Acórdão nº 10300/18.8T8SNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 15-03-2022

Data de Julgamento15 Março 2022
Case OutcomeNEGADA A REVISTA.
Classe processualREVISTA (COMÉRCIO)
Número Acordão10300/18.8T8SNT.L1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça




Processo n.º 10300/18.8T8SNT.L1.S1

Revista Excepcional – Tribunal recorrido: Relação ..., ... Secção

Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I) RELATÓRIO


1. «REBOCALEX – Transportes, Reparação e Comércio de Automóveis, Lda.» instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA e BB, pedindo que fosse “declarada a nulidade dos “actos de transmissão corporizados na aposição da fórmula “endosso” nos títulos ao portador, juntos a esta PI, como docs. 5 a 35, representativos do capital social da sociedade anónima com a firma SOBRAL & FONSECA, SA, NIPC 501333002, com os números…” e ordenada “a recolha, pelo tribunal, dos originais dos títulos, correspondentes às acções identificadas no pedido anterior, para, neles, ser aposta, após trânsito em julgado da sentença, a menção da declaração de nulidade dos endossos, ali lavrados com data de 10 de Novembro de 2017”.

Os Réus apresentaram Contestação, pedindo a absolvição do pedido, assim como Reconvenção, pedindo a condenação da Autora a “aceitar que a transmissão das ações que detinha da SOBRAL e FONSECA, S.A. a 25.10.2017 foi feita por quem tinha legitimidade para o fazer e que são propriedade dos RR devendo abster-se de praticar quaisquer atos que impeçam o normal uso das ações pelos RR/reconvintes, nomeadamente representação social e titularidade.”

Em Réplica, a Autora impugnou os fundamentos do pedido reconvencional.

A Autora requereu a ampliação do pedido. Os Réus/Reconvintes declararam opor-se.


2. Realizou-se a audiência prévia, na qual foram admitidas a alteração do pedido e a reconvenção, e proferido despacho saneador, identificando-se o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal.

3. Foi proferida sentença pelo Juiz ... do Juízo de Comércio ... (Tribunal Judicial da Comarca ...), na qual se apreciou, quanto à “titularidade das 59.980 acções representativas do capital social da sociedade Sobral & Fonseca, S.A., especificadas no requerimento de 26-11-2018”, saber “se é válida a transmissão formalizada pela declaração de endosso aposta nos títulos referenciados nos presentes autos”, julgando-se parcialmente procedente a acção e improcedente a reconvenção, com o seguinte dispositivo decisório:
“1. Declarar nulos os actos de transmissão, corporizados na aposição da fórmula “endosso” nos títulos ao portador, de que foram juntas cópias com a PI, correspondentes às acções, representativas do capital social da sociedade anónima com a firma SOBRAL & FONSECA, SA, NIPC 501333002, com os números (…)
2. Ordenar a restituição pelos RR, à Autora, das referidas acções.”

4. Inconformados, vieram os Réus interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação ... (TR...), identificando-se como questões decidendas:

“1. Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;

2. Conversão das ações ao portador representativas do capital social da Sobral & Fonseca, S.A. em ações nominativas;

3. Validade das menções de endosso apostas nos títulos de 59980 ações representativas do capital social da Sobral & Fonseca, S.A.”

Foi proferido acórdão pelo TR... que julgou improcedente a apelação, decidindo-se “rejeitar o recurso quanto à matéria de facto” e “manter a sentença recorrida”.

5. Novamente sem se resignarem, vieram os Réus interpor recurso de revista excepcional ao abrigo do art. 672º, 1, a), b) e c), do CPC, sendo este último fundamento usado para impugnar a decisão de rejeição da impugnação da matéria de facto por incumprimento do art. 640º do CPC.

A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela rejeição da revista excepcional por falta de preenchimento dos pressupostos do art. 672º, 1, do CPC. Mais requereu a condenação dos Recorrentes em multa e indemnização, como litigantes de má fé.

6. Ordenada a remessa dos autos à Formação prevista no art. 672º, 3, do CPC, uma vez, no contexto de a revista ter sido interposta exclusivamente como excepcional, verificada a existência de “dupla conformidade decisória” na fundamentação coincidente das instâncias no que toca aos segmentos/questões de direito objecto de impugnação e de reapreciação pela Relação, “sem prejuízo de a questão da sindicação da decisão da Relação sobre a aplicação do art. 640º (e rejeição da impugnação feita quanto ao julgamento de facto), invocada pelo Recorrente tendo por fundamento oposição jurisprudencial, não concorrer para a “dupla conforme””, foi proferido acórdão pela Formação que, nos termos do regime do art. 672º, 5, do CPC, ordenou a remessa dos autos ao aqui Relator para os fins tidos por convenientes “sobre a questão da aplicação do art. 640º do CPC”, “sem embargo de oportuna intervenção desta Formação circunscrita aos aspectos que lhe cabem apreciar”.

