Acórdão nº 1004/07.8TALMG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 19-06-2013

Data de Julgamento19 Junho 2013
Número Acordão1004/07.8TALMG.P1
Ano2013
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto

Recurso n.º 1004/07.8TALMG.P1
Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunta: Paula Guerreiro
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO

1. No Processo Comum n.º 1004/07.8TALMG do 1.º Juízo do Tribunal de Lamego, em que são:

Recorrente: Ministério Público
Recorrente/Arguido: B…..

Recorrida/Assistente: C…..

foi proferido acórdão em 2012/Out./02, a fls. 569-610 que condenou o arguido pela prática, como autor material e em concurso real, de dois crimes de actos sexuais com adolescentes da previsão do artigo 174.º do Código Penal, na redacção anterior à Lei 59/2007, na pena de catorze (14) meses de prisão por cada um dos crimes e de um crime de coação sexual agravada da previsão dos artigos 163.º e 177.º, n.º 4 do Código Penal, na redacção posterior à Lei 59/2007, na pena de quatro (4) anos e dez (10) meses de prisão, seguindo-se em cúmulo jurídico uma pena única de cinco (5) anos e seis (6) meses de prisão.
Mais foi o arguido absolvido da prática de um crime de sequestro da previsão do artigo 158.º, n.º 2, al. e) do Código Penal, dos crimes de coação grave da previsão do artigo 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. b) do Código Penal e dos demais crimes de actos sexuais com adolescentes previsto no artigo 174.º, do Código Penal, na redacção anterior à Lei 59/2007 e 173, nº1 e 2 da redacção actual, pelos quais se encontrava pronunciado, à excepção dos dois pelos quais foi condenado.
2.1 O Ministério Público interpôs recurso em 2012/Nov./02 a fls. 617, pedindo a condenação do arguido numa pena única de 8 (oito) anos de prisão, tendo concluído do seguinte modo:
1) A prova produzida em audiência, impunha que se desse como provado que o arguido ao agarrar e introduzir a menor dentro da carrinha, trancando as portas, quis constranger a liberdade ambulatória da mesma, o que logrou atingir, não só porque possuía mais força física do que esta o que a impedia de fugir, mas também porque atingia resultado idêntico ao trancar as portas, facto só por este controlado e controlável; privando a ofendida da sua liberdade, obrigando-a a permanecer dentro do carro e a circular, com este.
2) Os factos dados como provados nos pontos de facto 12) a 21) da matéria de facto provada do douto acórdão recorrido impunham que se desse como provados os factos aludidos agora em 1.ª, pois, das regras da experiência comum e da lógica, há que concluir que o arguido ao actuar daquela forma, o fez voluntária e conscientemente, querendo constranger a liberdade ambulatória da vítima menor, o que logrou atingir, não só porque possuía mais força física do que esta o que a impedia de fugir, mas também porque atingia resultado idêntico ao trancar as portas, facto só por este controlado e controlável, privando a ofendida da sua liberdade, obrigando-a a permanecer dentro do carro e a circular, com este, para onde bem entendesse contra a vontade daquela.
3) Tanto que, resulta da própria fundamentação da matéria de facto do douto acórdão recorrido, designadamente, da página 11, que, aquando da prática dos factos dados como provados nos pontos 12) a 21), a “A ofendida mencionou que disse ao arguido para a deixar ir embora, mas que este não anuiu”.
4) Pelo que estaremos, também, perante erro notório na apreciação da prova, estando colocado em causa o art. 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP.
5) Tal se colhe também do testemunho da vítima C...... - gravado no dia 13-09-2012, em sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal a quo, num CD-R n.º 953, início da gravação contador n.º 00:00:00, fim da gravação contador n.º 00:36:45 e início da gravação contador n.º 00:00:00, fim da gravação contador n.º 00:50:02 – testemunho considerado credível pelo tribunal a quo.
6) Sendo que, quando inquirida relativamente à circunstância do arguido a ter abordado quando se encontrava a percorrer, a pé, o caminho que ligava a casa dos seus pais, à dos seus avós, que distam desta cerca de 600 metros, disse: “…um dia ia para casa da minha, paterna da parte do meu pai e depois passa um carro e pára, fiquei a olhar, ele sai e mete-me dentro do carro…”(…) “ele agarrou-me e meteu-me dentro do carro…”(…) “… parou o carro, fiquei a olhar para o carro, ele saiu do carro, pegou em mim e meteu-me dentro do carro… agarrou-me… pelas mãos assim e assim, meteu-me dentro do carro e trancou as portas e levou-me para um monte…”.Afirmou, ainda, que disse ao arguido: “eu disse “deixa-me aqui”(…) ele disse agora vais comigo… ele trancou as portas… quando chegamos eu disse: “deixa-me” (…)”. Quando, questionada se não tentou fugir, esclareceu: “… fui obrigada, agarrou-me. Como queria que eu saísse ainda estava longe de casa !!!…disse que não queria… disse que não queria…ele continuou…a estrada é pouco iluminada … não passam dois carros…”. Instada pelo Ministério Público se os seus “…braços ficaram colados ao corpo? E se “os braços dele envolviam o corpo? Os braços dele envolviam o teu corpo estando ele por trás?” respondeu: “Sim”. Quando inquirida, a instâncias da defensora do arguido, se não teve oportunidade de fugir e porque afirma não ter tido oportunidade fugir, afirmou: “Não. Porque ele trancou a porta… eu puxei o…, eu abri a porta e a porta não abria”. Questionada pela defensora do arguido porque não tentou destrancar a porta pelo fecho interior da viatura, afirmou: “na altura não destranquei, porque nem me lembrei… eu puxei pelo puxador…mas não lembrei de abrir o coisinho…”
