Acórdão nº 1031/10-8TXCBR-X.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 06-05-2020

Data de Julgamento06 Maio 2020
Case OutcomeINDEFERIDA A PROVIDÊNCIA
Classe processualHABEAS CORPUS
Número Acordão08 Outubro 1031
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

O cidadão nacional AA, recluso em cumprimento de penas sucessivas no Estabelecimento Prisional de … – …, em petição subscrita por Exmo. Advogado, vem apresentar petição de HABEAS CORPUS ao abrigo do artigo 222.º, n.º 2, alíneas b) e c) do CPP, com os seguintes fundamentos:

“1 - em 13-3-2020 o MMº Juiz de Direito do Tribunal de Execução de Penas de … no âmbito do processo supra id., ordenou a libertação do requerente por quatro dias a partir de 18-3-2020 - Mandado de Libertação para Saída Jurisdicional - conforme documento sob referencia Citius 7343186 cuja cópia se junta sob doc 1;

2 - nem em 18-3-2020 nem até hoje o req. foi libertado pelo que se encontra ilegalmente preso;

3 - na verdade, a Direção do EP … retem o requerente preso, sem fundamento legal desde a data da emissão do Mandado de Libertação até hoje sem fundamento válido pelo que se verificam os pressupostos do artº 222- 2-b) e c) do CPP.; o req. encontra-se preso há 26 anos consecutivos e não foi informado nem consta do Citius a razão para a não execução do Mandado…

4 - o Mandado de Libertação é válido integralmente na ordem jurídica, não foi alvo de recurso ou reclamação pelo que deve ou deveria ser executado na manhã de 18-3-2020; inexiste facto ou óbice a invalidar o Mandado pelo que:

- deve ser declarado que o req, se encontra preso ilegalmente desde 18-3-2020;

- deve ser ordenada a imediata libertação do req. por 4 (quatro) dias”.

Juntou 1 documento.


***


O Exmo. Juiz no Tribunal de Execução de Penas de … – Juiz 3 – exarou a informação a que alude o artigo 223.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, nestes termos (em transcrição integral):

“ - O recluso AA cumpre sucessivamente as seguintes penas: 8 anos e 6 meses de prisão, após aplicação de perdão de 1 ano e 6 meses de prisão, em que foi condenado no processo nº 1404/95.4…, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de …; 14 anos e 6 meses de prisão, pela prática de crimes de 4 crimes de roubo, um crime de evasão, um crime de posse de arma proibida e um crime de falsificação, em que foi condenado no processo nº 205/03.2…, do Tribunal Judicial de …; remanescente de 6 anos e 2 meses de prisão, resultante de revogação de liberdade condicional, à ordem do processo nº 157/99.1…, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal de …; remanescente de 33 dias de prisão subsidiária, resultante de revogação de liberdade condicional, à ordem do mesmo processo nº 157/99.1…; 5 anos e 9 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, em que foi condenado no processo nº 506/11.6…, Juiz 3, do Juízo Central Criminal de …; e 1 ano e 3 meses de prisão, pela prática de um crime de evasão, à ordem do processo nº 80/14.1…, Juiz 2, do Juízo Local Criminal de …;

- Iniciou o cumprimento sucessivo das penas em 13.02.1995 (a que acresce um ano, quatro meses e vinte e três dias de ausência ilegítima), com o meio das penas ocorrido em 08.09.2014, os dois terços a ocorrer em 18.09.2020, os cinco sextos em 09.10.2027 e tem o termo em 08.10.2032;

- A liberdade condicional foi por último apreciada por decisão de 18.11.2018, sem que tivesse sido concedida;

- Por despacho datado de 04.12.2019 foi agendada a marcação de conselho técnico visando a reapreciação da liberdade condicional, em sede da renovação anual da instância;

- Por requerimento do recluso entrado em 06.12.2019 veio peticionar que tal reapreciação não tivesse lugar antes de Março de 2020, por pretender, antes disso, vir requerer a concessão de licença de saída jurisdicional em Fevereiro de 2020;

- Em 18.12.2020 foi proferido despacho que acolheu tal pretensão;

- Em 06.03.2020 foi remetido aos autos expediente vindo do Estabelecimento Prisional de … que deu origem ao apenso W, do qual resulta ter o recluso em 24.02.2020 apresentado requerimento com vista à concessão de licença de saída jurisdicional;

- Agendado o correspondente conselho técnico, em 13.03.2020 foi-lhe concedida licença de saída jurisdicional pelo período de quatro dias, a gozar a partir de 18.03.2020;

