Acórdão nº 1022/02.2BTLRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 14-07-2022

Data de Julgamento14 Julho 2022
Ano2022
Número Acordão1022/02.2BTLRS
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação deduzida por “A…”, sociedade comercial de direito cipriota com sucursal em Portugal, contra a liquidação de IRC e juros compensatórios do exercício de 1998, no montante global de 558.128,76 euros.

A Recorrente termina as alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:
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a. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a impugnação judicial procedente, determinando a anulação da liquidação de IRC e de juros do exercício de 1998, no montante global de € 558.128,76.
b. No âmbito do procedimento de inspeção de que foi alvo a Impugnante o apuramento da matéria tributável foi com recurso a métodos indiretos e, como é sabido, em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, i) compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, ii) cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (cf. n.º 3 do artigo 74.º, da LGT).
c. Entendeu o tribunal “a quo” que não ficou demonstrado que estavam presentes os pressupostos para afastamento da veracidade da contabilidade.
d. Com tal entendimento, com o qual não nos conformamos, a douta sentença incorre em erro de julgamento que resulta não só da incorreta fixação e valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e violação da lei.
e. Dada a relevância para a boa decisão da causa e os efeitos daí decorrentes, deve ser determinada a ampliação da matéria de facto, devendo ser aditado nos “factos provados” os seguintes factos:
- A A…, Ltd celebrou o Contrato Coletivo de Trabalho para os Navios “O…”, “P…” e “I…”, com os sindicatos do sector, no qual atua como agente da A…, S.A.;
- Conquanto tal não resulte do contrato de prestação de serviços (“Agency agreement”), esta atuação vinculou a “A…, S.A.”, pelo que estaria forçosamente investida de poderes para vincular esta sociedade;
- A entidade empregadora dos trabalhadores dos navios “O…”, “P…” e “I…” durante a Expo 98 era a “A…, Ltd” (cf. termos de declarações de trabalhadores e contrato coletivo);
- A A…, Ltd aquando do pagamento dos salários aos trabalhadores dos navios “O…”, “P…” e “I…” não procedeu aos descontos para a segurança social nem às respectivas retenções na fonte em sede de IRS (cf. termos de declarações de trabalhadores);

f. Perante os factos descritos acima, e contrariamente ao que foi concluído na sentença, a ora Impugnante atuou com poderes de representação.
g. Acresce ainda que no desempenho da atividade da Impugnante, a mesma contratou mão-de-obra para levar a cabo a respetiva atividade nos navios “O…”, “P…” e “I…”, o que leva à conclusão da existência de um estabelecimento estável.
h. Tal é comprovado com as declarações dos trabalhadores contratados que afirmaram expressamente desempenhar a respetiva atividade sob subordinação hierárquica da Impugnante a bordo dos referidos navios.
i. Ora, suportando a Impugnante custos com a gestão hoteleira dos navios, mormente, os salários dos trabalhadores, também teria de registar os proveitos obtidos no desempenho da sua atividade.
j. Acontece que no âmbito do procedimento inspetivo realizado, embora tenham sido solicitados, a ora Impugnante não disponibilizou os elementos decorrentes da exploração dos navios, incluindo os dados relativos ao pagamentos dos trabalhadores, pelo que a AT deparou-se com omissões que constituem indícios suficientes para concluir que a escrita da Impugnante não reflete de forma clara e inequívoca a exata situação patrimonial, legitimando assim o recurso à avaliação indireta.
k. Da recusa de entrega da documentação relativa à gestão dos navios resulta uma grave omissão de registos contabilísticos o que constitui, como já referido, indícios suficientes para concluir que a escrita da Impugnante não reflete de forma clara e inequívoca a sua exata situação patrimonial.
l. Face ao exposto, estavam assim reunidos os pressupostos para a aplicação dos métodos indirectos, nos termos da alínea b), do artigo 87.º e artigo 88.º da LGT.
m. Com efeito, é forçoso concluir, salvo melhor entendimento, que a sentença recorrida enferma de vício de violação de lei, por não ter respeitado as normas previstas na alínea b), do artigo 87.º e artigo 88.º ambos da LGT devendo ser a mesma revogada e ser decidido que os pressupostos de aplicação de métodos indirectos estavam preenchidos e que a “A…, Ltd” atuava com poderes de representação da “A…, S.A.”, configurando aquela um estabelecimento estável pelo que os respectivos rendimentos estavam sujeitos a tributação em sede de IRC.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial improcedente quanto à matéria ora recorrida.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA».

