dois crimes de ofensa à integridade física, previstos e punidos nostermos doartigo143.º doCódigoPenal;

b) Não concordando com o teor da referida sentença, veio o Ministério Público interpor recurso para o Tribunal da Relação do Porto;

c) Alegando para o efeito a existência de fundamentos que determinariam a aplicação de decisão diversa da absolvição;

d) Nessa sequência, foi proferido Acórdão, pelo Tribunal da Relação do Porto revogando a decisão absolutória de 1ª instância, e condenando o Recorrente pela prática dos dois crimes de ofensa à integridade física de que vinha acusado;

e) Aplicando para o efeito, a pena de prisão de 8 (oito) meses e 15 (dias), suspensa na execução contra o pagamento de um quantum pecuniário de € 1.750,00 (mil setecentos e cinquenta euros);

f) Acontece, porém, que o Acórdão proferido e ora recorrido padece de graves vícios, nomeadamente, de incoerências de fundamentação e, acima de tudo, padece de erro notório na apreciação da prova;

g) Circunstâncias que habilitam o Recorrente a arguir tais vícios perante o Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com o disposto no artigo 410.º n.º 2 alienas a), b) e c) do Código de Processo Penal;

h) Vícios esses, inerentes ao teor do Acórdão recorrido, e que se traduzem na circunstância de terem sido, erroneamente dados como provados, factos que não poderiam ser em face da prova testemunhal produzida;

i) Nomeadamente, os artigos 3.º e 4.º dos factos dados como provados, a saber:

a. “3. De imediato, o arguido, relações públicas naquele espaço, em conjunto c com outros indivíduos cuja identidade não se apurou, empurrou os ofendidos, tentando que saíssem do bar, dizendo-lhes que não eram bem-vindos, provocando, desta forma, a queda do ofendido BB”

“4. Após, com este no chão, o arguido, em conjunto com outros indivíduos cuja identidade não se apurou, desferiu diversos pontapés no ofendido BB;”

j) E por sua natural decorrência, os artigos 5.º, 6.º e 7.º dos factos dados como provados:

a. “5. Como consequência direta e necessária das referidas agressões, a ofendida CC

sofreu dores e o ofendido BB sofreu escoriação no lábio e na perna direita, que lhe determinou 10 dias de doença, sem afetação para o trabalho geral e para o trabalho profissional;

6. O arguido, em comunhão de esforços e intentos com outros indivíduos não concretizados, agiu de forma livre, voluntaria e consciente, no propósito concretizado de molestar o corpo dos ofendidos e lhes provocar as lesões que efetivamente provocou;

7. O arguido sabia que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal;”

Para o efeito,

k) O Tribunal da Relação do Porto, revogou a referida absolvição do Recorrente, tendo apenas em consideração a congruência dos depoimentos do Assistente e da Ofendida;

l) Consignando, também, como fundamento da sua decisão, a circunstância de os depoimentos das testemunhas DD e EE corroborarem os depoimentos daqueles;

m) A verdade é que tal não aconteceu, existindo evidentemente, um erro notório na apreciação da prova;

n) Ora, as referidas testemunhas – no decurso da audiência de discussão e julgamento – consignaram, ao contrário do que vem dito no Acórdão recorrido, que não conseguiram o Recorrente estava no local dos acontecimentos;

o) Sendo certo que dessa circunstância faz referência a sentença de 1ª instância;

p) Aliás, o Ministério Público, reconhece tal evidência no recurso apresentado, porquanto apenas recorre aos depoimentos do Assistente e da Ofendida para justificar uma putativa condenação do Recorrente;

q) Em face do demais, o Recorrente, em sede de resposta ao recurso apresentado, reforçou a circunstância de apenas o Assistente e a Ofendida o colocarem como autor das agressões;

r) Para além destes, nenhuma das referidas testemunhas corroboraram as imputações realizadas pelo Assistente e pela Ofendida;

s) Aduziu ainda o Acórdão recorrido, que a decisão assenta na consistência e congruência dos depoimentos do Assistente e da Ofendida;

t) Esquecendo-se, de justificar, ao abrigo dos critério de razoabilidade e de homem médio, o porquê de os Ofendidos não terem conseguido identificar o Arguido logo no momento do auto de notícia;

u) Visto que o conheciam bem;

v) Tendo admitido tal circunstancialismo, em plena audiência de discussão e julgamento;

w) Infelizmente – contrariamente ao que seria de esperar por uma análise dos factos, o Assistente e a Ofendida tem uma clara visão dos factos ocorridos há mais de dois anos!

