Acórdão nº 10383/18.0T8LSB.L1.S1-A de Supremo Tribunal de Justiça, 15-06-2023
Data de Julgamento | 15 Junho 2023 |
Case Outcome | NEGADO PROVIMENTO |
Classe processual | RECURSO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (CÍVEL) |
Número Acordão | 10383/18.0T8LSB.L1.S1-A |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça
I - Relatório
1. Imobiliária Palácio da Rotunda, S.A. propôs acção declarativa contra Casa de Santo António, Lda. pedindo que seja declarada a eficácia da comunicação de transição para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) do contrato de arrendamento existente entre as partes, cujo objecto é a zona da Galeria identificada pelas Letras E, F e G do prédio sito na Praça ..., em ..., passando tal contrato a ficar sujeito ao regime do NRAU no prazo de 5 anos a contar de 5 de Agosto de 2016.
Alegou, para tanto e em síntese, que celebrou com a ré, em 27 de Abril de 1961, um contrato de arrendamento para fins não habitacionais relativo à zona da Galeria designada pelas Letras E, F e G do prédio mencionado; em função da redacção do artigo 50.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (alterado, sucessivamente, pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto e pela Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro), promoveu a transição para o NRAU do referido contrato, por carta registada com aviso de recepção, a qual foi recebida pela ré, que respondeu que, por faltar a avaliação do locado, considerava ineficaz a comunicação e que, funcionando no locado um estabelecimento comercial que constitui uma microempresa, a transição para o NRAU não poderia ocorrer nos termos indicados; posteriormente, a autora manteve o teor da comunicação anterior, sendo que, uma vez que a ré tinha manifestado a sua não aceitação da transição do contrato para o NRAU e invocado e comprovado que era uma microempresa, o contrato só ficaria submetido àquele regime jurídico no prazo de 5 anos a contar do dia 5 de Agosto de 2016; reiterando a ré a posição anteriormente assumida, pretende a autora saber qual o regime jurídico a que está, ou a que estará, sujeito o contrato celebrado com a ré, pois a resposta desta última criou-lhe dúvida séria, real, objectiva e actual sobre o seu direito de promover a transição do contrato celebrado para o regime do NRAU e de fixar o prazo de 5 anos para o efeito, sendo que tal incerteza prejudica-a, uma vez que a impede de prever o momento em que poderá obter um valor de renda de acordo com os valores de mercado actualmente praticados e de planear com um mínimo de segurança a realização das obras; e alegando que, caso se entenda que só seria possível efectuar a transição para o NRAU simultaneamente com a actualização da renda, tal constituiria uma flagrante injustiça e uma discriminação dos proprietários de prédios não constituídos em propriedade horizontal, em que os espaços arrendados não constituem unidades independentes e, por isso, são insusceptíveis de atribuição de um valor patrimonial nos termos do artigo 38.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.
2. A ré contestou por excepção, invocando a falta de interesse em agir da autora e concluindo pela absolvição da instância; e por impugnação, pondo em causa a factualidade alegada e concluindo pela absolvição do pedido.
Em reconvenção pediu que, caso seja decidido declarar a eficácia da comunicação da autora datada de 5 de Julho de 2016, seja também declarado que o contrato de arrendamento celebrado pelas partes em 27 de Abril de 1961 apenas ficará sujeito ao regime do NRAU no prazo de 10 anos contados a partir daquela primeira data, alegando, em síntese, que ainda que o prédio urbano em que se situa o locado objecto não esteja constituído em propriedade horizontal, é constituído por diversas unidades ou divisões susceptíveis de utilização independente, tendo sido inclusivamente a autora a proceder à divisão de tal espaço de forma a rentabilizá-lo comercialmente por via de arrendamento, pelo que pode e deve ser o mesmo objecto de uma avaliação prévia, que lhe venha a ser comunicada.
A autora replicou, pedindo a sua absolvição do pedido reconvencional e, no mais, mantendo a posição assumida na petição inicial.
3. Foi proferido despacho saneador - sentença, pelo qual se julgou improcedente a excepção de falta de interesse em agir, se admitiu o pedido reconvencional e se decidiu pela improcedência da acção, com a absolvição da ré do pedido formulado, julgando-se prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional.
4. Inconformada com tal decisão, interpôs a autora recurso de apelação o qual, com um voto de vencido, foi julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
5. Novamente inconformada, interpôs a autora recurso de revista, que, por acórdão de 13 de Abril de 2021, foi julgado parcialmente procedente, tendo sido declarado, no que importa para o objecto do presente recurso, que a comunicação de 5 de Julho de 2016 é apta a operar a transição para o NRAU do contrato de arrendamento existente entre as partes, o que ocorrerá no prazo de 10 anos a contar daquela data.