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu mui douto parecer no sentido da improcedência do recurso, porquanto, a seu ver, a sentença julgou de acordo com a factualidade apurada e fez uma correcta aplicação e interpretação dos preceitos legais aplicáveis pelo que não padece dos vícios que lhe são imputados no recurso.
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões das alegações do recurso, a questão essencial que importa resolver reconduz-se a indagar do erro de julgamento da sentença ao concluir pela errónea imputação à impugnante, por via indirecta, de custos incorridos e proveitos obtidos com a actividade que, pretensamente, exercera relativamente à gestão comercial de três navios acostados no porto de Lisboa.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Na sentença recorrida, deixou-se factualmente consignado:
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Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão:

A) A impugnante A…, Limited, é uma sociedade comercial de direito cipriota, com sucursal em Portugal sita na Avenida 24 de Julho, nº …, …º, em Lisboa (cf. documentos juntos com a p.i. sob os nº 6 e 7, fls. 63 a 72 do suporte físico do processo);

B) Em 1998.01.15, entre E…, Ltd., e a sociedade Parque Expo 98, SA, foi outorgado o contrato junto com a pi como documento nº 3, que faz fls. 38 a 44 do suporte físico do processo e que aqui se dá por integralmente reproduzido, relativamente ao afretamento de três navios acostados na Doca de Lisboa, denominados P…, P…e O…;

C) Em 1998.02.11, entre A…, SA do Panamá e a empresa E…, Ltd., de Gibraltar foi outorgado o contrato junto com a pi como documento nº 4, a fls. 45 a 53, que aqui se dá como integralmente reproduzido, relativo ao navio de passageiro P…;

D) A empresa E…, é representada em Portugal pela empresa N… – F… Agência de Navios, Lda. (cf. fls. 300 do PA);

E) Em 1998.04.14, entre A… do Panamá e a empresa C…– Consultadoria de C…, Lda., com sede em Lisboa, foi outorgado o contrato junto com a pi como documento nº 5, constante de fls. 56 a 62 do suporte físico do processo e que aqui se dá como integralmente reproduzido, relativo à gestão e exploração dos restaurante e bares existentes a bordo dos navios O…, P… e I… (cf. cláusula 1ª do contrato);

F) Em 1998.04.01, entre as empresas A…, SA do Panamá e A… Co. Ltd, do Chipre, foi outorgado o contrato junto com a pi como documentos nº 8, a fls. 73 a 75 do suporte físico do processo e que aqui se dá como integralmente reproduzido;

G) A escrita da Impugnante do ano de 1998 foi objeto de ação inspetiva que concluiu pela necessidade de correção ao lucro tributável declarado, por métodos indiretos, no montante de PTE 256 617 162$00 (cf. fls.3 a 57 do PA);

H) Notificado do projeto de conclusões do relatório dos serviços de Inspeção tributária da Direção de Finanças de Lisboa, em 2000.03.09, a Impugnante exerceu o direito de audição prévia por escrito (cf. fls. 35 a 38 do PA);

I) Por carta registada com aviso de receção assinado em 2000.05.03, a Impugnante foi notificada das conclusões da ação de Inspeção Tributária e da fixação do lucro tributável em sede de IRC por métodos indiretos (cf. fls. 3 a 5 do PA); deste relatório, transcreve-se:
(…);

13 – Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indiretos
Relativamente à atividade desenvolvida importa realçar o seguinte:
A tributação a efetuar respeita à atividade efetivamente desenvolvida pelo sujeito passivo na gestão de três navios acostados em Doca de Alcântara- Lisboa;
Os navios em causa, P…, P… e O…, foram fretados pela Parque Expo/98 à Sociedade Britânica E…, com sede em Gibraltar, sendo a sua atividade desta firma desenvolvida em Portugal através do estabelecimento estável identificado por E… Ltd‖, NIPC – 9…
O Objeto dos contratos estabelecidos entre a Parque Expo/98 e a E… Ltd consiste no fretamento de três navios de passageiros fundeados no Porto de Lisboa, durante o período da Exposição Mundial, 22 de Maio a 30 de Setembro de 1998. A Parque Expo/98 contrata a companhia britânica para prestação de serviços de hotelaria a bordo das embarcações sendo o objetivo da Parque Expo/98 o de alojar, a título oneroso, diversas entidades que participarão na Exposição Mundial.
De acordo...

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