x) Considerando, portanto, o Acórdão recorrido, perfeitamente possível e lógico, que decorridos mais de 2 anos dos factos, o Assistente e a Ofendida tenham uma memória irrepreensível dos acontecimentos daquele dia;

y) Aqui chegados, obviamente, se perceciona que a fundamentação do Acórdão ora recorrido, não pode subsistir quando confrontado com a prova testemunhal – gravada – produzida em audiência de discussão e julgamento;

z) Muito pelo facto, de nenhuma das testemunhas – excetuando o Assistente e a Ofendida – conseguir imputar ao Arguido a prática dos crimes de que vem ora acusado;

aa) E tanto assim o é, que tal circunstância decorreu na presença do Arguido em sede de audiência de discussão e julgamento;

bb) Não subsistindo, portanto, nenhuma razão ao Acórdão recorrido, quando consigna (na sua fundamentação para a condenação do Arguido) o facto de as testemunhas – DD e EE – corroborarem a tese do Assistente e da Ofendida;

cc) Existindo, obviamente, e em face de tal circunstancialismo, um erro notório na apreciação da prova!

dd) Por sua vez, olvidou-se o Tribunal “A Quo” de analisar atentamente o princípio in dúbio pro reo.

ee) Na verdade, e tal como defendido por diversos arestos jurisprudenciais, o referido princípio impõe ao julgador que decida a favor do arguido quando dos factos carreados para os autos não seja possível imputar de forma assertiva a autoria de um ou vários crimes.

ff) Por outras palavras, o Tribunal encontra-se vinculado a decidir da absolvição do Arguido, em caso de dúvida ou no caso de ausência de prova;

gg) Contudo, in casu, o Tribunal “A Quo” olvidou-se de aplicar tal princípio, na medidaem que, da análise da prova existente nos autos, nomeadamente a prova testemunhal, não podia, nem pode, permitir que o Tribunal crie uma convicção de que o Arguido foi o autor das referidas agressões.

hh) Nessa senda e não tendo sido possível determinar com certezas quem foi o autor das agressões deveria o aqui Recorrente ter sido absolvido da prática do crime, isto porque o princípio in dúbio pro reo não é um princípio de direito probatório, mas uma regra de decisão na falta de convicção.

ii) Sem prescindir e no que diz respeito ao princípio da livre apreciação da prova, mal andou o Tribunal “A Quo” a criar a sua convicção em elementos probatórios que padecem de concretização, isto porque a prova capaz de imputar responsabilidade criminal é manifestamente insuficiente.

jj) Na verdade, segundo o consignado na lei, deveria o Tribunal “A Quo” apreciar a prova segundo as regras da experiência comum e segundo critérios lógicos, objetivos e devidamente justificados.

kk) Acontece que, in casu, o Tribunal “A quo” retirou conclusões que, com o devido respeito, não poderia retirar, alheando-se totalmente do seu dever de procurar a “verdade material”, acabando por julgar segundo convicções próprias e infundadas.

ll) Veja-se que, o Tribunal “A quo” sustentou a sua convicção nos depoimentos do Assistente e da Ofendida, que teriam sido corroborados pelos amigos destes que se encontravam no local dos factos e que “presenciaram” os acontecimentos;

mm) Acontece que, tal não sucedeu, porquanto esse suporte testemunhal – que serviu de base à condenação - não existiu, nem existe!

nn) Peloque, aofazer uma interpretação, claramente,extensivae presuntiva, violouo Tribunal “A Quo” o princípio da livre apreciação da prova;

SEM PRESCINDIR,

DA PENA E DA MEDIDA DA PENA APLICADA

oo) Para além dos vícios invocados em supra, o Tribunal “A Quo” condenou o Recorrente a uma pena de prisão em detrimento da pena de multa

pp) Contudo, não consegue o recorrente compreender os fundamentos que originaram tal condenação;

qq) Porquanto, a pena aplicada viola, de forma ostensiva, os mais basilares princípios de direito penal, legalmente estatuídos no Código Penal, nomeadamente os art.ºs 70º e 71.º.

rr) De facto, o Tribunal “A Quo” condenou o Arguido a uma pena de prisão, sem atender a todos os fatores que militam a favor do arguido;

ss) Nomeadamente, o relatório social, a ausência de Registo Criminal bem como o facto de o mesmo se encontrar profissionalmente e socialmente integrado;

tt) Fatores que permitiam, inevitavelmente, e sem prejuízo do que se disse, que ao Arguido fosse aplicada uma pena de multa;

uu) Na medida em que tal pena, revelar-se-ia suficiente, adequada e proporcional.

vv) Sendo certo, que tendo o Tribunal “A quo”...

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