Acórdão nº 10383/18.0T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 13-04-2021
Data de Julgamento | 13 Abril 2021 |
Case Outcome | CONCEDIDA A REVISTA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 10383/18.0T8LSB.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I. RELATÓRIO
1. Imobiliária Palácio da Rotunda, S.A., propôs a presente acção contra Casa de Santo António, Lda., ambas as partes mais bem identificadas nos autos, pedindo que seja declarada a eficácia da comunicação de transição para o NRAU do contrato de arrendamento da zona da ……… identificada pelas Letras E, F e G do prédio sito na Praça ………, em ………. e, mais concretamente, que seja declarado que o contrato de arrendamento em vigor entre autora e ré ficará sujeito ao regime do NRAU no prazo de 5 anos a contar de 5.08.2016.
Alegou, para tanto e em síntese, que, na qualidade de proprietária do prédio que identifica, celebrou com a ré, em 27.04.1961, um contrato de arrendamento para fins não habitacionais relativo à zona ……. designada pelas Letras E, F e G do prédio mencionado.
Face à redação do artigo 50.º da Lei n° 6/2006, promoveu a transição para o NRAU do contrato, por carta registada com aviso de recepção. Esta foi recebida pela ré, que respondeu que, por não faltar a avaliação do locado, considerava ineficaz a comunicação e que, funcionando no locado um estabelecimento comercial que constitui uma microempresa, a transição para o NRAU só poderia ocorrer volvidos 5 anos.
Respondeu, por sua vez, a autora mantendo o teor da comunicação anterior e a informar que considerava que a comunicação efectuada era válida e eficaz, sendo que, uma vez que a ré tinha manifestado a sua não aceitação da transição do contrato para o NRAU e invocado e comprovado que era uma microempresa, o contrato só ficaria submetido àquele regime jurídico no prazo de 5 anos a contar do dia 5.08.2016.
Reiterando a ré a mesma posição, pretende a autora saber qual o regime jurídico a que está ou a que estará (e em que prazo) sujeito o contrato celebrado com a ré, pois a resposta da ré criou nesta a dúvida séria, real, objectiva e actual sobre o seu direito de promover a transição dos contratos celebrados para o regime do NRAU e fixar o prazo de 5 anos. Tal incerteza prejudica-a, uma vez que a impede de ter uma ideia quanto ao momento em poderá obter um valor de renda de acordo com os valores de mercado actualmente praticados e de planear com um mínimo de segurança a realização das obras.
Conclui a autora dizendo que tem interesse em saber se a comunicação enviada à ré é eficaz, ou seja, em ver definido, com segurança e desde já, qual o regime jurídico e o prazo de vigência do contrato celebrado.
Considera que a referida comunicação é válida e eficaz, sendo, uma vez que a ré manifestou a sua não aceitação da transição do contrato para o NRAU e invocou e comprovou que era uma microempresa, o contrato só ficará submetido àquele regime jurídico no prazo de 5 anos a contar do dia 5.08.2016. A interpretação de que só seria possível efetuar a transição para o NRAU simultaneamente com a actualização da renda, constituiria uma flagrante injustiça e uma discriminação relativamente aos proprietários de prédios não constituídos em propriedade horizontal, em que os espaços arrendados não constituem unidades independentes e, por isso, são insusceptíveis de atribuição de um valor patrimonial nos termos do artigo 38.º do CIMI.
2. Citada para contestar, veio a ré pedir a sua absolvição da instância por procedência da excepção de falta de interesse em agir da autora e, caso assim não se entendesse, a sua absolvição do pedido por improcedência da presente acção.
Mais veio pedir que, caso se entenda que a comunicação efetuada pela autora à ré é eficaz, seja julgado improcedente o pedido da autora de que o contrato de arrendamento celebrado entre as partes em 27.04.1961 ficará sujeito ao regime do NRAU no prazo de 5 anos a contar do dia 5.08.2016.
Mais pediu que, caso seja decidida a eficácia da comunicação da autora datada de 05.07.2016, seja julgado procedente o pedido reconvencional e, em consequência seja decidido que o contrato de arrendamento celebrado pelas partes em 27.04.1961 apenas ficará sujeito ao regime do NRAU no prazo de 10 anos contados do dia 5.08.2016.
Alegou, para tanto e em suma, que o prédio urbano em que se situa o locado objeto da presente acção não está constituído em propriedade horizontal, mas é constituído por diversas unidades ou divisões susceptíveis de utilização independente, tendo sido inclusivamente a autora a proceder à divisão de tal espaço por forma a rentabilizá-lo comercialmente por via de arrendamento, pelo que pode ser objecto de uma avaliação e podia e devia a autora ter-lha comunicado.
3. A autora veio apresentar a sua réplica à reconvenção apresentada pela ré, pedindo a sua absolvição do pedido e mantendo a posição já assumida nos autos.
