Acórdão nº 101/19.1S2LSB.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 11-11-2021

Data de Julgamento11 Novembro 2021
Número Acordão101/19.1S2LSB.L1-9
Ano2021
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


No Juízo Local Criminal de Lisboa, por sentença de 15/06/2021, constante de fls. 577/630, foi o Arg.[1] AA, com os restantes sinais dos autos (cf. ), condenado nos seguintes termos:
“… Pelo exposto, decide-se julgar a acusação procedente por provada e, em consequência:
a)-Condenar o arguido AA pela prática como autor material de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, ais b) e nº2, al. a) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão suspensa na sua execução por 3 (três) anos com regime de prova e na pena acessória de proibição de contactos com BB por três anos, incluindo afastamento da residência e local de trabalho devendo o seu cumprimento ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, e na obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica;
b)-Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando a taxa de justiça em 3 (três) Ucs, nos termos do Regulamento das Custas Processuais;
c)-Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente BB e, em consequência, condena-se o arguido/demandado no pagamento à mesma da quantia de €10.000,00 (dez mil euros) acrescida de juros vincendos à taxa legal até integral pagamento a título de indeminização por danos não patrimoniais, improcedendo o restante peticionado;
d)-Custas da parte cível pelo arguido/demandado e assistente/demandante segundo o decaimento sendo de 85% o primeiro e 15% a assistente. …”.
*****

Não se conformando, o Arg., interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 643/647, com as seguintes conclusões:
“… 1.–Da leitura da decisão, nomeadamente do ponto 1 dos factos julgados não provados, resulta a inelegibilidade do ponto 1 julgado não provado.
2.–Não sendo perceptível para o Recorrente o alcance do facto julgado não provado.
3.–Da leitura atenta da Decisão ora recorrida, resulta que relativamente ao pedido de indemnização cível formulado pela Assistente nos autos, o tribunal a quo refere não proceder ao arbitramento de indemnização nos termos dispostos no artigo 21º nº1 e nº2 da Lei nº122/2009 de 16 de Setembro, atendendo ao facto de a Assistente ter formulado pedido de indemnização civil, referindo o facto de ter de haver lugar à apreciação deste e não ao arbitramento de indemnização nos termos das disposições legais referidas.
4.– Ora, o tribunal a quo na sede que ora se pugna, além de remeter a decisão sobre a indemnização de pedido cível para o pedido formulado pela Assistente, não observou o disposto no nº3 do artigo 494º que refere o facto de “o montante da indemnização (por danos não patrimoniais) será fixado equitativamente pelo tribunal, (…).
5.– Ora, a indemnização cível ora recorrida, além de bastante excessiva perante os factos julgados provados pelo tribunal a quo, cujo texto da decisão enuncia em termos genéricos, não especificando em concreto quais os factos que pretende demonstrar o nexo de causalidade entre a conduta do arguido e o dano infligido à Assistente, não é equitativa.
6.– Pese embora o supra referenciado, cabe observar o facto de apesar de terem sido julgados provados, os factos constantes nos pontos 22, 23 e 26 consubstanciarem factos que não poderão, segundo as regras da experiência comum e segundo o ponto de vista de um homem de formação média, ser factos que revelem ou ressumam o grau de culpabilidade do agente, neste caso do Recorrente.
7.–Ora, os factos supra referenciados, e que terão sido relevantes para a decisão ora recorrida, atendendo ao facto de o texto da mesma remeter para os factos julgados na sua globalidade, além de provar o facto de a Assistente não ter sofrido qualquer incapacidade para o trabalho, não demonstra a razão de a vida profissional ter ficado gravemente prejudicada, não podendo ser imputada ao Recorrente qualquer culpa relativamente ao horário de trabalho da Assistente, muito menos e de outra forma não se compreenderia, do horário em que a mesma se levanta diariamente.
8.–Ora, a apreciação dos factos em questão e a sua subsunção à fundamentação de direito para a procedência de um pedido cível, extremamente excessivo e desproporcional, subsumem-se ao vício de erro notório na apreciação da prova.
9.–Ainda que assim não se entenda, O montante da indemnização julgada nos presentes autos, não observa o princípio da equidade nem o da proporcionalidade, não tendo observado, a título de exemplo e além do já referenciado em termos de nexo de causalidade, apesar de ter julgado provado o facto de o Recorrente auferir mensalmente €645,00 (seiscentos e quarenta e cinco euros) da sua atividade profissional de assistente operacional da Câmara Municipal de Lisboa.
10.–Ora, o que o tribunal a quo produziu com a decisão que ora se impugna, além de se ter cingido ao pedido formulado pela Assistente sem obediência a critérios de causalidade, equidade e proporcionalidade por não ter referenciado em sede de fundamentação e por não se poder retirar da leitura atenta da decisão globalmente considerada, foi, sem mais, proporcionar o empobrecimento drástico e repentino do Recorrente assim como o enriquecimento da Assistente, sem qualquer justificação.
11.–Neste modos pugna-se a decisão ora Recorrida, devendo os presentes autos ser remetidos ao tribunal de primeira instância, revogando-se a decisão proferida, para efeitos de alteração do ponto 1 dos factos não provados por ininteligível assim como para alteração do valor da indemnização cujo valor, atendendo ao princípio da equidade, proporcionalidade e aos critérios estabelecidos no artigo 494º do Código civil, não poderá ser superior a €1.000,00 (mil euros). …”.
*****

