Acórdão nº 1015/20.8T8PVZ.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 27-02-2023

Data de Julgamento27 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão1015/20.8T8PVZ.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 1015/20.8T8PVZ.P1

Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora, nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam as juízas abaixo-assinadas da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
AUTORA: AA, residente na Rua ..., ... ....
RÉUS: A... – Sucursal em Portugal, com sede na Avenida ..., ..., ... Lisboa.
Federação ..., com sede na Av. ..., ... Lisboa.
Por via da presente ação declarativa, pretende a A. obter a condenação dos RR. a pagarem-lhe a quantia total de € 116.164,88, relativa aos diversos danos (biológico, não patrimonial, perda de ganho, despesas médicas e medicamentosas e outros) sofridos em consequência da queda de um cavalo, quando praticava a atividade desportiva de equitação, enquanto atleta federada. Quanto à seguradora, invoca a existência de um contrato de seguro celebrado entre esta e a Federação ....

Os RR. contestaram, enfatizando a seguradora tratar-se de um seguro de acidentes pessoais e não de um seguro de responsabilidade civil pelo que, considerando o regime aplicável, a seguradora apenas responderá na proporção da incapacidade de que padeça a A., aplicada ao limite de capital contratado de € 28.000,00.

Realizado julgamento, veio a ser proferida sentença, datada de 23.9.2022, a qual absolveu a Ré Federação do pedido e, julgando parcialmente procedente a ação contra a seguradora, condenou-a a pagar à A. a quantia de € 27.589,04, com juros de mora desde a citação.

