Acórdão nº 10390/18.3T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 19-05-2020

Data de Julgamento19 Maio 2020
Número Acordão10390/18.3T8LSB.L1-7
Ano2020
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I- Relatório:
A [ Imobiliária …, S.A. ], veio intentar, em 2.5.2018, contra B [ Banco …, S.A., ] ação declarativa comum pedindo que seja “declarada a eficácia das comunicações de transição para o NRAU dos contratos de arrendamento em vigor entre A e o R. da Loja 2 e da Loja no piso térreo, com acesso pela Praça Marquês de Pombal e passagem através do imóvel, zona da Galeria com frente para aquela Praça e zona da cave do prédio sito na Praça Marquês de Pombal, n.º …, em Lisboa; concretamente que os contratos de arrendamento em vigor entre A. e o R. se consideram sujeitos ao regime do NRAU e celebrados pelo prazo de 5 anos, a contar de 1 de Outubro de 2016.”
Alega, para tanto e em síntese, que sendo proprietária do prédio sito na Praça Marquês de Pombal, nº , em Lisboa, arrendou a Loja 2 do mesmo, em 24.5.1961, para fins não habitacionais, a Petróleos de Portugal, Petrogal, S.A., que veio a ceder, com autorização da A., a sua posição contratual ao então Banco …..., atual RÉ.
Por sua vez, em 13.7.1960, a A. arrendou ao Banco …..., atual RÉ, para fins não habitacionais, a Loja no piso térreo com acesso pela Praça Marquês de Pombal e passagem através do imóvel, zona da Galeria com frente para aquela Praça e zona da cave do prédio sito na Praça Marquês de Pombal, nº , em Lisboa.
Uma vez que o prédio não está constituído em propriedade horizontal, e dispondo a A. apenas do valor patrimonial tributário do prédio no seu conjunto, e não de cada um dos espaços arrendados, a A. ficou impedida de proceder à atualização das rendas nos termos do art. 50 da Lei 6/2006, na redação conferida pela Lei nº 31/2012, de 14.8, por não se verificarem os requisitos exigidos para o efeito.
No entanto, não ficou a A. impedida de promover a transição para o NRAU dos contratos de arrendamento celebrados antes de 30.9.1995.
Assim, em 5.7.2016, a A. enviou ao R. cartas registadas com aviso de receção a comunicar-lhe a sua intenção de proceder à transição para o regime do NRAU de cada um dos aludidos contratos de arrendamento, dando cumprimento às exigências de informação estabelecidas no artigo 50 do NRAU, exceto as que respeitavam à atualização da renda.
Sucede que o R. recebeu as cartas, mas entende que não foi dado cumprimento ao disposto no referido art. 50 do NRAU porque os locados não foram avaliados nos termos do disposto no art. 38 do CIMI e a caderneta predial urbana enviada respeita à totalidade do prédio, não discriminando o valor de cada locado.
A A. informou então o R. que as comunicações efetuadas eram válidas e eficazes, pelo que os contratos ficariam submetidos ao regime jurídico do NRAU a partir de 1.10.2016, passando a ser de prazo certo e com a duração de 5 anos, reiterando, porém, o R. a sua anterior posição.
Conclui que a situação prejudica gravemente a A., porque a impede não só de planear as obras que no prédio é necessário realizar, como de ver definido, com segurança, o regime jurídico e o prazo dos contratos em questão.
Contestou o R., defendendo, no essencial, que a pretendia transição dos contratos para o NRAU não é legalmente admissível, por não se verificarem os requisitos legais, uma vez que, nas comunicações realizadas, a A. não indicou, como competia, o valor do locado avaliado nos termos do disposto no artigo 38 do CIMI constante da respetiva caderneta predial nem remeteu cópia da mesma com menção do dito valor. Assim, conclui, são ineficazes as referidas comunicações, devendo a ação ser julgada improcedente.
Entendendo o Tribunal que seria de conhecer de imediato do mérito da causa, e sendo facultada às partes a respetiva discussão de facto e de direito, veio o R. remeter para os termos da contestação e a A. desenvolver a argumentação por si já deduzida na p.i..
Em 1.8.2019, foi dispensada a realização de audiência prévia, fixado à causa o valor de € 30.000,01, e proferido despacho saneador que conferiu a validade formal da instância. Mais se entendeu conhecer do pedido formulado pela A., decidindo-se nos seguintes termos: “(...) julga-se totalmente improcedente a presente ação, e, em consequência, absolve-se o réu do pedido.
Custas pela autora.”