O Exm.º Magistrado do MP[2] respondeu ao recurso, a fls. 661/664, para além do mais, da seguinte forma:
“… 1)–A invocada ininteligibilidade do ponto 1 dos Factos Não Provados da matéria de facto da sentença corresponde a manifesto lapso de escrita, que não importa modificação essencial e é passível de correção nos termos do art.º 380º/1-b) e 2 do CPP.
2)– certo que, na matéria de facto dada como não provada, sob 2 – Factos Não Provados, escreveu a sentença, “Não se provou que: 1) - O arguido e a ofendida BB até ao ano de 2015, altura em que se separaram.”, asserção que, sem mais, resulta evidentemente desconexa, do ponto de vista intrínseco e em termos semânticos.
3)–Não tanto quando confrontada ao teor da matéria de facto dada como provada, onde na Fundamentação de facto da sentença, quanto aos Factos Provados, se constata ter sido asseverado que resultaram provados os seguintes factos com pertinência para a decisão: “o arguido e a ofendida BB viveram, em comunhão de mesa e cama, na Rua …………. (e não ……….. como por lapso de escrita consta do despacho de acusação), em Lisboa, entre o ano de 2000 até 2010.”
4)–Perfilando-se por aí o erro de escrita na sentença, quando no mencionado ponto da matéria de facto dada como não provada, não verteu tudo o que manifestamente pretendeu verter, ou seja, dizer pela negativa, que “1) o arguido e a ofendida BB viveram em comunhão até ao ano de 2015, altura em que se separaram.”
5)–Também o confronto à correspondente negação da matéria de facto veiculada na acusação aponta no mesmo sentido, pois aí se veiculara em termos indiciários que:
6)–“1) O arguido e a ofendida BB viveram, em comunhão de mesa e cama, na Rua …………….. Lisboa, entre o ano de 2000 e 2015, altura em que se separaram. 2) A ofendida e o arguido têm um filho em comum, CC, nascido a …………. 3) O menor CC, devido ao ambiente hostil e de violência doméstica no seio familiar, foi retirado aos progenitores em 2015, ficando sob a tutela do pai da ofendida. 4) 4. Em 2017 o menor foi residir com a ofendida e o arguido prometeu mudar, tendo ambos reatado a relação, voltando a viver maritalmente, na residência sita na …………………………, em Lisboa.
7)–A leitura da fundamentação da decisão da matéria de facto operada na sentença (na parte final da pág. 28 e na parte inicial da pág 29 das 54 páginas) corrobora o exposto, no tocante ao crivo de convicção do tribunal quanto à matéria de facto não firmada, por falta de prova relativamente à intermitência dos períodos de coabitação/convívio entre o arguido e a ofendida.
8)– A Lei 112/2009, de 16-09, por via do art.º 21º/1 e 2, reconhece à vítima o direito a obter uma decisão de indemnização (em tempo razoável), no âmbito do processo penal, fazendo remissão ao art.º 82º-A do CPP para a correspondente concretização.
9)–Aderimos à argumentação do recorrente quanto a que na estipulação da indemnização cível o tribunal penal deva ater-se aos princípios da equidade e da proporcionalidade, na decorrência dos dispositivos legais aplicáveis, sobremaneira no momento em que aquela versa os danos morais (ou, não patrimoniais).
10)–Por isso mesmo, aliás, o Ministério Público ao deduzir a acusação suscitou o arbitramento da indemnização, também ao abrigo desses normativos.
11)–O arbitramento dessa indemnização tem natureza subsidiária, designadamente não sucedendo quando a vítima expressamente se opuser à sua fixação (art.º 21º/2 da Lei 112/2009).
12)–Cumprindo extrair então que, quando a vítima se interessa pelo processo a ponto de deduzir específico pedido de indemnização cível é a esse que o tribunal se deve ater, tendo em conta a quantificação aí operada e o especial interesse das partes diretamente envolvidas, em nome até do próprio princípio da adesão, conforme art.º 71º do CPP. …”.
*****

Também a Assistente, AA, respondeu ao recurso, nos termos de fls. 666/671, concluindo da seguinte forma:
“... a)- A ininteligibilidade do Ponto 1 da matéria não provada em nada prejudica a decisão recorrida;
b)- A indemnização fixada não feriu nem a equidade nem a proporcionalidade
À cautela,
c)-
...

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