- Tal decisão e respetivo mandado de saída foram comunicados ao Estabelecimento Prisional precisamente em 13.03.2020, também para efeitos de notificação ao recluso;

- Por Decreto do Presidente da República nº 14-A/2020, de 18 de março, foi declarado o estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública ocasionada pela doença COVID -19;

- Situação que foi já objeto de duas renovações, com vigência, pelo menos, até ao próximo dia 02.05.2020;

- Da comunicação recebida do Estabelecimento Prisional nesta precisa data, verifica-se que o recluso foi notificado da concessão da licença de saída concedida no dia 17.03.2020;

- Subsequentemente elaborou requerimento manuscrito dirigido ao Diretor do Estabelecimento Prisional, datado de 18.03.2020, onde solicitava o gozo da mesma saída com início para o dia 23.03.2020, pelas 16h00;

- Contudo, em 20.03.2020 o recluso elaborou novo requerimento manuscrito dirigido ao Diretor do Estabelecimento Prisional, onde solicitava que a data de saída fosse adiada para o mês de abril por entender que não era a melhor altura para sair, tendo nessa mesma data sido emitido despacho do Diretor do Estabelecimento Prisional determinando que a mesma saída ficava adiada tendo em conta o atual estado de emergência, do qual o recluso teve conhecimento;

- Em 15.02.2020 o recluso veio elaborar novo requerimento manuscrito, datado de 15.04.2020, onde solicitava autorização da saída para o dia 17.04.2020, pelas 16h00, mas com a condição de lhe serem concedidos 45 dias;

- A licença de saída administrativa extraordinária obedece ao disposto no artigo 4º, da Lei nº 9/2020, de 10 de abril;

- Acresce que, na esteira das medidas adotadas pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, mormente a suspensão do gozo das saídas de curta duração, com o objetivo de proteger todos os profissionais dos serviços prisionais e a população reclusa face à pandemia COVID-19, tem sido prática neste Tribunal de Execução das Penas de Lisboa, em todos os conselhos técnicos tidos lugar posteriormente à declaração do estado de emergência (18.03.2020), proceder igualmente, desde logo, à suspensão do gozo das licenças de saída jurisdicional concedidas, enquanto perdurar tal estado de emergência, precisamente para obviar aos riscos de contágio que quaisquer entradas e saídas do estabelecimento prisional acarreta, mais a mais quando por curtos períodos, conforme é o caso das licenças de saída jurisdicional (máximo de cinco ou sete dias - cfr. artigo 79º, nº 4, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade), além do que obrigaria a subsequentes períodos de quarentena;

- Sem prejuízo, sempre se diga que, ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 4, do Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais, quando, entre a data da concessão de licença de saída jurisdicional e a data da sua concretização, ocorra facto ilícito ou alteração superveniente dos pressupostos legais de concessão da licença, o Diretor do Estabelecimento Prisional suspende a execução do mandado de saída, dando imediato conhecimento do facto ao Tribunal de Execução das Penas, que pode no limite vir a revogar tal concessão;

- Bem andou, por isso, o Diretor do Estabelecimento Prisional de … ao suspender o gozo da licença de licença de saída jurisdicional sob apreciação, mal se compreendendo, perante a postura que o próprio recluso assumiu perante os requerimentos formulados junto do Diretor do Estabelecimento Prisional de … quanto à mesma, que possa vir falar em prisão ilegal.

Por todo o exposto, uma vez que o recluso se encontra em cumprimento sucessivo de penas de prisão, cujos marcos para efeitos de apreciação de liberdade condicional estão vigentes, sendo os dois terços a ocorrer em 18.09.2020, os cinco sextos em 09.10.2027 e tem o termo em 08.10.2032, sendo que o gozo de licença de saída jurisdicional, que sempre pode ser suspenso e até revogado, mais não constitui do que medida de flexibilização de execução da pena, estando a suspensão empreendida pelo Diretor do Estabelecimento Prisional de … perfeitamente justificada pelo estado de emergência decretado e vigente face à pandemia COVID-19, é nosso entendimento que o recluso não está sujeito a qualquer prisão ilegal.


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Instrua o presente apenso de Habeas Corpus com certidão da decisão que por último apreciou a liberdade condicional em 18.11.2018, assim como de todos os despachos e requerimentos subsequentemente acima aludidos (incluindo os proferidos no apenso A e a decisão e mandado de saída proferidos no apenso W) e da comunicação recebida do Estabelecimento Prisional de … na presente data e respetivos documentos anexos (entrados também no apenso W).

Após, remeta de imediato ao Supremo...

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