Desta sentença, recorre a Ré seguradora, visando a sua revogação parcial e a redução da condenação para a quantia de € 6.589,04, pelas razões que assim sintetizou:
(…)
V- Sendo indiscutível que os 25 pontos de défice funcional de integridade físico-psíquica de que a Autora ficou a padecer após o acidente são na verdade graves e justificariam uma indemnização mesmo superior aos € 28.000,00, o facto é que, no presente caso, não se deve sequer falar de “indemnização”.
(…)
VIII- A apólice n.º ... titula um contrato de seguro desportivo, celebrado entre a Ré A... e a Federação ..., nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12 de janeiro.
IX- Está em causa um seguro “de pessoas” e de “acidentes pessoais”, como decorre do n.º 1 do artigo 5.º daquele Decreto-Lei: “O seguro desportivo cobre os riscos de acidentes pessoais inerentes à respectiva actividade desportiva (…).
X- Conforme estatui o n.º 2 daquele artigo 5.º, “as coberturas mínimas abrangidas pelo seguro desportivo são as seguintes:
a) Pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da actividade desportiva;
b) Pagamento de despesas de tratamento, incluindo internamento hospitalar, e de repatriamento.”
XI- Desenvolvendo, o artigo 16.º do Decreto prevê as seguintes coberturas e capitais mínimos abrangidas pelo seguro desportivo:
a) Morte - (euro) 25000;
b) Despesas de funeral - (euro) 2000;
c) Invalidez permanente absoluta - (euro) 25000;
d) Invalidez permanente parcial - (euro) 25000, ponderado pelo grau de incapacidade fixado;
e) Despesas de tratamento e repatriamento - (euro) 4000.
XII- Como se depreende da norma, além das coberturas de despesas de funeral e de tratamento e repatriamento, o contrato de seguro desportivo contém prestações pré-determinadas, que se resumem simplesmente ao pagamento de capitais por ocorrência de morte ou de invalidez permanente da pessoa segura.
XIII- Ou seja, à verificação da morte do atleta, por exemplo, corresponderá o pagamento do capital de € 25.000,00 por parte do segurador; à verificação da invalidez permanente absoluta, corresponderá o pagamento do capital de € 25.000,00; e à verificação da invalidez permanente parcial, deverá corresponder o pagamento do capital de € 25.000,00 “ponderado pelo grau de incapacidade fixado”.
XIV- A ponderação a que se refere a lei mais não é do que a multiplicação da percentagem de incapacidade pelo capital estipulado na apólice. Ou seja, no caso de um atleta que padeça de invalidez parcial de 10%, o segurador terá de pagar a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).
XV- Não prevê a lei que sejam “ponderados danos”, mas sim o pagamento de “um capital”, cujo teto máximo está pré-definido e cujo concreto valor a pagar se determine mediante a ponderação do grau de incapacidade.
XVI- Traduz-se esta ponderação num simples cálculo aritmético, de multiplicação entre o capital contratado e a percentagem da incapacidade fixada à pessoa segura.
XVII- Assim se decidiu, entre outros, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08/07/2020, processo 489/17.9T8AVV.G1:
Neste seguro, na fixação da atribuição patrimonial concreta devida em caso de invalidez permanente parcial, não se deve atender aos critérios usualmente utilizados na jurisprudência para fixar a indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes da incapacidade permanente, antes tal atribuição patrimonial deve ser apurada mediante cálculo matemático em função do grau de incapacidade fixado, único critério previsto no art. 16º nº 1 d) desse diploma.
XVIII- Mais se refere, no Acórdão que Estas normas imperativas não impõem a necessária inclusão dos danos não patrimoniais.
Do preâmbulo do diploma retiramos apenas a preocupação do legislador em “amparar” o praticante de desporto garantindo-lhe um mínimo, designadamente para se tratar e lidar com uma incapacidade que passou a ter, e não a cobertura de todos e quaisquer danos decorrentes de tal actividade. A inclusão dos danos não patrimoniais pode levar a um resultado absurdo como num caso de incapacidade permanente total poder não haver capital disponível para compensar tais danos. Se é verdade que a cobertura “invalidez” se inscreve no seguro de pessoas o art. 175º nº 2 do R.J.C.S. prevê que este seguro pode garantir “prestações de valor determinado não dependente do efectivo montante do dano”, como aquela aqui em causa, sendo que este entendimento não é contrário à natureza da actividade desportiva ou provoque um esvaziamento do objecto do contrato de seguro (6º do R.J.S.D.O).
XIX-No mesmo sentido foi o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 07/11/2019, Proc. 654/16.6T8ABT.E1.S1, citado na douta sentença recorrida:
Em suma, a garantia do capital mínimo pela cobertura do contrato de seguro desportivo obrigatório para os casos de invalidez permanente do sinistrado, absoluta ou parcial, estabelecida nas alíneas c) e d) do artigo 16.º do Dec.-Lei n.º 10/2009, de forma taxativa, com a ponderação ainda do grau de incapacidade fixado, no caso de invalidez parcial, insere-se perfeitamente no quadro do contrato de seguro de acidentes pessoais na modalidade de prestações de valor predeterminado não dependente do montante efetivo do dano, de modo a proporcionar um ressarcimento do sinistrado a forfait, seja este dano superior ou inferior àquele valor.
Por outro lado, visando-se cobrir o risco de lesões corporais determinativas de invalidez permanente inerentes a acidente em atividades desportivas, nem sequer necessariamente associado à prática de ilícito civil no domínio da responsabilidade extracontratual, não se mostra imperioso que a prestação devida pelo segurador seja aferível pelo dano efetivo ou esteja limitada a este, segundo o princípio indemnizatório consagrado no artigo 128.º da LCS para o contrato de seguro de danos.
(…) impõe-se arbitrar uma indemnização na proporção desse grau de incapacidade sobre o valor do capital garantido, o que equivale a € 2.200,00 [€ 27.500,00 x 8]
XX- No caso concreto, a apólice ..., na sua cláusula 6 das Condições Particulares, prevê o capital de € 28.000,00 para os casos de morte ou invalidez permanente.
XXI-De acordo com a regra do artigo 16.º do Decreto-Lei 10/2009, considerando o grau de invalidez de 25% fixado à Recorrida, o capital a pagar pela Recorrente seria de € 7.000,00 (sete mil euros). Isto é, € 28.000,00 de capital x 25% de invalidez.
XXII- Com o devido respeito, era isto que poderia e deveria o Meritíssimo Juiz de Direito do Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim ter atribuído à Recorrida: a quantia de € 7.000,00, em virtude da incapacidade de 25%, deduzida da quantia já paga de € 410,96.
XXIII- Violou a douta sentença o disposto na alínea b), do n.º 2 do artigo 5.º e a alínea d) do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12 de janeiro.
XXIV- Deverá, por isso, ser a substituída a Sentença recorrida por Acórdão que aplique o disposto na alínea d) do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12 de janeiro e bem assim o estipulado no contrato de seguro em questão, condenando a Recorrente a pagar nada mais que o capital previsto de € 7.000,00 (€ 28.000,00 capital x 25% incapacidade), deduzido da quantia de € 410,96 já paga, ou seja, € 6.589,04 (seis mil, quinhentos e oitenta e nove euros e quatro cêntimos).
Contra-alegou a A. pugnando pela improcedência do recurso.

Objeto do recurso:
- Da interpretação do art. 16.º c) do DL 10/2009, de 12.1 (Regime jurídico do seguro desportivo obrigatório – LSD).

FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentos de facto:
Os factos dados como provados na sentença recorrida e não colocados em causa no recurso são os
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