Acórdão nº 1008/14.4T9BRG-AU.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 22-03-2017
Judgment Date | 22 March 2017 |
Case Outcome | INDEFERIDO |
Procedure Type | HABEAS CORPUS |
Acordao Number | 1008/14.4T9BRG-AU.S1 |
Court | Supremo Tribunal de Justiça |
I.- Relatório.
Convocando as razões normativas ínsitas nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 222.º do Código Processo Penal, o requerente, AA, requesta a concessão da providência de habeas corpus, por, em seu juízo, não estarem i) preenchidos os pressupostos para a declaração de excepcional complexidade deste processo; ii) não poder ser elevado o prazo máximo de prisão preventiva nos termos indicados nos sucessivos despachos (…) que têm revisto a manutenção dos pressupostos de tal medida coactiva – de prisão preventiva; iii) e que, por esse motivo “os prazos máximos de prisão preventiva aplicada ao arguido exponente encontram-se ultrapassados”.
Incoa pela imputação da malversação da decisão – de declaração da excepcional complexidade do inquérito – propondo ao tribunal, como objecto do procedimento que impulsa: “A) Averiguar se ocorre nulidade da decisão de se manter a prisão preventiva do arguido (na perspetiva do exponente tal decisão é ilegal e, portanto, nula por omitir a caracterização, detalhada e concreta, dos factos que justificaram a declaração de excecional complexidade e por falta de fundamentação adequada e objetiva, face à omissão de exame crítico dos factos concretos que levaram ao deferimento do requerimento do MºPº);
B) Verificar se estão preenchidos os pressupostos para a declaração de excecional complexidade do processo (na perspetiva do exponente há errada apreciação dos factos/fundamentos aludidos na decisão que declara a excecional complexidade, não podendo ser aceite como sua justificação a indicação vaga de diligências que faltarão realizar e a omissão de factos que contradizem a própria fundamentação da decisão, como sucedeu v.g. com a redução dos arguidos presos preventivos).”
Em abono do pretendido, congrega a sequente factualidade:
- Os factos em investigação – no que ao arguido exponente interessa - integram o crime de associação criminosa, burla qualificada e falsificação de documento, p. e p. pelos artigos 299º, nºs. 1, 2 e 3, 217º, nº 1, 218º, nºs. 1 e 2, als. a) e b), 109º e 111º, em concurso aparente com o crime de receptação, 256º, n.º 1, als. a), b), e) e f), conjugados com os arts. 255º, al. a), 109º e 111º, nºs. 2 e 4, todos do Código Penal;
- Tendo presente o número de indivíduos involucrados na actividade criminosa em investigação e o tipo de organização em que estavam engolfados, o Ministério Público requereu a declaração de excepcional complexidade;
- Adrega de que decorrido mais de um ano da respectiva detenção, não se tornam pertinentes e/ou exigíveis, do seu ponto de vista, mais diligências de prova do que aquelas que foram efectuadas até ao momento (v. g. intercepções telefónicas, vigilâncias, detenções e apreensões);
- à data da detenção dos arguidos, já tinham decorrido vários meses de recolha de indícios da prática de ilícitos e que foram compilados depoimentos de testemunhas e intercepções telefónicas acompanhadas de vigilâncias que culminaram nas detenções e apreensões;
- A decisão de declaração de especial complexidade do processo (que conduz à elevação do prazo de prisão preventiva quando o procedimento for cumulativamente por um dos crimes referidos no nº 2 do art.º 215º do CPP) depende da verificação de determinados pressupostos, indicados na lei de forma exemplificativa (e não taxativa);
- A opção pela indicação exemplificativa desses critérios (e não outros) revela que o legislador teve em atenção o quotidiano dos tribunais da 1ª instância, apercebendo-se que muitas vezes a excepcional complexidade pode dever-se (para além da gravidade do crime em investigação), ao “número de arguidos ou de ofendidos” ou ao “carácter altamente organizado do crime.”
- Porém, também admitiu que, mesmo verificando-se formalmente aquelas circunstâncias pode, ainda assim, não haver justificação para aquela declaração.
- Isso mesmo decorre da circunstância da declaração de excepcional complexidade não funcionar ope legis, mas antes depender da mediação/intervenção de um juiz (assim se garantindo os direitos fundamentais das pessoas e melhor salvaguardando o direito à liberdade e segurança, consagrado constitucionalmente no art.º 27º, nº 1, da CRP, o qual apenas pode ser restringido, tendo presente o princípio da proporcionalidade e o disposto no artigo 18º, nºs 2 e 3 da CRP) e, de mesmo a “criminalidade altamente organizada” (definida nos termos do artigo 1-m) do CPP), entre outros tipos de criminalidade (indicados no artigo 215º, nº 2, do CPP) poder não assumir essa excepcional complexidade.
