Acórdão n.º 1/2016

Data de publicação26 Dezembro 2016
SeçãoParte D - Tribunais e Ministério Público
ÓrgãoTribunal de Contas

Acórdão n.º 1/2016

Acórdão n.º 1/2016-26.JAN-1.S/PL

Recurso n.º RO n.º 12/2015

Processo n.º 2078/2015

Relator: Conselheiro José Mouraz Lopes

Acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em plenário da 1.ª Secção:

I - RELATÓRIO

1 - Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM),interpôs recurso ordinário, para o Plenário da 1.ª Secção, do Acórdão n.º 15/2015, de 9 de novembro, proferido pela 1.ª Secção, em Subsecção, que recusou o visto ao contrato de prestação de serviços de seguros do ramo "Saúde", celebrado em 29 de setembro de 2015, entre a ANACOM e a Fidelidade - Companhia de Seguros, S. A., pelo período de dois anos (1 de janeiro de 2016 a 31 de dezembro de 2017) e pelo valor global de (euro)935.733,21 (novecentos e trinta e cinco mil, setecentos e trinta e três euros e vinte e um cêntimos).

2 - A recorrente, nas suas alegações, apresentou as seguintes conclusões:

A) Quanto à matéria de facto

1.ª A Recorrente aceita os factos considerados provados sob os n.os 3 a 6 do acórdão recorrido, mas não aceita os factos considerados provados sob o n.º 7, o qual deverá passar a ter a seguinte redação, única compatível com a tramitação do presente processo:

«7 - A ANACOM instruiu o presente processo de fiscalização prévia nos termos Resolução n.º 14/2011 - 1.ª S/PL e respondeu às doze questões colocadas pelo Tribunal de Contas através do ofício com a referência DECOP/UAT.2/ 4682/2015, de 9 de outubro de 2015, através do ofício n.º S068535/2015-952383, de 19 de Outubro de 2015. O contraditório institucional apresentado pela ANACOM em 14 de abril de 2014 no âmbito do processo de auditoria n.º 2012/170/A5/1305, conduzido pela IGF, foi junto ao processo em cumprimento do despacho proferido em sessão diária de visto de 29.10.2015»;

2.ª Deverão ser aditadas ao probatório as alíneas A) a Z) aduzidas sob o n.º 15 das presentes alegações, na medida em que demonstram a natureza continuada e os fundamentos da atribuição do seguro de saúde aos trabalhadores da ANACOM; evidenciam a sua importância no quadro das políticas de recrutamento e retenção de recursos humanos, a qual é indispensável para que esta Entidade Reguladora possa executar cabalmente a sua missão; e provam que a existência de um regime especial de acesso à proteção na saúde, através da contratação de um seguro privado, é um instrumento de concretização do exercício independente e eficaz da atividade de regulação, num setor extremamente complexo e num contexto em que os recursos humanos qualificados são disputados pelos regulados e por outras entidades reguladoras, e em que importa ter em conta as condições prevalecentes no mercado;

B) Quanto à matéria de direito

A aplicabilidade e prevalência da LQER e dos Estatutos da ANACOM

3.ª Tanto quanto é do conhecimento da Recorrente, o acórdão recorrido é o primeiro na jurisprudência do Tribunal de Contas em que é apreciada a aplicação do Decreto-Lei n.º 14/2003 e do artigo 156.ª da Lei do Orçamento do Estado para 2007 a uma Entidade Reguladora Independente, estando, por isso, em causa, no presente recurso, uma decisão de largo alcance, que afetará todas as entidades reguladoras cujo pessoal, contratado em regime de contrato individual de trabalho e sem acesso à ADSE, poderá ficar privado de qualquer sistema complementar de proteção na saúde, quer resulte de regulamento interno, quer resulte de IRCT;

4.ª Tanto a Lei-quadro das Entidades Reguladoras (LQER) como os Estatutos da ANACOM disciplinam de forma específica as matérias relativas à (a) organização e disciplina do trabalho; (b) ao regime do pessoal, incluindo avaliação de desempenho e mérito; (c) ao regime de carreiras; (d) ao estatuto remuneratório do pessoal; e (e) ao regime de proteção social aplicável ao pessoal, remetendo essas matérias para o âmbito dos poderes de autonormação interna das Entidades Reguladoras (cf. artigos 5.º, n.º 1 e 10.º, n.º 2 da LQER e artigos 3.º, n.º 1 e 42.º, n.º 5 dos Estatutos da ANACOM), prevendo igualmente que essas matérias possam ser objeto de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (artigo 32.º, n.º 2 da LQER e artigo e 42.º, n.º 6 dos Estatutos da ANACOM);

5.ª Significa isto que, em contraste com as soluções constantes do Decreto-Lei n.º 14/2003, na interpretação sufragada pelo Tribunal a quo, as matérias relativas, ao regime do pessoal, incluindo estatuto remuneratório e regime de proteção social aplicável, tanto podem ser objeto do regulamento interno, como de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (IRCT), tendo sido subtraídas, quanto às entidades reguladoras, ao regime do Decreto-Lei n.º 14/2003 que, neste sentido, não lhes é (ou deixou de lhes ser) aplicável;

