Acórdão nº 1032/08.6TBMTA.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 14-01-2014
Data de Julgamento | 14 Janeiro 2014 |
Case Outcome | NEGADAS AS REVISTAS |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 1032/08.6TBMTA.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
I. – Relatório.
AA intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra o Fundo de Garantia Automóvel, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe: a) a quantia de € 2.700.000,00, a título de danos morais e patrimoniais; b) e ainda todos os medicamentos, consultas médicas, tratamentos, internamentos, e intervenções médico-cirúrgicas de que venha a necessitar e a realizar ao longo da sua vida e que sejam consequência do acidente objecto dos presentes autos.
Para o pedido que formula alega que em 27/10/2005 foi vítima de acidente de viação, ocorrido em Espanha, quando seguia no banco traseiro de um veículo ligeiro de passageiros, cujo condutor se despistou sozinho, fez vários piões, embateu nos rails de protecção, e acabou por invadir a faixa de rodagem reservada ao trânsito, em sentido contrário, colidindo frontalmente com um veículo pesado de mercadorias, após o que se incendiou e explodiu. Daí resultaram para a autora gravíssimos danos físicos, incluindo extensas queimaduras de grande parte do corpo. Transportada para o Hospital, foi-lhe induzido tendo-se seguido um longo período de tratamentos e intervenções cirúrgicas: A demandante veio a ficar afectada de gravíssimas lesões e deficiências físicas, que não só a impediram de trabalhar para o resto da sua vida, como lhe causaram enorme sofrimento psicológico.
Subdivide o pedido da seguinte forma: a) € 700,00 por mês desde 1.11.2005 até 31.3.2006; e b) € 1.500,00 por mês desde 1 de Março de 2006 e durante 54 anos, à razão de 14 meses por ano, a título de danos patrimoniais; c) € 668.000,00 a título de danos não patrimoniais.
O veículo ligeiro no qual a autora seguia, de matrícula inglesa, não beneficiava de seguro válido e eficaz, pelo que cabe ao FGA, em representação do seu equivalente Inglês, ressarcir a autora.
O réu foi regular e pessoalmente citado e apresentou contestação.
Na contestação que exibiu, o demandado, Fundo de Garantia Automóvel, aceita a culpa do condutor do veículo onde seguia a autora, e aceita também a inexistência de seguro válido e eficaz para esse veículo.
No mais, impugna os factos alegados, por desconhecimento.
Impulsou a dedução de incidente de intervenção principal provocada de BB, que também seguia como passageiro no mesmo veículo, e que tem vindo a ser ressarcido extrajudicialmente pelo contestante.
Termina pedindo que a acção seja julgada de acordo com a prova a produzir.
Julgado procedente incidente de intervenção de terceiros e ordenada a citação do interveniente BB, veio este a apresentar articulado próprio, onde deduz contra o Fundo Garantia Automóvel, pedido de condenação deste a pagar-lhe, por força do mesmo acidente: a) a quantia de € 210.094,81, mais os vencimentos que deixou de auferir desde a data de entrada da acção, acrescida dos subsídios de férias e de natal, tudo acrescido de juros à taxa legal, desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento, quanto aos danos patrimoniais, e desde a prolação da decisão, quanto aos danos não patrimoniais, também até efectivo e integral pagamento; b) os montantes que se liquidarem em execução de sentença, decorrente da evolução
Do seu estado de saúde, em resultado do presente acidente de viação, incluindo eventuais intervenções cirúrgicas (plásticas ou outras), meios de diagnóstico, consultas médicas, também na vertente de psicologia, despesas com tratamentos e medicamentos, tudo por indicação médica.
O Instituto de Segurança Social. IP, citado para a acção, deduziu pedido de condenação contra o réu Fundo de Garantia Automóvel, para que este Fundo lhe pague a quantia de € 4.098,08, acrescida dos juros vincendos, contados a partir da data da citação deste pedido e até integral pagamento, alegando ser esse o montante que pagou ao autor BB, seu beneficiário, a título de subsídio de doença, nos períodos de 27.10.2005 a 17.5.2006 e de 28.5.2006 a 26.8.2006, e que tais pagamentos assumem natureza provisória e têm o carácter de adiantamento, enquanto o verdadeiro responsável pela indemnização -o ora réu- não proceder ao pagamento.
O Fundo de Garantia Automóvel apresentou contestação, onde relembrou que aceitou a culpa do condutor do -HGF e a responsabilidade decorrente deste acidente, e que recebeu reclamação dos sinistrados deste acidente e tem vindo a efectuar alguns pagamentos ao ora interveniente, que já atingem o valor de € 23.490,32.
Impugnou (por desconhecer) vários factos alegados sobre a situação do interveniente em todo o acidente, e no mais considerou o pedido formulado excessivo, à luz da legislação aplicável, a espanhola.
Termina pedindo a sua absolvição dos pedidos deduzidos pelos intervenientes, os quais devem por isso ser julgados improcedentes.
