Acórdão nº 10307/16.0T8PRT.P2 de Tribunal da Relação do Porto, 08-09-2020

Data de Julgamento08 Setembro 2020
Número Acordão10307/16.0T8PRT.P2
Ano2020
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação n.º 10307/16.0T8PRT.P2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
B…, Ld.ª, com sede na Rua …, n.º .., …, Guimarães, intentou acção declarativa constitutiva sob a forma de processo comum contra C…, com sede na …, n.º .., Porto, e D…, S.A., com sede na Rua …, n.º …, 9.º, Porto, pedindo:
a) o reconhecimento judicial à A. do direito a preferir à R. D…, S.A., na compra identificada na petição inicial;
b) o reconhecimento judicial do direito da A. a haver para si o prédio identificado na petição inicial;
c) o cancelamento da inscrição registada pela ap. 2218, de 05 de Fevereiro de 2015, relativa ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º …/20040504-…;
d) o cancelamento de quaisquer inscrições prediais averbadas ao mesmo prédio, e relativas a qualquer transmissão ou oneração do direito de propriedade por parte da R. D…, S.A..

Alegou para tanto, e em síntese, que, por contrato celebrado a 21 de Setembro de 2012, tomou de arrendamento o rés-do-chão e sobreloja do prédio urbano sito na …, n.ºs .., .. e .., descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob parte do n.º …/20040504, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias … sob o artigo 4984.º.

E que, por escritura pública outorgada a 05 de Fevereiro de 2016, a R. C… declarou vender à R. D…, S.A., 60/100 do prédio urbano sito na …, n.ºs . a .. e .. a .., e …, n.º .., da União das Freguesias …, Porto, venda submetida à condição suspensiva do não exercício de direitos de preferência no prazo de 8 dias.

Afirma que, notificada da escritura e para exercer o seu direito de preferência, exerceu-o a 19 de Fevereiro de 2016, estritamente sobre o imóvel identificado e caracterizado no contrato de arrendamento que havia celebrado, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 417.º CC, propondo pagar, pela parte que preferiu, o valor constante da escritura para o artigo matricial 4984.º.

E que, por instrumento lavrado a 04 de Março de 2016, os representantes da R. C… autorizaram a extinção da cláusula suspensiva fixada na venda, com o fundamento de não ter sido exercido o direito de preferência.

Alega inexistir prejuízo apreciável na venda separada das diversas lojas e espaços arrendados, e invoca a seu favor as normas previstas no n.º 1 do artigo 417.º, na alínea a) do n.º 1 do artigo 1091.º, e no artigo 1410.º, todos CC.

Contestaram as RR..

A R. C… aceitou a venda invocada na petição inicial, a qualidade de arrendatária da A. relativamente a parte do prédio objecto da venda, e ainda a comunicação que recebeu da A. relativamente à sua pretensão em preferir na aquisição do imóvel descrito na alínea n) da escritura de compra, pelo preço que proporcionalmente lhe foi atribuído.

Afirma que a venda celebrada com a R. D…, S. A., incidiu sobre uma parte indivisa de uma unidade predial, e não sobre o “quid” que a A. pretendia e pretende adquirir.

Alega que a A. tomou de arrendamento uma parte de um prédio muito maior que o espaço dado em locação, integrando o locado uma única unidade predial com diversas construções, tudo edificado ao longo de diversos anos, mas com unidade estrutural, na medida em que os seus elementos essenciais, designadamente paredes-mestras, pilares e vigas de sustentação, bem como os seus telhados, constituem uma só unidade predial.

E que a que a R. D…, S. A., pretendia e pretende tornar-se dona de um prédio urbano a criar através da divisão física e jurídica do actualmente existente, carecendo este de vultuosas obras de separação física para que, de uma perspectiva jurídica, se possa afirmar a existência de dois prédios distintos.

Afirma que mesmo a descrição constante do contrato de arrendamento mostra-se incorrecta, na medida em que os pisos superiores do espaço dado de arrendamento não têm, nem nunca tiveram, entrada pelos n.ºs .., .. e .. da …, o que sucedia já à data da celebração do arrendamento.

E que a descrição constante do artigo matricial 4984.º não possui autonomia do restante conjunto predial pertença da contestante, e não coincide com o espaço arrendado à A..

Por isso defende a impossibilidade jurídica da pretensão da A., atento o disposto nos artigos 202.º e 280.º CC.

Explica as motivações que presidiram à decisão de venda feita, alegando que jamais pretenderia alienar separadamente a parte que a A. pretende haver para si.

Em qualquer caso, afirma que da venda separada do espaço locado à A., se possível, sempre resultaria prejuízo apreciável para a parte restante do imóvel.

A R. C…, S. A., aceitando a celebração da compra com a R. D… e o contrato de arrendamento invocado na petição inicial, afirma ser inaplicável aos autos a norma consagrada no n.º 1 do artigo 417.º do Código Civil, na medida em que a venda incidiu sobre 60/100 de uma única coisa jurídica, e não sobre várias coisas com convenção global sobre o preço, e a realidade sobre que a A. pretende preferir não coincide com o objecto da venda feita.

