Acórdão nº 103/14.4T8PFR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 15-12-2016

Data de Julgamento15 Dezembro 2016
Número Acordão103/14.4T8PFR.P1
Ano2016
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 103/14.4T8PFR.P1 - Apelação
Origem: Comarca do Porto Este – Paços de Ferreira - Instância Local – Secção cível – J1.
Relator: Jorge Seabra
1º Adjunto Des. Sousa Lameira.
2º Adjunto Des. Oliveira Abreu
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Sumário (elaborado pelo Relator):
I. A nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão (art. 615º, n.º 1 al. c) do CPC) ocorre quando a fundamentação convocada pelo Juiz conduza, em termos lógico-dedutivos, a conclusão decisória divergente da proferida.
II. O art. 1219º do Código Civil consagra uma causa de renúncia abdicativa legalmente presumida, na medida em que o legislador presume, de forma absoluta, que o dono da obra que aceita esta, conhecendo os seus defeitos (aparentes ou ocultos), sem os denunciar no acto de aceitação da obra, renuncia à responsabilização do empreiteiro pelo cumprimento defeituoso da sua prestação.
III. Através do art. 1219º do Cód. Civil o legislador pretende afastar a tutela do dono da obra que, agindo com incúria ou displicência perante a colocação da obra concluída à sua disposição por parte do empreiteiro, omite a verificação da mesma e/ou a comunicação dos resultados dessa verificação.
IV. Estando em causa um negócio tendente à construção de uma moradia (prometida vender após a respectiva edificação), celebrado no âmbito da actividade comercial da empreiteira/vendedora, e sendo a moradia destinada à habitação familiar (permanente ou não) do agregado familiar dos donos da obra (e compradores) – pessoas singulares -, estar-se-á perante uma relação de consumo, seja o contrato qualificável como compra e venda, empreitada ou com um contrato misto, reunindo as prestações de ambos os tipos contratuais, submetida ao regime jurídico emergente da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96 de 31.07) e do DL n.º 67/2003 de 8.04.
V. Neste contexto, estando em causa a construção ou a venda de um bem imóvel, o prazo de denúncia dos defeitos consagrado pelo art. 5º-A, n.º 2 do citado DL n.º 67/2003 é de um ano a contar da data em que tiver sido detectado o defeito, incumbindo ao vendedor ou empreiteiro a prova do decurso desse prazo para efeitos de procedência da excepção de caducidade.
VI. Apenas são de considerar como defeitos juridicamente relevantes as desconformidades entre o convencionado e o executado ou fornecido (independentemente do reflexo que tenham no valor ou na funcionalidade do bem) e os vícios que afectem negativamente o valor do bem ou a sua funcionalidade ordinária (das coisas idênticas em termos de categoria ou género) ou específica, consoante o fim expressa ou implicitamente previsto no programa contratual.
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO

1. B… e mulher C…, ambos residentes em Paços de Ferreira, intentaram a presente ação declarativa de condenação sob a forma comum contra “D…, Lda.”, com sede em … – Lousada, pedindo, a final, que seja a Ré condenada a:
a) Reparar e eliminar os defeitos existentes no prédio propriedade dos Autores e melhor identificados na p. i. e a entregar tal prédio em estado de novo e perfeitamente apto à finalidade a que se destina;
b) Caso a Ré se recuse a reparar e eliminar os defeitos existentes no prédio propriedade dos Autores, seja ela condenada a pagar aos Autores o montante necessário para a reparação e eliminação total desses defeitos, montante este a liquidar ulteriormente;
c) Caso se revele tecnicamente impossível proceder à reparação/eliminação dos defeitos existentes no prédio propriedade dos Autores, seja a Ré condenada a realizar uma nova construção para os Autores, de acordo com o projeto da edificação atualmente existente;
d) Deverá ainda a Ré ser condenada a pagar aos Autores todos os danos patrimoniais por estes sofridos, e melhor descritos sob os artigos 46º a 68º da p. i. que, à data da propositura da ação se liquidam em 5.050 €, bem como aqueles que entretanto se forem vencendo e que os Autores se vejam forçados a pagar até final dos presentes autos.
e) Finalmente, deverá a Ré ser condenada no pagamento aos Autores, de quantia nunca inferior a 10.000€ a título de danos não patrimoniais, conforme alegado sob os artigos 69º a 84º da p. i..
Fundamenta a sua pretensão, em síntese, no facto de ter acordado com a Ré a construção e a respectiva venda do prédio urbano identificado no artigo 6º da p. i., cujo preço ascendeu a 197.250,00€, integralmente pago e de o prédio não ter ficado acabado e possuir muitos defeitos de construção que impediram os Autores de o ir habitar, o que lhes causou graves prejuízos.