O tribunal de primeira (1.ª) instância, viria a condenar, o demandado, Fundo de Garantia Automóvel, a pagar:
a) À demandante, AA, as quantias de setecentos e setenta e cinco mil cento e dezoito euros e cinquenta e quatro cêntimos (€ 775.118,54), bem assim na quantia que vier a ser apurada em incidente de liquidação “correspondente às despesas futuras que a autora venha a ter que fazer para colmatar as áreas do seu corpo por epiletizar, tudo por causa do acidente”;
b) Ao demandante, BB, as quantias de setenta mil euros (€ 70.000,00), “acrescida de juros de mora contados à taxa supletiva legal, desde a data de prolação desta sentença até integral pagamento.”
Em dissensão com o decidido, impulsaram recursos de apelação – cfr. fls. 452 a 466 (demandante, BB); fls. 469 a 474 (demandante, AA); fls. (Fundo de Garantia Automóvel), tendo, por acórdão, de 7 de Maio de 2013, constante de fls. 650 a 694 (de fls. 674 a 694, consta o voto de vencido do relator originário) -, a Relação decidido condenar o demandado, Fundo Garantia Automóvel, a pagar à demandante; “AA, a indemnização de setecentos e catorze mil e oitenta e sete euros e setenta cêntimos (€ 714.087,70), a que deviam ser descontadas as quantias de trinta e três mil e vinte e um euros e quarenta e seis cêntimos (€ 33.021,46) e do “montante que vier a ser liquidado, correspondente à quantias pagas pelo réu á autora a título de reparação provisória do dano no procedimento cautelar já referido, e a que acrescem as despesas de tratamento futuro das sequelas do acidente (a apurar em liquidação de sentença); tudo com juros de mora legais desde a citação e até integral pagamento”; - “a pagar ao autor BB a indemnização de trinta mil e seiscentos e cinquenta e seis euros e trinta cêntimos (€ 30.656,30), com juros de mora legais desse a citação até integral pagamento; - a pagar ao Instituto de Segurança Social, I. P., a quantia de quatro mil e noventa e oito euros e oito cêntimos (€ 4.098,08). [[1]]
Irresignados com o julgado prolatado pela Relação, recorrem, de revista, os indicados sujeitos processuais – cfr. fls. 736 a 768 (Do recorrente BB); fls. 787 a 809 (da recorrente, AA); e fls. 820 a 829 (do recorrente Fundo de Garantia Automóvel) – tendo dessumido as respectivas alegações com as sumulas conclusivas que a seguir quedam extractadas.
I.A. – Quadro Conclusivo.
(Do recorrente BB):
1.ª - Aquando do acidente, causa de pedir nestes autos, o agente e os lesados encontravam-se ocasionalmente em Espanha, porquanto se encontravam, todos, em trânsito em direcção a Inglaterra - cf. n.º 1, dos factos provados (sentença da 1.ª instância);
2.ª - Todos, agente e lesados, tinham a nacionalidade portuguesa, para além de todos terem residência em Portugal - cf. certidões dos respectivos assentos de nascimento, constantes dos autos;
3.ª - O n.º 3, do are 45.º, do Código Civil, contém uma importante excepção à regra da lex loci, nos seguintes termos: "Se, porém, o agente e o lesado tiverem a mesma nacionalidade ou, na falta dela, a mesma residência habitual, e se encontrarem ocasionalmente em país estrangeiro, a lei aplicável será a da nacionalidade ou da residência comum, sem prejuízo das disposições do Estado local que devam ser aplicadas indistintamente a todas as pessoas";
4.ª - Logo, tendo o agente (o falecido CC) e os lesados (BB e AA) a mesma nacionalidade - no caso a portuguesa -, encontrando-se ocasionalmente em Espanha (em trânsito para Inglaterra, país para onde todos se dirigiam), a lei aplicável não pode deixar de ser a lei da nacionalidade comum a todos eles, no caso a lei portuguesa;
5.ª - O Tribunal "a quo" reconheceu que todos - agente e lesados -, são portugueses, sendo seguro que se encontravam ocasionalmente em Espanha, e, não obstante tal, decidiu-se pela aplicação da lei espanhola;
6.ª- Deste modo, os fundamentos aduzidos pelo Tribunal "a quo", encontram-se em manifesta oposição com a decisão;
7.ª - Os fundamentos invocados pelo Tribunal da Relação de Lisboa, impunham a conclusão que o Direito aplicável seria o português;
8.ª - Pelo que, ocorre, "in casu", a nulidade prevista na al. c), do n.º 1, do art. 668.º, do C.P.C.;
9.ª - O acórdão recorrido mostra-se, assim, ferido de nulidade, o que deve ser declarado por esse alto Tribunal;
10.ª - A declaração de voto de vencido do Exmo. Desembargador ---, aponta neste sentido, pronunciando-se pela aplicação da lei portuguesa;
11.ª - Para a eventualidade, que apenas se aventa, por cautela de patrocínio, de esse alto Tribunal entender inexistir a nulidade supra invocada, então temos como seguro que o acórdão recorrido enferma de violação de lei substantiva, consistente em manifesto erro de determinação da norma aplicável ou, numa outra visão da problemática, em causa, erro de interpretação e de aplicação da pertinente lei substantiva (art. 722.º, n.º 1, al. a), do C.P.C.);
12.ª - Pelas razões, supra aduzidas, o ordenamento jurídico aplicável sempre seria o português, por força do invocado n.º 3, do art. 45.º, do Código Civil;
13.ª - No sentido do supra propugnado, pronunciaram-se, "a contrario", o Tribunal da Relação do Porto (Ac. de 18/11/2010,...
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