6. Notificada do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, veio a ré, ao abrigo do artigo 688.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, interpor recurso para uniformização de jurisprudência invocando a contradição de julgados com o acórdão deste Supremo Tribunal de 21 de Outubro de 2020, proferido no Processo n.º 10390/18.3T8LSB.L1.S1, juntando cópia certificada deste último acórdão e formulando as seguintes conclusões:
«- O Acórdão fundamento (datado de 21/10/2020; Processo n.º 10390/18.3T8LSB.L1.S1) e o Acórdão recorrido (datado de 13/04/2021), ambos proferidos pelo STJ, encontram-se transitados em julgado;
- À data da prolação do Acórdão recorrido já o Acórdão fundamento havia transitado em julgado;
- Inexiste qualquer jurisprudência uniformizada na qual o Acórdão recorrido se tenha baseado bem como o mesmo não é um acórdão uniformizador;
- Existe diversidade entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento relativamente à mesma questão de direito;
- Existe divergência no que respeita à questão de aferir da possibilidade de efectuar a transição do contrato de arrendamento não habitacional celebrado antes do DL n.º257/95, de 30/09 para o NRAU, através da comunicação prevista no seu artigo 50.º, na versão da Lei n.º 79/2014, de 19/12, sem que se pretenda a actualização da renda ou se sendo tal possibilidade legalmente permitida se a senhoria tem de indicar e juntar os elementos as que se referem as alíneas a), b) e c) do art. 50.º do NRAU na versão da Lei n.º 79/2014, de 19/12;
- O Acórdão fundamento pronunciou-se pela necessidade de remessa, na comunicação da senhoria, sob pena de ineficácia, nos termos do artigo 50.º do NRAU, na versão da Lei n.º79/2014, de 19/12 de todos os elementos a que se refere a mencionada norma;
- O Acórdão recorrido decidiu que caso o senhorio não pretenda a actualização da renda, na comunicação a que alude o artigo 50.º do NRAU, na versão da Lei n.º 79/2014, de 19/12, não necessita de fazer as menções e juntar os elementos das alíneas a), b) e c) do art. 50.º do NRAU, na versão da Lei n.º 79/2014, de 19/12 não gerando a sua falta a ineficácia da comunicação do senhorio, assegurando a transição do contrato de arrendamento para o NRAU;
- A questão fundamental de direito em que assenta a divergência integrou a ratio decidendi dos Acórdãos em confronto;
- Tendo as divergências acima apontadas relativamente à possibilidade de transição de um contrato de arrendamento não habitacional celebrado antes do DL n.º 257/95, de 30/09 para o NRAU sem actualização da renda e, na afirmativa, à necessidade, ou não, de remessa das informações constantes das alíneas a), b) e c) do art. 50.º do NRAU na versão da Lei n.º 79/2014, de 19/12 aquando da comunicação em que não se pretenda a atualização do valor da renda sido determinantes para a decisão nos dois casos em apreço (Acórdão fundamento – sustentando a ineficácia da comunicação - e Acórdão recorrido - afirmando a eficácia da comunicação no sentido de sustentar a transição do contrato de arrendamento para o NRAU);
- A divergência de interpretação assumiu um carácter fundamental para a solução dos casos em apreço, levando a soluções contrárias para situações de facto substancialmente idênticas;
- Existe identidade substantiva do quadro normativo em que se insere a questão;
- Referindo-se a divergência entre os Acórdãos à interpretação do mesmo normativo legal, previsto no art. 50.º do NRAU, na versão da Lei n.º 79/2014, de 19/12;
- De igual forma existe uma identidade substancial do núcleo essencial das situações de facto que suportam o quadro normativo em ambos os Acórdãos;
- Factualidade essa que se subsume à aplicação da mesma norma jurídica supra identificada;
- Da análise da factualidade em que se basearam ambos os Acórdãos, verifica-se uma identidade substancial entre ambas, nomeadamente: a) em ambos os casos estamos perante contratos de arrendamento não habitacionais celebrados antes do DL n.º 257/95, de 30/09; b) a senhoria é comum a ambos os contratos de arrendamento; c) os locados situam-se no mesmo exacto prédio; d) o prédio não está constituído em propriedade horizontal; e) ambas as comunicações iniciais de transição dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais foram enviadas no mesmo exacto dia (05/07/2016); f) em ambas as comunicações a senhoria não juntou os elementos a que se referem as alíneas a), b) e c) do art. 50.º do NRAU na versão da Lei n.º 79/2014; g) em ambas as comunicações a senhoria afirmou que não pretendia proceder à actualização da renda mas apenas proceder à transição dos contratos de arrendamento para o NRAU; h) em ambos os casos as arrendatárias responderam à comunicação da senhoria afirmando que consideravam a mesma ineficaz por falta de indicação do valor do locado nos termos da avaliação efectuada de acordo com os artigos 38.º e seguintes do CIMI e por falta de junção de cópia da caderneta predial urbana; i) em ambos os casos a senhoria enviou novas comunicações às arrendatárias considerando que as suas comunicações iniciais eram eficazes;
- A contradição assumiu um carácter...
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