- Logo por aí se vê que é exigida a prévia análise do caso concreto e logicamente uma decisão fundamentada, sob pena de irregularidade (o vício é da irregularidade, a arguir nos termos do artigo 123º do CPP, uma vez que a lei não comina a falta de fundamentação deste tipo de decisão com nulidade, nem aquele despacho é equiparado a sentença, para além de não se verificar qualquer das hipóteses previstas nos artigos 119º e 120º do CPP).
- Nessa avaliação haverá que olhar para a imagem global do caso submetido a apreciação, ponderar todas as circunstâncias relevantes que permitam a formulação de um juízo de prognose antecipado e prudente que habilite o juiz a decidir sobre se é caso ou não de declarar a “excepcional complexidade” do processo.
- Importa não esquecer que o processo penal, não podendo ser instrumentalizado ou subvertido, terá que ser justo e equitativo, decidido em prazo razoável (prazo adequado para cumprir eficazmente os seus objectivos), o que significa que terão de ser combatidos os abusos (excessos) quer do poder estadual, quer da defesa ou de qualquer outro sujeito processual.
- A utilização da expressão “excepcional complexidade” mostra que não basta a mera dificuldade do procedimento para a sua declaração, exigindo-se, ainda, que seja ultrapassada de forma relevante (extraordinária diríamos) as normais dificuldades que em geral andam associadas à investigação, o que pressupõe uma análise casuística.
- Aliás, como já se disse, decorre do artigo 215º, nº 2, do CPP, em contraponto com o nº 3 do mesmo dispositivo legal, que poderá estar a ser investigada criminalidade altamente organizada e nem por isso o procedimento assumir excepcional complexidade.
- Para além dos critérios apontados no artigo 215º, nº 3, do CPP (que não são de verificação cumulativa), outros podem ser adoptados, desde que devidamente fundamentados, tudo dependendo de cada caso concreto, tendo em vista a eficácia do procedimento penal e a descoberta da verdade.
- Em suma, apontam-se no artigo 215º, nº 3, do CPP alguns critérios que terão de ressaltar objectivamente do andamento do inquérito, exigindo-se que o juiz de instrução, de forma fundamentada, avalie racionalmente as diligências existentes nos autos em articulação com os factos que se investigam.
- Entendeu o legislador que, apesar de poderem estar em causa as medidas de coação mais graves (proibição e imposição de condutas, prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação) previstas na lei (artigos 200º a 203º do CPP), justificava-se em situações especiais a elevação do prazo máximo da sua duração (artigos 215º e 218º, nº 2 e 3 do CPP), em determinados momentos processuais (estando aqui em causa a fase do inquérito antes da dedução da acusação e a medida de coacção de prisão preventiva a que o recorrente se encontra sujeito desde Novembro de 2015).
- Na opção que fez, quanto à elevação do prazo da prisão preventiva em fase de inquérito antes da dedução da acusação, deu prevalência ao interesse público da eficácia da investigação e do procedimento penal, sabido que a acusação depende da recolha, durante o inquérito, de indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente (art.º 283º do CPP, mormente seu nº 1).
- E o mesmo raciocínio se aplica à elevação do prazo da prisão preventiva até ser proferida decisão instrutória.
- Na ponderação dos interesses em conflito, o legislador, apesar da prevalência que deu ao interesse público, tendo em vista a boa administração da justiça, a descoberta da verdade e o próprio restabelecimento da paz jurídica abalada pela prática do crime, fixou um prazo máximo de duração da prisão preventiva (mesmo quando fosse declarada a excepcional complexidade do processo), precisamente para que a restrição do direito à liberdade do arguido detido (neste caso preso preventivamente) fosse proporcional e adequada atentos os interesses em jogo, acautelando dessa forma a protecção de direitos fundamentais das pessoas (v.g. o direito à liberdade e à segurança – art.º 27 nº 1 da CRP, sempre tendo em atenção o disposto no art.º 18 nºs 2 e 3 da CRP).
Porque era necessário articular os diferentes interesses em jogo e evitar qualquer tipo de dilação que redundasse numa excessiva restrição do direito à liberdade, exigiu a intervenção de um juiz.
Daí que, a decisão judicial que declare a excepcional complexidade de determinado processo não pode ser entendida como uma forma de ganhar tempo ou de manter “artificialmente” uma prisão preventiva.
- A decisão do juiz não é meramente formal, antes “materialmente jurisdicional”, traduzindo uma forma de “administrar a justiça” (tarefa dos tribunais – art.º 202 nº 1 e 2 da CRP), tanto mais que estão em causa actos que, particularmente quando há arguidos presos preventivamente, se prendem com direitos fundamentais e que conduzem a maiores restrições desses mesmos direitos.
- Nessa medida, o juiz terá também de avaliar em cada caso concreto submetido à sua apreciação até que ponto o respectivo procedimento assume objectivamente aquela excepcional complexidade que justifique a manutenção da restrição do direito à liberdade de arguido preso preventivamente (que é o caso que estamos aqui a analisar), tanto mais que essa sua decisão implicará o aumento do prazo daquela medida de coacção.
- Está, por isso, também em causa a salvaguarda dos...
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