Acórdão nº 1008/14.4T9BRG-BC.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 14-01-2021
Judgment Date | 14 January 2021 |
Case Outcome | JULGADO O RECURSO IMPROCEDENTE. |
Procedure Type | RECURSO PENAL |
Acordao Number | 1008/14.4T9BRG-BC.G1.S1 |
Court | Supremo Tribunal de Justiça |
Proc. n. º 1008/14.4T9BRG-BC.G1.S1
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:
I
Relatório
1. No Tribunal Judicial da Comarca …….. (Juízo Central Criminal ….….— Juiz ..) foi julgado, em audiência de discussão e julgamento, ao abrigo do disposto no art. 472.º, do CPP, AA e, por acórdão de 04.05.2020, foi condenado na pena única conjunta de 7 (sete) anos e 10 (dez) meses, resultante do cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos n.ºs 1008/14........... e 639/17............
2. Inconformado, o arguido interpôs recurso do acórdão cumulatório; o recurso foi admitido por despacho de 23.06.2020 (cf. referência ..........4).
O recorrente concluiu a motivação nos seguintes termos:
«A. O Recorrente e arguido AA requereu o cúmulo jurídico junto do Tribunal Judicial da Comarca ….. – Juízo Central Criminal ….. – Juiz .., na sequência da condenação à pena de prisão efetiva de 7 anos, no âmbito do Processo n.º 1008/14..........., invocando para o efeito o facto de ter praticado os factos constantes nos autos até Outubro de 2015, anteriormente às condenações transitadas em julgado – tal como prevê artigo 78.º, n.º 1 do Código Penal – dos seguintes processos:
a) Processo n.º 1770/12..........., do Juízo Central Criminal …… – Juiz .., por acórdão de 28/06/2016, transitado em julgado em 24/04/2017, o arguido foi condenado pela prática, em coautoria material e concurso real, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, e de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 15 meses de prisão e, operando o cúmulo jurídico, na pena única de dois anos e seis meses de prisão;
b) Processo comum coletivo n.º 526/12..........., do Tribunal da Comarca …. – Juízo Central Criminal ....... – Juiz .., por acórdão de 04/12/2014, transitado em julgado em 16/11/2015, o arguido foi condenado pela prática de um crime de burla simples, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão;
c) Processo n.º 639/17..........., do Tribunal Judicial da Comarca ....... – Juízo Local Criminal ...... – Juiz .., por sentença de 19.02.2018, transitada em julgado em 21.03.2018, o arguido foi condenado pela prática de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180.º, n.º 1, 184.º e 132.º, n.º 2 alínea l), todos do Código Penal, e por um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1 alínea c), ambos do Código Penal, na pena única de 12 meses de prisão efectiva. (sublinhado nosso)
B. O Venerando Coletivo de juízes a quo efectuou um errado exercício de interpretação dos factos ao não considerar que a prática dos factos que estiveram na génese da condenação do arguido AA no Processo n.º 1008/14........... foram anteriores ao trânsito em julgado das condenações nos processos referidos no ponto anterior das conclusões.
C. Como tal impugna-se o teor do Acórdão Cumulatório de fls. 2 a 37 até ao ponto B. por omitir ou não integrar as condenações do Processo n.º 1770/12...... e o Processo n.º 526/12........ cujo trânsito em julgado ocorreu claramente em momento posterior aos factos praticados pelo Recorrente no âmbito do Processo n.º 1008/14..........
D. Consequentemente, impugna-se igualmente a fundamentação de Direito vertida no Acórdão Cumulatório a fls. 47 e 48 em especial na parte em que refere “Realizaremos, assim, no âmbito deste processo, um cúmulo jurídico entre as penas enunciadas na matéria de facto sob “Das Condenações”.
As penas aplicadas ao arguido no âmbito dos Procs. 9/11…, 526/12...... e 1770/12....... não estão em cúmulo jurídico com as penas destes autos, já que, tais factos, são anteriores ao trânsito em julgado dos primeiros dos referidos processos, que ocorreu em 27.09.2012.
De tal modo assim é que, no âmbito do Proc. 1770/12......, último processo a transitar em julgado, foi elaborado cúmulo jurídico de tais penas (nesse processo, o arguido foi condenado numa pena única de 4 anos e 2 meses de prisão).
Não estando tais processos em cúmulo jurídico com o dos presentes autos, cuja decisão (condenatória) se mostra transitada em julgado e a ser cumprida pelo arguido, não se justifica integrar tais penas nesta decisão.
Estamos perante duas penas únicas, a resultantes de dois cúmulos jurídicos (a do Proc. 1770/12...... e aquela que será proferida nesta decisão), que serão objecto de cumprimento sucessivo de penas.
Entre as penas em cúmulo jurídico superveniente, este é o Tribunal competente para realizar o cúmulo por ser o da última condenação que integra, nesta fase, o cúmulo (cfr. artigo 471.º, n.º 2 do CPP).”. (sublinhado nosso)
E. Ora, não pode o Mmo. Coletivo de Juízes a quo, em flagrante violação ao princípio da legalidade, concluir que os factos da condenação do Processo n.º 1008/14.... e do Processo n.º 639/17...... não foram praticados anteriormente às condenações transitadas em julgado no âmbito do Processo n.º 1770/12...... do Juízo Central Criminal ....... – Juiz … e do Processo n.º 526/12….. do Juízo Central Criminal ....... – Juiz ..., primeiro porque o requisito temporal do artigo 78.º, n.º 1 do Código Penal prevê a aplicação do artigo 77.º do Código Penal – cumprimento do princípio da legalidade – sempre que houver conhecimento superveniente da prática de factos por parte do agente antes da condenação transitada em julgado e segundo porque a própria doutrina e jurisprudência são unânimes em conceder um novo juízo de reformulação de um novo cúmulo, em que tudo se passa como se o anterior não existisse mesmo que esteja a ser cumprido, pois o trânsito em julgado e o cumprimento da pena não obstam à formulação de uma nova decisão para reformulação do cúmulo, em que os factos, na sua globalidade, conjuntamente com a personalidade do agente, serão reapreciados, segundo as regras fixadas no artigo 77.º do Código Penal.
F. A sustentar a nossa posição, veja-se a sábia lição do Juiz Conselheiro António Artur Rodrigues da Costa, O Cúmulo Jurídico Na Doutrina e Na Jurisprudência do STJ disponível in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/rodrigues_costa_cumulo_juridico.pdf que nos ensina a pp. 24-30 o seguinte:
“Um dos problemas que se tem debatido na jurisprudência do STJ é a dos chamamentos dos cúmulos anteriores transitados.
Por vezes sucede que o tribunal tem conhecimento da existência de um ou vários crimes que estão em concurso efectivo com outros que já foram objecto de um cúmulo anterior, que, por não ter sido impugnado em recurso, se considera ter transitado em julgado.
O problema que se coloca é o de saber se, no novo cúmulo a efectuar para inclusão da(s) pena(s) aplicadas pelo(s) crime(s) que posteriormente se descobriu estarem em concurso com os que já foram objecto de cúmulo anterior, a pena conjunta não pode ser inferior à deste.
(…)
O STJ deu-lhe razão (…) que o recorrente manifestava uma <
(…)
Retomando e desenvolvendo a teoria explanada no referido acórdão de 22/04/2004, proc. n.º 132-04, veio o STJ, num caso recente, a decidir o seguinte: «Na operação de reformulação de um concurso, por conhecimento superveniente de outro(s) crime(s), em relação de concurso, o tribunal tem, necessariamente de “desfazer” o concurso anterior para formar um novo concurso e determinar a pena desse concurso. Por isso mesmo, nos termos do art. 78.º,n.º 1, do CP, o concurso anterior não tem um verdadeiro efeito de caso julgado quanto aos crimes que conformam o concurso, no sentido da sua inalterabilidade, pois a reformulação do concurso pressupõe, justamente, que o(s) crime(s) de que houve conhecimento superveniente sejam(m) englobados no novo concurso.
«Sendo o concurso anterior desfeito, não há qualquer «caso julgado» da anterior pena conjunta, pois o tribunal é, justamente, chamado a uma nova valoração dos factos e da personalidade do agente, servindo as concretas penas aplicadas pelos crimes em concurso apenas e só para a determinação da medida da pena abstracta da pena pelo concurso.»
(…)
Claro que a regra não pode ser (mas isso por uma questão de lógica, implicada na natureza das próprias coisas) a fixação de uma pena conjunta inferior à do cúmulo anterior, pois se há um maior acervo de crimes, do que os que foram apreciados anteriormente e, em consequência, se alteram os limites da moldura penal abstrata, nomeadamente o limite máximo, que passa a ser mais elevado, em princípio, haverá de corresponder-lhe uma pena também mais elevada. Mas nada impede que se faça uma outra leitura da globalidade dos factos, em conjugação com a personalidade unitária do agente, da qual resulte uma pena conjunta mais «benévola».” (sublinhado nosso)
G. Assim sendo, é mister concluir que a determinação da pena do cúmulo jurídico e a decisão final produzida pelo Venerando Coletivo de Juízes a quo a fls. 48 a 52 do douto Acórdão cumulatório está ferida de ilegalidade em virtude de um erro claro na aplicação nos pressupostos de facto e de direito vertidos no artigo 78.º, n.º 1 do Código Penal ex vi Artigo 77.º do Código Penal pelo que devem os Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação……. reformular o cúmulo jurídico aplicado ao Recorrente AA com base nos seguintes critérios:
G.1. O arguido AA tem as seguintes condenações transitadas em julgado em concurso superveniente passíveis de aplicação de pena única:
• Processo n.º 1008/14........... – pena única de 7 anos de prisão;
• Processo n.º 1770/12........... – 2 anos e 6 meses de prisão;
• Processo n.º 526/12........... – 1 ano e 6 meses de prisão;
• Processo n.º 639/17........... – pena única de 12 meses de prisão;
G.2. De acordo com a já referenciada lição de António Artur Rodrigues da Costa, O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ, pp. 3 e 7 disponível...
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