Inconformada, recorreu a A., culminando as alegações por si apresentadas com as conclusões a seguir transcritas:

1. Na presente acção está em causa a eficácia da comunicação efetuada pela Rte. à Rda, de transição do contrato de arrendamento para fins habitacionais celebrado entre as partes em data anterior ao DL 257/95, de 30 de Setembro;
2. Esta comunicação teve por objecto apenas a transição do contrato para o NRAU e não a atualização do valor da renda;
3. Com efeito, a Autoridade Tributária determinou apenas o valor tributário do prédio no seu conjunto, não tendo atribuído valor patrimonial tributário aos espaços locados;
4. Neste contexto, a Rte. entendeu poder despoletar apenas a transição do regime do contrato para o NRAU, não podendo proceder à actualização da renda por não poder cumprir as exigências estabelecidas nas alíneas b) e c) do artigo 50° do NRAU;
5. Assim, na interpretação que a Rte. faz do artigo 50°, não tendo esta despoletado o procedimento de actualização da renda, mas tão somente o de transição do contrato para o NRAU, não era exigível que a comunicação contivesse os referidos elementos, por não ser aplicável as alíneas b) e c) do referido dispositivo, pelo que considera que a mesma foi validamente efectuada;
6. A sentença recorrida considerou a referida comunicação ineficaz por falta de cumprimento dos requisitos estabelecidos nas alíneas b) e c) do referido dispositivo legal;
7. A Rte. discorda da sentença, pelas seguintes razões:
i) Por considerar que a interpretação que se fez do artigo 50° do NRAU é ilegal por violação do disposto no artigo 9° do Código Civil;
ii) A entender-se não ocorrer a referida ilegalidade, ocorre inconstitucionalidade na leitura feita na sentença da norma do artigo 9° do Código Civil, por desconformidade com os princípios da igualdade, da justiça, da proporcionalidade, dos quais resulta o impedimento de normas arbitrárias, injustificadamente discriminatórias e injustas por desproporcionadamente lesivas dos direitos e dos interesses de uma categoria de cidadãos e de situações (ínsitos nos artigos 2° e 13° da Constituição);
iii) De todo o modo, a norma do artigo 50° da Lei n° 31/2012, de 14 de Agosto, interpretada e aplicada nos termos da sentença recorrida é inconstitucional por desconformidade com os princípios acima indicados da igualdade, da justiça, da proporcionalidade, da boa fé e da confiança jurídica, dos quais resulta o impedimento de normas arbitrárias, injustificadamente discriminatórias e injustas por desproporcionadamente lesivas dos direitos e dos interesses de uma categoria de cidadãos e de situações.
8. Para apreciar a questão de fundo é necessário definir, com precisão, qual é o alcance da norma;
9. O sentido da norma do artigo 50° da Lei n° 31/2012, de 14 de Agosto, só pode ser alcançado, como o de qualquer normativo, por via da interpretação a efectuar nos termos das regras legais estabelecidas no artigo 9º do Código Civil;
10. No que para os presentes autos releva, podem suscitar-se de imediato as seguintes hipóteses:
- O art. 50° estabelece um procedimento único, qual seja, o de transição do contrato de arrendamento para o NRAU e atualização da renda? Ou estabelece dois procedimentos distintos: um de atualização da renda e outro de transição para o NRAU, cabendo distinguir a aplicação das alíneas b) e c)?
- Independentemente de serem ou não procedimentos distintos, as alíneas b) e c) do artigo 50° são aplicáveis, cada uma delas, indistintamente, à transição para o NRAU e à atualização da renda? Ou, cada alínea tem um campo de aplicação próprio em função da ratio legis, a estabelecer por inferências lógicas?
11. A Lei 31/2012, de 14 de Agosto, teve como objetivo reformar o regime do arrendamento urbano aprovado pela Lei n 6/2006, na sequência e em conformidade com o compromisso constante do Memorando de Entendimento subscrito por Portugal em 17 de Maio de 2011. Nos termos deste Memorando, o Governo português comprometeu-se a alterar a “Lei do Arrendamento Urbano”, a Lei 6/2006, a fim de garantir um equilíbrio de direitos e obrigações dos senhorios e inquilinos, tendo em conta os mais vulneráveis socialmente - disponível em https:// memorando troika.pt:
12. Desta forma, o regime de arrendamento fixado pela referida lei tem de ser interpretado no contexto da aprovação da Lei 31/2012, de 14 de Agosto, que expressamente teve como principais objetivos:
- Dinamizar o mercado de arrendamento criando condições para que o mercado funcione plenamente ao se pretender garantir um equilíbrio de direitos e obrigações dos senhorios e inquilinos;
- Permitir e promover a atualização do valor das rendas;
13. Da Exposição de Motivos da Proposta de Lei 38/XII salienta-se o seguinte excerto determinante para apurar o sentido da norma do artigo 50ª do NRAU: "Volvidos mais de cinco anos sobre a entrada em vigor da Lei n.° 6/2006, de 27 de Fevereiro, afigura-se justificada uma aproximação do regime de tais contratos antigos ao regime aprovado por aquela lei para os novos contratos.
14. Os “contratos antigos” cujo regime se pretende aproximar do previsto na Lei 6/2006, são os contratos de arrendamento para fins não habitacionais celebrados antes da entrada em vigor do DL n.° 257/95, de 30 de Setembro;
15. Com efeito, só estes contratos, celebrados antes da entrada em vigor do DL 257/95, mantinham as restrições ao direito extintivo do contrato por parte do senhorio, especialmente o impedimento do direito à livre denúncia (só permitido nas situações excecionais previstas nas alíneas a) e b) do artigo 28°;
16. Todos os contratos celebrados posteriormente permitiam ao senhorio optar por celebrar contratos de duração
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