Afirma que, segundo a lei vigente, o direito de preferência reconhecido ao arrendatário de parte de imóvel de maiores dimensões não abrange a faculdade de preferir no caso de venda da totalidade do imóvel.

Invoca existir discrepância entre o objecto do contrato de arrendamento e o artigo matricial indicado no contrato de arrendamento, na medida em que aquele inclui apenas a cave e o rés-do-chão do prédio inscrito na matriz sob o artigo 4984.º, e neste inclui-se ainda um primeiro andar.

Alega que a separação da parte do imóvel correspondente ao locado ocupado pela A., consequente ao reconhecimento da legitimidade do exercício da preferência, traria prejuízo assinalável à vendedora, na medida em que a declaração de compra da contestante foi emitida no pressuposto de inexistir qualquer separação.

Nega que a venda separada dos vários espaços do imóvel fosse ou seja mais rentável que a venda dos 60/100 como uma coisa só.
Defende que, em qualquer caso, o preço a depositar pelo preferente ascende a € 9.200.000,00, depósito que a A. não efectuou.

Afirma que a A., na data em que se apresentou para alegadamente exercer o seu direito de preferência, não havia cumprido as obrigações fiscais inerentes à transmissão que pretendia, concretamente não havia procedido ao pagamento do imposto de selo e do IMT, o que, defende, sempre obstaria à celebração da escritura de venda a favor da A..
Conclui pedindo a procedência das excepções peremptórias de caducidade, e, em qualquer caso, a improcedência da acção, com a consequente absolvição da R. do pedido.
Expressamente notificada, ao abrigo disposto no n.º 3 do artigo 3.º CPC, para se pronunciar quanto às excepções suscitadas pelas RR. nas suas contestações (cfr. fls. 310), a A. apresentou novo articulado, no qual, em súmula, afirma que o depósito da quantia de € 150.000,00 que fez à ordem dos presentes autos constitui o resultado da avaliação efectuada por técnico, representando a contrapartida a pagar pela A. à R. C… a título de preço da compra do imóvel tal como identificado no contrato de arrendamento, único depósito a que, defende, está vinculada para eficazmente exercer a preferência a que se arroga.
Reafirma que a venda feita à R. D…, S. A., abrangeu diversos bens, pelos quais foi pago um preço global, assistindo à A. a faculdade de preferir quanto a apenas um dos bens objecto da venda.
Conclui pedindo a improcedência da excepção de caducidade e a procedência do pedido formulado na petição inicial.
Dispensada a audiência prévia, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente.
Interposto recurso pela A., foi anulado o saneador sentença e determinado o prosseguimento dos autos para produção de prova sobre a matéria de facto indevidamente levada aos pontos 6 a 15 dos factos dados como provados na decisão recorrida.
A A. recorreu para o STJ, que não conheceu do objecto do recurso.
Regressados os autos, foi inicialmente dispensada a realização da audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, e procedido à identificação do objecto do litígio e à enunciação dos temas da prova.
Tendo pelas partes sido apresentadas reclamações, foi designada data para a realização de audiência prévia, no âmbito da qual aquelas foram apreciadas.
Procedeu-se à audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a acção improcedente.
Inconformada, apelou a A., apresentando as seguintes conclusões:

1. É entendimento da Recorrente, pelos motivos supra alegados que foram dados como incorrectamente provados os factos 8-, 9-, 16-, 17-, 18-, e 19-, inclusive, constantes dos factos dados como provados na douta sentença recorrida.

2. Na verdade os depoimentos prestados pelas testemunhas enunciadas na alegação supra, o relatório de peritagem junto aos autos e os esclarecimentos fornecidos pelo Sr. Perito Eng. E… levam a um entendimento factual totalmente distinto do que vem plasmado na douta sentença recorrida, o que procedendo, como certamente V. Exas. não deixarão de o fazer, ao correcto enquadramento dos factos, tal só poderá levar à procedência total da acção.

3. Ao contrário do que se defende no douta saneador sentença, não corresponde à verdade que “o registo predial não possui conceito próprio de prédio, tomando, como não poderia deixar de ser, o da lei civil geral – artigos 79.º ss do Código do Registo Predial”.

4. Para além de o conceito de prédio não encontrar uniformidade de entendimentos na doutrina, o próprio legislador o considera de diversos ângulos, de acordo com o respetivo enquadramento legal: profusão de entendimentos que se materializam em vários preceitos legais.

5. Assim, embora o artigo 204.º do Código Civil não avance com nenhuma definição de “prédio”, ajuda, no entanto, na pretendida fixação do conceito, ao traçar o âmbito do conceito das “coisas imóveis”, através da distinção entre os prédios, as águas, as plantações e as
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT