Acórdão nº 1030/16.6T8VIS-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 04-06-2019

Data de Julgamento04 Junho 2019
Número Acordão1030/16.6T8VIS-A.C1
Ano2019
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1 – Na execução que a C..., CRL, move a, entre outros, F... e A..., para deles haver a quantia de €33.422,72, foram recebidos embargos de executado interpostos pelos referidos F... e A..., pretendendo estes que, sendo os mesmos julgados procedentes, viesse a ser declarada a renúncia por parte da exequente à garantia de fiança que os mesmos prestaram e, consequentemente, deixasse de haver título para fazer prosseguir a execução.

Alegam que é título executivo um contrato de mútuo com hipoteca e fiança, sendo mutuária a “G...” e figurando eles como fiadores, sendo que a fracção hipotecada era deles em propriedade em comum e sem determinação de parte. O prédio em causa veio a ser vendido numa execução fiscal, no âmbito da qual a mutuante embargada foi notificada para reclamar créditos, mas não o fez, o que implicou que o prédio tivesse sido vendido e sido removidos os ónus e encargos que o oneravam. O que equivale a ter a mesma renunciado a essa hipoteca, com o que delapidou a principal garantia que a salvaguardava a ela, mas também os fiadores, tanto mais que o prédio à data da constituição da hipoteca tinha o valor tributário de €119.872,75, valor muito superior ao do crédito concedido, €35.000,00.

A exequente/embargada contestou, invocando que o facto de não ter reclamado o seu crédito não pode constituir renúncia às garantias associadas ao direito de crédito em causa, designadamente à fiança. Acrescenta que o imóvel foi vendido apenas por €22.760,00, sendo a dívida peticionada nos presentes autos, à data da entrada da execução, de €33.422,72 e que no processo de execução fiscal as custas saíram precípuas do valor da venda.

Foram solicitados elementos aos autos de execução fiscal e, obtidos, tendo sido entendido que o processo dispunha de todos os elementos necessários à prolação de decisão, tendo sido dado cumprimento ao disposto no art 3º/3 CPC, e mantendo as partes as posições tomadas nos articulados, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedentes os embargos, julgando extinta a execução relativamente aos fiadores no tocante ao montante de €22.110,28 e determinando o prosseguimento da mesma, relativamente aos executados/embargantes e demais fiadores, apenas relativamente ao montante de €11.312,44.

II – Do assim decidido apelou a embragada que concluiu as respectivas alegações nos seguintes termos:

...

Não foram produzidas contra alegações.

III – O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

...

Aos factos dados provados deverá fazer-se acrescer que na execução fiscal a que se alude foram também executados F... e A...

IV – Operando o confronto entre as conclusões das alegações e a decisão recorrida, importa decidir no presente recurso:

- se a desoneração dos fiadores, nos termos do art 653º CC, pressupõe que os mesmos tivessem procedido à liquidação ainda que parcial do crédito afiançado;

-se constitui pressuposto da aplicação dessa norma que o fiador não tenha renunciado ao benefício da excussão prévia.

Na Subsecção V - da Secção II, secção esta que o Código Civil dedica à fiança - intitulada “Extinção da Fiança”, dispõe o art 653º, sob a epígrafe “Liberação por impossibilidade de sub-rogação”: «Os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram, na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a este competem».

Antecedentemente e a iniciar a mesma Subsecção, dispõe o art 651º que «a extinção da obrigação principal determina a extinção da fiança».

E em sede das «Relações entre o devedor e o fiador» (Subsecção III), dispõe o art 644º que «o fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos».

Resulta desta norma que o cumprimento da obrigação pelo fiador não é equiparado ao cumprimento pelo devedor solidário, na medida em que a mesma não lhe confere um direito de regresso, antes implica por via de sub-rogação legal uma transmissão do crédito para o fiador com todos os seus acessórios e garantias.

A respeito desta norma comentam Pires de Lima/Antunes Varela[1]: «Em consequência da sub-rogação, o fiador adquire os poderes que competiam ao credor em relação ao devedor. O crédito transfere-se para ele, com todas as garantias e acessórios (art 582º, aplicável por força do art 594º e 593º) (…) O direito do fiador não é, portanto, um direito próprio de regresso, como resultava do art 838º do Código de 1867. Não é um direito novo, mas o direito do credor que se transmitiu por sub-rogação em consequência do cumprimento (…) O fiador fica investido na posição do credor originário, não só porque realizou o resultado prático do cumprimento, mas também porque tinha um interesse (jurídico) legítimo no cumprimento efectuado».

Como é sabido, na sub-rogação a que aludem os art 589º e seguintes do CC [2] está em causa uma forma de transmissão de créditos que se verifica quando um terceiro cumpre uma dívida de outrem ou empresta dinheiro (ou outra coisa fungível) ao devedor para esse cumprimento, adquirindo os direitos do credor originário em relação ao devedor. Pode configurar-se como convencional ou legal, ali resultando de um acordo entre o terceiro que pagou e o credor a quem o pagamento foi feito, ou entre o terceiro e o devedor (arts 589º e 590º CC), aqui verificando-se por imposição da lei, nos termos do art 592º/1, onde se dispõe que «fora dos casos previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o pagamento, ou quando por outra causa, estiver directamente interessado na satisfação do crédito».

Consequentemente, a sub-rogação legal verifica-se em dois grupos de situações: quando a mesma esteja prevista nas disposições anteriores ao art 592º ou noutra disposição legal, quando o terceiro tiver garantido o pagamento, ou quando por outra causa estiver directamente interessado na satisfação do crédito, o que sucederá, entre o mais, quando o mesmo pretende acautelar a consistência económica do seu direito ou evitar a perda ou limitação dum direito que lhe pertence. [3]

Ora se por um lado a sub-rogação do fiador nos direitos do credor está estabelecida numa norma legal – o art 644º - por outro também o fiador está directamente interessado na satisfação do crédito. [4]

A fiança tem como características principais a acessoriedade e a subsidiariedade.

À acessoriedade refere-se no art 627º/2 - «a obrigação do fiador é acessória da que recaia sobre o principal devedor» - e, nas palavras de Menezes Leitão[5], significa que «a obrigação do fiador se apresenta na dependência estrutural e funcional da obrigação do devedor, sendo determinada por essa obrigação em termos genéticos, funcionais e extintivos».

Já a subsidiariedade, também nas palavras de Menezes Leitão, «reconduz-se à possibilidade de o fiador invocar o benefício da excussão, conforme resulta do art 638º, impedindo o credor de executar o património do fiador enquanto não tiver tentado sem sucesso a execução através do património do devedor».

Para além disso, do art 639º resulta que a subsidiariedade da fiança opera mesmo existindo garantias reais constituídas por terceiro antes da fiança, já que o fiador tem igualmente o direito de exigir a execução prévia das coisas sobre que recai a garantia real,...

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