Acórdão nº 1008/19.8T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20-04-2023

Data de Julgamento20 Abril 2023
Ano2023
Número Acordão1008/19.8T8PTM.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Ré: A..., SA
Recorridos / Autores: AA, BB e CC

Trata-se de uma ação declarativa de condenação no âmbito da qual os AA formularam os seguintes pedidos:
- a condenação da R ao pagamento ao A AA da quantia € 2.211.993,92 € e da quantia que se vier a liquidar em relação ao alegado nos artigos 328.º a 331.º da petição inicial;
- a condenação da R ao pagamento a cada um dos AA BB e CC da quantia de € 200.000,
A que acrescem juros de mora a contar da citação.
Alegaram, para tanto, ter sofrido danos em consequência do acidente de viação ocorrido no dia 21 de julho de 2014 por culpa do condutor do veículo pesado de mercadorias, de matrícula ..-..-TL, DD, tendo a R assumido a obrigação de indemnizar terceiros pelos danos que aquele veículo pudesse vir a causar.
A R apresentou-se a contestar, contrapondo que foi o menor A que, com o seu velocípede, invadiu a faixa de rodagem por onde circulava o veículo pesado de mercadorias, nele embatendo sensivelmente a meio. Sustenta, assim, que a responsabilidade pela produção do sinistro é de atribuir naturalisticamente ao A AA e juridicamente a seus pais, por omissão, sendo certo que o condutor do veículo seguro nada podia fazer para evitar o embate e as suas consequências. Impugna os danos alegados por desconhecimento concreto dos danos efetivamente verificados.

II – O Objeto do Recurso
Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, conforme segue:
«a) Condeno a ré A... – Companhia de Seguros, S.A., a pagar ao autor AA as seguintes quantias:
i) A título de danos patrimoniais, € 845.000,00 (oitocentos e quarenta e cinco mil euros) (€ 540.000,00 + € 305.000,00), acrescidos de juros legais que vierem a vencer-se até integral cumprimento; até a limite da cobertura da apólice, a título de danos futuros, as quantias que o autor venha a despender com consultas médicas e tratamentos, incluindo fisioterapia (mediante prescrição médica), cirurgias, tudo exigido pelas lesões provocadas pelo acidente, deslocações para esse efeito necessárias, equipamento adaptado à sua situação e respetivas substituições impostas pelo decurso do tempo, como almofada para prevenção de escaras, cadeira de duche, cadeira de rodas manual ativa, cadeira de rodas tipo scooter, cama articulada, colchão de conforto, ortótese para pé e tornozelo para o membro inferior direito feita por medida, próteses para o membro inferior esquerdo transpélvica endoesquelética (mediante prescrição médica), adaptação de veículo automóvel, do computador, handcycle para desporto adaptado, adaptação de mesa de trabalho, poltrona; adaptações arquitetónicas da casa e prévio estudo com vista a que possa circular em cadeira e rodas. Tudo, a liquidar;
ii) A título de danos não patrimoniais, € 500.000,00, acrescidos de juros legais contados desde o dia seguinte ao da citação, o que perfaz um total até hoje de € 566.082,19 (quinhentos e sessenta e seis mil e oitenta e dois euros e dezanove cêntimos) e os que vierem a vencer-se até integral cumprimento;
b) Condeno a ré A... – Companhia de Seguros, S.A., a paga, a título de danos não patrimoniais, a cada um dos dois autores, BB e CC, a quantia de € 35.000,00, acrescida de juros desde o dia seguinte ao da citação, o que perfaz o montante total até hoje de € 39.625,75 (trinta e nove mil, seiscentos e vinte cinco euros e setenta e cinco cêntimos) e os que vierem a vencer-se até integral cumprimento;
c) Absolvo a mesma ré do restante peticionado.

Custas a cargo do autor e da ré, na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido aos autores.»