4. Dispensada a realização da audiência prévia, julgou-se, em sede de saneador improcedente a excepção de falta de interesse em agir, admitiu-se a reconvenção e decidiu-se julgar a acção improcedente, absolvendo-se a ré dos pedidos formulados pela autora, julgando-se ainda prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional apresentado pela ré contra a autora.
5. Inconformada com tal saneador-sentença, recorreu a autora para o Tribunal de Lisboa.
6. Em 5.03.2020 foi proferido neste Tribunal um Acórdão julgando improcedente o recurso de apelação interposto pela autora e, consequentemente, mantendo-se a decisão recorrida na íntegra, com um voto de vencido.
7. Inconformada, vem a autora Imobiliária Palácio da Rotunda, S.A., novamente recorrer, desta vez de revista, pugnando pela procedência da acção.
Formula as seguintes conclusões:
“1ª Na presente acção está em causa a eficácia da comunicação efectuada pela Rte. à Rda, de transição do contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado entre as partes em data anterior ao DL 257/95, de 30 de Setembro;
2ª Esta comunicação teve por objecto exclusivamente a transição do contrato para o NRAU e não também a actualização do valor da renda;
3ª Com efeito, a Autoridade Tributária determinou apenas o valor tributário do prédio no seu conjunto, não tendo atribuído valor patrimonial tributário ao espaço locado;
4ª Neste contexto, a Rte. entendeu poder despoletar apenas a transição do regime do contrato para o NRAU, não podendo proceder à atualização da renda por não cumprir as exigências estabelecidas nas alíneas b) e c) do artigo 50º do NRAU;
5ª Assim, na interpretação que a Rte. faz do referido artigo 50º, não tendo esta despoletado o procedimento de atualização da renda, mas tão somente o de transição do contrato para o NRAU, não era exigível que a comunicação contivessem os referidos elementos, por não ser aplicável as alíneas b) e c) do referido dispositivo, pelo que considera que a mesma foi validamente efetuada;.
6ª A sentença e o Acórdão recorrido consideram a referida comunicação ineficaz por falta de cumprimento dos requisitos estabelecidos nas alíneas b) e c) do referido dispositivo legal;
7ª O Acórdão recorrido julgou improcedente o recurso interposto, resumidamente, com a fundamentação seguinte:
- a eficácia da transição do contrato para o NRAU apenas se opera com o preenchimento de todos os requisitos exigidos para essa comunicação, a saber, o valor da renda, a junção da caderneta predial e a avaliação do locado em concreto, efetuada pela autoridade tributária, concluindo que, manifestamente (respeitando o valor patrimonial indicado a todo o prédio e não só ao locado) a Rte. não deu cumprimento ao disposto no artigo 50º do NRAU,
- a interpretação da norma do artigo 50º do NRAU nos termos preconizados não ofende os princípios constitucionais de igualdade, proporcionalidade, adequação e justiça.
8ª Por outro lado, considera não existir qualquer inconstitucionalidade na interpretação sufragada pelas instâncias.
9ª A Rte. discorda do Acórdão, pelas seguintes razões:
i) Por considerar que a interpretação que se fez do artigo 50º do NRAU é ilegal por violação do disposto no artigo 9º do Código Civil;
ii) A entender-se não ocorrer a referida ilegalidade, ocorre inconstitucionalidade na leitura feita no Acórdão da norma do artigo 9º do Código Civil, por desconformidade com os princípios da igualdade, da justiça, da proporcionalidade, dos quais resulta o impedimento de normas arbitrárias, injustificadamente discriminatórias e injustas por desproporcionadamente lesivas dos direitos e dos interesses de uma categoria de cidadãos e de situações (ínsitos nos artigos 2º e 13º da Constituição);
iii) De todo o modo, a norma do artigo 50º da Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, interpretada e aplicada nos termos do Acórdão recorrido é inconstitucional por desconformidade com os princípios acima indicados da igualdade, da justiça, da proporcionalidade, da boa-fé e da confiança jurídica, dos quais resulta o impedimento de normas arbitrárias, injustificadamente discriminatórias e injustas por desproporcionadamente lesivas dos direitos e dos interesses de uma categoria de cidadãos e de situações.
iv) Por violação do artigo 6º do Tratado da União.
10ª No recurso de apelação a Rte. Invocou a ilegalidade da interpretação perfilhada na sentença por violação do artigo 9º do Código Civil.
11ª Impunha-se assim que o Acórdão recorrido tivesse apreciado, fundamentado e decidido da invocada questão da (i)legalidade da interpretação do artigo 50º do NRAU por violação do artigo 9º do CC.
12ª Tendo omitido, em absoluto, a apreciação de tal questão invocada pela Rte., ocorre nulidade do acórdão por omissão de pronúncia nos termos da alínea d) e/ou da alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
13ª O sentido da norma do artigo 50º da Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, só pode ser alcançado, como o de qualquer normativo, por via da interpretação a efetuar nos termos das regras legais estabelecidas no artigo 9º do Código Civil;
14ª No que para os presentes autos releva, podem suscitar-se de imediato as seguintes hipóteses:
- O artigo 50º estabelece um procedimento único, qual seja, o de...
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