Na sequência, foi proferida Decisão Liminar Sumária, que, depois de convolar a revista para a modalidade normal no que respeita ao segmento de impugnação respeitante ao cumprimento dos ónus de alegação recursiva prevista no art. 640º, 1 e 2, do CPC como condição processual da reapreciação da matéria de facto, sendo a demais impugnação (Conclusões C) a G)) interposta como revista excepcional a título subsidiário (nos termos das als. a) e b) do art. 672º, 1, do CPC), julgou improcedente a revista normal interposta a título principal e ordenou a remessa dos autos à Formação do STJ para julgamento da admissibilidade da revista excepcional subsidiária.

Vieram então os Réus e Recorrentes deduzir Reclamação para a Conferência dessa Decisão no que tange ao segmento decisório relativo à revista normal, sendo proferido acórdão nesta instância que a indeferiu, confirmando a Decisão reclamada.

7. Cumprida a Decisão Liminar Sumária quanto ao segmento relativo à remessa dos autos à Formação do STJ, veio esta a proferir acórdão que admitiu a revista excepcional.

8. São estas as Conclusões (a finalizar as alegações de recurso) pertinentes para a apreciação do recurso interposto pelos Recorrentes:

“C. A transmissão de direitos nominativos sobre um capital social de uma sociedade anónima não está impedida na Lei 15/2017, de 3 de Maio, nem na legislação subsequente. Só as transmissões de direitos sobre capital social sem identificação de titular (através de títulos ao portador) são proibidas.

D. Um direito nominal a um capital social de uma sociedade anónima pode ser titulado ou transmitido a qualquer tempo.

E. Uma ação que foi originariamente emitida ao portador que identifica – de acordo com deliberação legítima da entidade emitente – o seu titular nominal, perde a natureza de ação ao portador.

F. Não são ao portador as ações em que os detentores estão nominalmente identificados e que estão identificadas como ações nominativas.

G. A transmissão efetuada em 10.11.2017 que está em apreciação nos autos é legalmente válida não podendo ser equiparada a transação anónima realizada com títulos ao portador prevista na lei 15/2017, de 3 de Maio.”

Consignados os vistos nos termos legais, cumpre apreciar e decidir.

II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS

1. Objecto do recurso

1.1. De acordo com a delimitação empreendida pelo acórdão da Formação Especial deste STJ proferido por último nos autos, cumpre saber qual a consequência do disposto, em especial, nos arts. 2º, 2, da Lei 15/17, de 3 de Maio, e no art. 4º, 1, b), do DL 123/17, de 25 de Setembro, quanto à validade da transmissão a favor dos Réus das acções ao portador (representativas do capital social da sociedade «S..., S.A.») da propriedade da accionista «REBOCALEX», formalizada através de declarações de endosso apostas nos títulos, atentos a data dessa mesma transmissão e o regime legal predisposto por tais diplomas quanto ao processo de conversão de acções tituladas ao portador em acções tituladas nominativas.

1.2. Admitido o recurso de revista excepcional, é ainda de apreciar o pedido de condenação em litigância de má fé dos Recorrentes, deduzido pela Recorrida nas suas contra-alegações.

2. Factualidade

Foram considerados provados pelas instâncias os seguintes factos:

1. A A. é uma sociedade comercial por quotas, constituída em 16.08.2002, com o capital social de 50.000,00 €, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Sintra, com sede social na Rua das Minas, Lote 16, Idanha, 2605-094 BELAS.

2. Os RR. foram, até ao dia 16 de Novembro de 2017, os únicos gerentes e os únicos sócios da A., em cujo capital, detinham, cada um, uma quota com o valor nominal de 25.000,00 €.

3. No dia 16 de Janeiro de 2003, os RR. outorgaram, a favor de CC, pai de ambos, a procuração de que foi junta cópia como doc. 3 do requerimento inicial, que conferia, a este, com relação às quotas de que eram titulares, poderes para prometer ceder e ceder, a quem entendesse, designadamente a ele próprio, mandatário, pelo preço e condições que entendesse, as referidas quotas, receber os respectivos preços, deles dar quitação, podendo assinar os competentes contratos.

4. A referida procuração foi outorgada no interesse do mandatário, com menção de que não poderá ser revogada “sem o seu, dele, consentimento ou acordo (…)”.

5. No dia 16 de Novembro de 2017, por escritura pública de que foi junta cópia como doc. 4 do requerimento inicial, CC, valendo-se dos poderes que, através da referida procuração, lhe haviam sido conferidos, cedeu, a seu favor e a favor de DD, as quotas, representativas da totalidade do capital social da A., Rebocalex, Lda., até então tituladas pelos RR.

6. No mesmo acto, após a assunção, por ambos, da qualidade de únicos sócios da A., CC e DD deliberaram destituir os RR. dos cargos de gerentes da A.

7. A A., Rebocalex, Lda., era portadora de 59.980 acções, representadas por títulos ao portador, com o valor nominal unitário de 1,00 €, no capital social da sociedade anónima com a firma SOBRAL & FONSECA, S.A.,...

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