Inconformada, a R apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que declare a improcedência do pedido, dele absolvendo a Recorrente. Concluiu a alegação de recurso nos seguintes termos:
«I. O presente recurso vem interposto da Sentença que, a final, “condeno(u) a ré A... – Companhia de Seguros, S.A., a pagar:
Ao autor AA as seguintes quantias:
i) A título de danos patrimoniais, € 845.000,00 (oitocentos e quarenta e cinco mil euros) (€ 540.000,00 + € 305.000,00), acrescidos de juros legais que vierem a vencer-se até integral cumprimento; até a limite da cobertura da apólice, a título de danos futuros, as quantias que o autor venha a despender com consultas médicas e tratamentos, incluindo fisioterapia (mediante prescrição médica), cirurgias, tudo exigido pelas lesões provocadas pelo acidente, deslocações para esse efeito necessárias, equipamento adaptado à sua situação e respetivas substituições impostas pelo decurso do tempo, como almofada para prevenção de escaras, cadeira de duche, cadeira de rodas manual ativa, cadeira de rodas tipo scooter, cama articulada, colchão de conforto, ortótese para pé e tornozelo para o membro inferior direito feita por medida, próteses para o membro inferior esquerdo transpélvica endoesquelética (mediante prescrição médica), adaptação de veículo automóvel, do computador, handcycle para desporto adaptado, adaptação de mesa de trabalho, poltrona; adaptações arquitetónicas da casa e prévio estudo com vista a que possa circular em cadeira e rodas. Tudo, a liquidar;
ii) A título de danos não patrimoniais, € 500.000,00, acrescidos de juros legais contados desde o dia seguinte ao da citação, o que perfaz um total até hoje de € 566.082,19 (quinhentos e sessenta e seis mil e oitenta e dois euros e dezanove cêntimos) e os que vierem a vencer-se até integral cumprimento;
b) Condeno a ré A... – Companhia de Seguros, S.A., a paga, a título de danos não patrimoniais,
A cada um dos dois autores, BB e CC, a quantia de € 35.000,00, acrescida de juros desde o dia seguinte ao da citação, o que perfaz o montante total até hoje de € 39.625,75 (trinta e nove mil seiscentos e vinte cinco euros e setenta e cinco cêntimos) e os que vierem a vencer-se até integral cumprimento;
II. Sem prejuízo do respeito e compaixão que a situação do Autor AA concita, crê a Ré que a Sentença em crise julgou incorretamente os factos e aplicou erradamente o direito, assim violando o disposto nos artigos 607º, nºs 3 e 4 do CPC e nos artigos 483º, 488º. 491º, 505º e 507º, todos do Código Civil;
III. Na Sentença em crise não se procede a uma verdadeira análise crítica da prova, tendo o Tribunal resumido essa tarefa a uma mera enunciação acrítica – para mais, muito resumida – das provas relevantes;
IV. Não se retira do trecho apresentado como fundamentação da decisão quanto à matéria de facto qualquer juízo crítico que, analisando em confronto as provas em concreto, demonstre às partes qual o percurso lógico para o Tribunal considerar provado um determinado facto – uma determinada versão da dinâmica do acidente – em detrimento de outro – ou de outra;
V. Em todo o caso, face à conceção jurisprudencial dominante será possível concluir que a nulidade da sentença, prevista no artigo 615º, nº 1, alínea b) apenas terá lugar, in casu, se se considerar existir uma total ausência de apreciação crítica da prova produzida e sua subsunção ao direito aplicável;
VI. Assim, e considerando-se que, apesar de tudo, não se trata de uma situação de ausência absoluta de fundamentação que impeça a compreensão e sindicância da decisão, terá aplicação o artigo 662º, nº 2, alínea d) do CPC, de acordo com o qual este artigo, “não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, deve a Relação determinar que o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados. Ou seja, quando a decisão de algum facto essencial para o julgamento da causa não se mostre devidamente fundamentada deve o processo baixar para inserção da motivação em falta e ainda que para tanto seja necessário repetir a produção de prova” – Ac. TRL de 07/12/2021;
VII. Em sentido semelhante, pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-01-2005 que “A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto tem a ver com a análise crítica das provas e bem assim com a especificação dos fundamentos tidos como decisivos para a convicção do julgador” e ainda que “A falta de motivação da decisão de facto não consubstancia uma nulidade do artº 668º do CPC, isto é, não conduz à nulidade da sentença ou à anulação do julgamento, levando apenas a que o tribunal da Relação, a requerimento das partes, faça remeter os autos à 1ª instância a fim de aí ser suprida tal deficiência.”;
VIII. É da conjugação dos depoimentos do Autor AA, do condutor do veículo seguro e da testemunha EE com os demais meios constantes dos autos – nomeadamente auto de participação do acidente e fotografias - que há de reconstituir-se, em termos de verosimilhança racionalmente demonstrável, a dinâmica do trágico acidente que é descrito nos autos;
IX. A versão do sinistro que é descrita pelo Autor AA é flagrantemente desmentida pelos factos, resultando numa versão inverosímil relativamente aos factos conhecidos, pois resulta provado que o AA iniciou o atravessamento quando o veículo pesado já havia iniciado a travessia da passadeira e, inclusive, a cabine do condutor, já a havia atravessado;
X. A consideração crítica da prova produzida impõe, por isso, a alteração da matéria de facto no sentido de dar como não provada a seguinte matéria de facto:
3. Quando estava prestes a iniciar a travessia daquela Rua ... pela passadeira (de cor amarela, provisória, devido a obras) destinada à travessia de peões, foi o seu velocípede sem motor embatido na roda da frente pela roda direcional de trás do lado direito da cabine do veículo pesado de mercadorias ..-..-TL (arts. 5.º a 8.º da petição inicial)
8. O condutor do veículo pesado de mercadorias ..-..-TL não se apercebeu da presença do AA, acabando por
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