6.ª Tanto as normas dos artigos 5.º, n.º 1, 10.º, n.º 2 e 32.º, n.º 2 da LQER, como as normas dos artigos 3.º, n.º 1 e 42.º, n.os 5 e 6 dos Estatutos da ANACOM, apontam para uma derrogação do Decreto-Lei n.º 14/2003 no que diz respeito às entidades reguladoras, precisamente devido às especificidades com que estas se confrontam em matéria de recrutamento e retenção de pessoal qualificado, permitindo que se procurem soluções flexíveis, em linha com as práticas de mercado vigentes no setor regulado;

7.ª É ilustrativo do tratamento específico conferido às entidades reguladoras, o facto de tanto as leis orçamentais que estabeleceram reduções remuneratórias (Leis do orçamento do Estado para 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015), como a Lei n.º 59/2013, de 23 de agosto, a Lei n.º 41/2014, de 10 de julho (que aprovou a oitava alteração à LEO 2001) e a Lei n.º 75/2014, de 12 de setembro, continuarem a referir em paralelo aos institutos públicos de regime especial e aos serviços e fundos autónomos, «as entidades administrativas independentes» (artigo 67.º, n.º 1 da LEO 2001, na redação da Lei n.º 41/2014) ou «as pessoas coletivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo, incluindo as entidades reguladoras independentes» (cf. artigo 2.º, n.º 9, alínea q) da Lei n.º 75/2014);

8.ª Em particular e no caso da ANACOM os respetivos estatutos são claros no sentido de que «são estabelecidas por regulamento da ANACOM as regras relativas à disciplina do trabalho, avaliação de desempenho e mérito, código de ética e de conduta, regime de carreiras, estatuto remuneratório e regime de proteção social aplicável ao pessoal» (artigo 42.º, n.º 5) e que estas matérias «podem ser objeto de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho» (artigo 42.º, n.º 6);

9.ª Não pode, por isso, oferecer dúvidas, que a autonomia regulamentar reconhecida às entidades reguladoras em geral, e à ANACOM em particular, em matéria de autonormação interna laboral, é bastante ampla, o que torna inconsistente com este poder de autonormação interna, constante da LQER e dos Estatutos da ANACOM, sustentar a aplicação a esta entidade - e às entidades reguladoras em geral - das normas do Decreto-Lei n.º 14/2003;

10.ª No entender da Recorrente, estando em causa lei posterior que consagra um regime especial, é errado sustentar, como se faz no n.º 79 do acórdão recorrido, que o Decreto-Lei n.º 14/2003 é aplicável à ANACOM, enquanto limite legal à autonomia regulamentar e de contratação coletiva «para definição dos benefícios sociais que podem ser atribuídos aos trabalhadores, nos termos do seu Estatuto», por aplicação do artigo 3.º, n.º 1, in fine, dos respetivos Estatutos;

11.ª A referência às «demais disposições legais que lhe sejam aplicáveis» (artigo 3.º, n.º 1, in fine, dos Estatutos da ANACOM) deverá ser interpretada tendo em conta, tanto as normas dos artigos 5.º, n.º 1, 10.º, n.º 2 e 32.º, n.º 2 da LQER, como as normas dos artigos 3.º, n.º 1 e 42.º, n.os 5 e 6 dos Estatutos da ANACOM, as quais apontam para a referida solução de autonormação interna laboral, que implica a derrogação do Decreto-Lei n.º 14/2003 no que diz respeito às entidades reguladoras, sob pena de ser posto em causa o núcleo essencial dessa autonormação interna laboral, precisamente devido às especificidades com que as Entidades Reguladoras se confrontam em matéria de recrutamento e retenção de pessoal qualificado;

12.ª Tais especificidades determinaram não só que o artigo 3.º, n.º 2 da LQER tenha associado a prossecução das suas atribuições com independência, à existência de serviços e pessoal próprio, como determinaram a imperatividade e consequente prevalência das normas da LQER «sobre as normas especiais atualmente em vigor, salvo na medida em que o contrário resulte do direito da União Europeia e do Regime Jurídico da Concorrência ou expressamente da presente lei-quadro» (artigo 1.º, n.º 2 da LQER);

13.ª Nestes termos é forçoso concluir, quer pela especialidade e prevalência das normas da LQER, quer pela especialidade das normas dos Estatutos da ANACOM - que constituem legislação posterior ao Decreto-Lei n.º 14/2003 e remetem para regulamento interno ou IRCT matérias abrangidas por este diploma - que o Decreto-Lei n.º 14/2003 não é aplicável à ANACOM, enquanto limite legal à autonomia regulamentar e de contratação coletiva «para definição dos benefícios sociais que podem ser atribuídos aos trabalhadores, nos termos do seu Estatuto», por aplicação do artigo 3.º, n.º 1, in fine, dos respetivos Estatutos;

14.ª Termos em que se conclui que o acórdão recorrido violou os artigos 1.º, n.º 2, 3.º, n.º 2, 5.º, n.º 1, 10.º, n.º 2 e 32.º, n.º 2 da LQER, bem como as normas dos artigos 3.º, n.º 1 e 42.º, n.os 5 e 6 dos Estatutos da ANACOM;

A natureza anual da norma do artigo 156.º da Lei do Orçamento do Estado para 2007

15.ª O artigo 156.º da Lei do Orçamento para 2007 é uma norma vaga, insuficientemente precisa, cujo conteúdo é dificilmente determinável e de interpretação muito difícil, quer por apelo ao elemento literal da interpretação, quer ainda por integração dos conceitos utilizados no quadro de outras normas do ordenamento, quer, finalmente, através do elemento histórico da interpretação, com especial relevo para os trabalhos preparatórios, que revelam uma intencionalidade normativa...

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