7) Ora, parece-nos inequívoco, em face do testemunho da vítima considerado credível pelo tribunal a quo, o que nos merece inteiro aplauso, à matéria de facto dada como provada no douto acórdão recorrido, àfundamentação da mesma, e de acordo com as regras da lógica e da experiência, que se inferisse/concluísse, sem margem para dúvidas, que o arguido, ao agarrar e introduzir a menor dentro da carrinha, trancando as portas, quis constranger a liberdade ambulatória da mesma, o que logrou atingir, e que por meio da violência privou a ofendida da sua liberdade, obrigando-a a permanecer dentro do carro e a circular, com este, para onde bem entendesse contra a vontade daquela;
8) Tanto mais, que o arguido se aproveitou do facto da vítima ter apenas 14 anos de idade, circular em caminho pouco iluminado e movimentado, durante a noite.
9) Assim, deve a matéria de facto constante do acórdão recorrido ser alterada de forma a ser dado como provado:
a) - Que o arguido ao agarrar e introduzir a menor dentro da carrinha, trancando as portas, quis constranger a liberdade ambulatória da mesma, o que logrou atingir, não só porque possuía mais força física do que esta o que a impedia de fugir, mas também porque atingia resultado idêntico ao trancar as portas, facto só por este controlado e controlável;
b) Que por meio da violência exercida privou a ofendida da sua liberdade, obrigando-a a permanecer dentro do carro e a circular, com este, para onde bem entendesse contra a vontade daquela.
10) E assim ser o arguido condenado pela prática de um crime de sequestro, p. e p. pelo art. 158.º, n.º 2, alínea e), do C. Penal, imputado no douto despacho de pronúncia.
11) Ao não o ter feito, o acórdão recorrido violou o artigo art. 158.º, n.º 2, alínea e) do C. Penal.
12) Os pontos 22) a 38) da matéria de facto dada como provada do douto acórdão recorrido, integram a prática de:
13) – quarenta crimes de coacção sexual, ps. E ps. Pelo artigo 163.º, n.º 1, do CP, na redacção vigente antes da entrada em vigor da Lei 59/2007, de 4 de Setembro;
14) – quatro crimes de coacção sexual agravada, ps. E ps. Pelos artigos 163.º, n.º 1 e 177.º, n.º 5, do CP, na redacção vigente após a entrada em vigor da Lei 59/2007, de 4 de Setembro;
15) – um crime de coacção sexual agravada, p e p. pelo artigo 163.º, n.º 1 e 177.º, n.º 4, do CP, na redacção anterior à Lei 59/2007, de 4 de Setembro,
16) e não a prática de um só crime de coação sexual agravada, p. e p. pelos artigos 163.º e 177.º n.º 4, do CP, na redacção posterior à Lei 59/2007, de 4 de Setembro, como decidido pelo douto acórdão recorrido.
17) O douto acórdão recorrido ao considerar que os factos constantes nos pontos 22) a 38) da matéria de facto dada como provada integram a prática de um só crime de coação sexual agravada, p. e p. pelos artigos 163.º e 177.º n.º 4, do CP, na redacção posterior à Lei 59/2007, de 4 de Setembro, violou o disposto nos artigos 163.º, do CP, na redacção vigente antes da entrada em vigor da Lei 59/2007, de 4 de Setembro, os artigos artigo 163.º e 177.º, n.º 5, do CP, na redacção vigente após a entrada em vigor da Lei 59/2007, de 4 de Setembro, e 163.º e 177.º, n.º 4, do CP, na redacção posterior à Lei 59/2007 e o artigo 30.º, do CP.
18) Pois, no período que decorreu entre data incerta, mas situada em meados de 2006, quando a vítima ainda tinha 14 anos e perdurou até Outubro de 2007, o arguido sujeitou a vítima a uma persistente violação do seu direito de se determinar em matéria sexual.
19) Sempre no quadro duma situação de constrangimento da ofendida, pelos meios indicados, o arguido submeteu a ofendida a ter consigo os mais diversos contactos físicos de natureza sexual incluindo relações de cópula completa, incluído sexo anal e oral, estas, entre meados 2006 até Outubro de 2007, pelo menos uma vez por semana – cfr. Pontos 23) a 36) dos factos provados.
20) Ponderando, nessa perspectiva, os factos provados, verifica-se que as diversas condutas, praticadas, como uma períocidade semanal, entre meados de 2006 e até Outubro de 2007, descritas nos pontos 23) a 28) da matéria de facto provada, são aptas, cada uma delas, a integrar o crime de coacção sexual agravada, e que se apresentam autónomas, entre si, ou seja, em cada acto sexual, o arguido, venceu uma e outra vez as contramotivações éticas que o tipo legal de crime transporta.
21) De facto, nunca poderiam os presentes autos, integrar o instituto do
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