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2. Citada, a Ré contestou, invocando, em suma, que procedeu à reparação dos vários defeitos que foram surgindo, não restando atualmente quaisquer defeitos na obra. Mais invoca que quando outorgaram a escritura, os Autores bem conheciam a obra e nunca reclamaram de tais defeitos, pelo que já caducou o direito de os Autores exigirem agora a sua reparação.
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3. Os Autores responderam, na audiência prévia, à excepção de caducidade, invocando que existe numerosa correspondência trocada entre as partes que demonstra que os Autores reclamaram atempadamente os defeitos e, ainda que assim não se entendesse, por carta de 23.01.2014, denunciaram à Ré todos os defeitos cuja reparação peticionam, pelo que, tendo a acção dado entrada em Juízo em 6.11.2014, consideram-se cumpridos todos os prazos legalmente previstos para a denúncia dos defeitos.
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4. Proferiu-se despacho saneador no qual se declarou válida e regular a instância, relegando para final o conhecimento da exccepção de caducidade.
Fixou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
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5. Efectuado o julgamento foi a acção julgada parcialmente procedente, condenando-se a Ré a proceder, a expensas suas, à correcção definitiva na casa de habitação dos AA. dos defeitos elencados no ponto 22), alíneas a) a zz) da matéria factual constante da sentença, e no pagamento da indemnização, a título de danos patrimoniais, da quantia de € 20.074,00, acrescida da que se vier a liquidar, à razão mensal de € 500, 00, pela privação da vivenda, desde a presente data até à data em que a aludida vivenda ficar em condições de ser habitada e juros de mora, à taxa legal de 4% a contar da citação e até integral e efectivo, assim como da indemnização, a título de danos não patrimoniais, de € 5.000,00, acrescida dos mesmos juros desde a data da sentença e até integral pagamento.
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6. Inconformada com a dita sentença, dela veio a Ré interpor recurso de apelação, deduzindo as seguintes
CONCLUSÕES
I. Foram violados, entre outros, os arts. 627.º, 629.º n.º 1, 631.º n.º 2, 638.º, n.º 1 e 639.º e 615º, nº1, alinea c) todos do Código de Processo Civil, e art. 1219º, 1224º e 1225º, todos do Código Civil.
II. Os apelados confessaram (com força probatória plena) que tomaram conhecimento dos defeitos a 22 de Março de 2013 (data da outorga da escritura pública), tendo intentado a presente acção a 6 de Novembro de 2014.
III. Pelo que, nos termos do art. 1224º do Código Civil, caducou o direito dos ora apelados a peticionar a reparação de tais defeitos.
IV. A decisão de que se recorre erradamente deu como provados os factos elencados em 22 c) e 22 dd) e 22gg).
V. A factualidade vertida em 21º e 22º da Contestação deve ser dada como provada.
VI. Tendo em conta o provado acordo entre as partes no que à carpintaria, cozinha e bomba de calor concerne, dúvidas não subsistem que os apelados receberam a moradia em regulares condições.
VII. Alegar assim a falta de habitabilidade configura manifesto abuso de direito, excepção que expressamente se invoca para todos os legais efeitos.
VIII. Julgada provada a habitabilidade da moradia, deverá improceder totalmente o pedido indemnizatório formulado.
IX. Deve, pois, a Decisão ser alterada, julgando-se improcedente o pedido de condenação nos danos patrimoniais e não patrimoniais.
X. As contradições antes descritas encerram uma nulidade, a qual, desde já e expressamente, se argui, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 615º, nº 1 c) do C.P.C.
Concluiu, assim, a apelante pela procedência do recurso e pela revogação da sentença proferida.
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7. Os apelados ofereceram contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.
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8. Foram cumpridos os vistos legais.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso -cfr. arts. 635º, nº 3, e 639º, nsº 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, na redacção emergente da Lei n.º 41/2013 de 26.06 [doravante designado apenas por CPC].
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No seguimento desta orientação, as questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
a)- nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão – art. 615º, n.º 1 al. c)- do CPC;
b)- excepção de caducidade quanto ao direito à eliminação ou correcção dos defeitos;
c)- julgamento da matéria de facto, concretamente os pontos 22 c), 22 d) e 22 gg) da sentença recorrida, que deveriam ter sido julgados como não provados, e desconsideração dos arts. 21º e 22º da contestação da Ré que deveriam ter sido julgados como provados;
d)- a invocação da falta de habitabilidade da vivenda por parte dos autores integra uma situação de abuso de direito, em razão do que improcede totalmente o pedido indemnizatório, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, deduzido pelos autores.
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II.I. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos a considerar provados são os seguintes:
1. A Ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à construção, promoção e comercialização de empreendimentos imobiliários.
2. No exercício do seu objeto comercial, a Ré desenvolveu e promoveu a construção e venda de prédios urbanos destinados a habitação (habitações unifamiliares) em lotes de terreno de sua propriedade, e sitos na
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