Acórdão nº 1/11.3GCSTR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 19-03-2013

Data de Julgamento19 Março 2013
Número Acordão1/11.3GCSTR.E1
Ano2013
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes que compõem a 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:

No Tribunal Judicial de S correu termos o processo comum singular supra numerado no qual o M.º P.º deduziu acusação requerendo o julgamento em processo penal comum, por tribunal singular dos arguidos:

- AP, filha de..., natural da freguesia, concelho de L, nascida a 18/03/1967, divorciada, operadora de loja e residente na rua..., Queluz (tir a fls. 326);

- TA, filha de.., natural da república federal da Alemanha, nascida a 11/07/1989, solteira, militar, residente na rua...., Queluz (tir a fls. 321),

- JM filho de..., natural da freguesia de Vilar da Maçada, concelho de Alijó, nascido a 06/03/1964, divorciado, cortador de carnes e residente na rua --- .

Imputando-lhes a prática de factos que, em seu entender, integram:

• As arguidas AP e TA, em co-autoria, 01 (um) crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 1520 n.º 1, al. a) e n.º 2 do Código Penal, e

• O arguido JM, como autor imediato, 01 (um) crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152° n. ° 1 al. a) e n.º 2 do Código Penal.
*
AP foi admitida a intervir nestes autos na qualidade de assistente – cfr despacho judicial de fls 121.

O Hospital Distrital de S deduziu pedido cível para pagamento de despesas hospitalares contra AP e TA, pedindo que estas sejam condenadas a pagar àquele a quantia de € 1.555,41, quantia esta devida pela assistência hospitalar (internamento) prestada a JM, acrescida de juros de mora calculados à taxa de 4% ao ano, desde a notificação até efectivo e integral pagamento.

A final - por sentença lavrada a 09 de Março de 2012 - veio a decidir o Tribunal recorrido julgar parcialmente procedente por provada a acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência;

Absolveu os arguidos AP, TA e JM do crime de violência doméstica de que vinham acusados;

Condenou a arguida AP como autora material de um crime de injúria, previsto no art.º 181.º do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros);

Condenou o arguido JM como autor material de um crime de ameaça, previsto no art.º 153.º do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros);

Julgou improcedente por não provado o pedido cível para pagamento de despesas hospitalares deduzido pelo Hospital Distrital de S e, em consequência, absolver as demandadas AP e TA do pedido;
E no mais legal.
*
Inconformados, os arguidos interpuseram recursos.

AP, assistente/arguida, com as seguintes conclusões:

1 - O Ministério Público acusou a recorrente imputando-lhe, pelos factos constantes da acusação de fls. 259 a 264 cujo o teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a prática, em co-autoria com a arguida TA, de um crime de violência doméstica p.p. pelo artigo 152º nº 1 al. a) e nº 2 do C.P..

2 - Em audiência de julgamento, antes de proferir a sentença, o tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho: “Ao elaborar a sentença referente a estes autos, verificámos que os factos descritos na acusação devem sofrer uma alteração na sua qualificação jurídica, pois que os mesmos após obtenção da prova em audiência de julgamento, se mostram enquadráveis não no crime de violência doméstica, mas sim, num crime de injúria e um crime de ameaça. Neste sentido, o Tribunal determina o cumprimento do disposto no artigo 358º, n.º 1 por força do n.º 3 da referida norma do CPP, quanto aos arguidos.”.

3 - Após a prolação do mencionado despacho, o tribunal recorrido absolveu os três arguidos da prática de um crime de violência doméstica e condenou a recorrente pela prática de um crime de injúria p.p. pelo artigo 181º do C.P. e o arguido JM pela prática de um crime de ameaça.

4 - Entende a recorrente que não deveria ter sido condenada pela prática de um crime de injúrias.

5- O crime de crime de injúrias, trata-se de crime particular, tal como resulta dos artigos 181º e 188º do Código Penal.

6 - Nos crimes particulares a lei ainda exige no que respeita à actuação do ofendido para que ocorra procedimento criminal que o ofendido se queixe, se constitua assistente e deduza acusação particular, conforme impõe o nº 1 do artigo 50º do C.P.P.

7 - A queixa é a manifestação da vontade do titular do direito ofendido, ou de outra pessoa a quem a lei atribua essa faculdade, de que se verifique procedimento criminal pelo crime cometido contra si, nestes casos o Ministério Público não pode dar início ao procedimento criminal sem que esta vontade tenha sido exercida.

8 - Quanto à sua forma, e dada a omissão da lei nesta questão, a queixa pode assumir qualquer forma que dê a perceber a intenção do seu titular de que seja instaurado procedimento criminal: indispensável é só que o queixoso revele a sua vontade de que tenha lugar procedimento criminal contra os agentes pelos factos relatados.

9 - A queixa é essencial à instauração do procedimento criminal e desta essencialidade resulta que sem queixa o procedimento não pode iniciar-se, caso se tenha iniciado não pode prosseguir.

10 - Nos crimes particulares a existência de queixa é um pressuposto processual, daí que tenha uma natureza mista, processual e material, simultaneamente: sendo condição de procedibilidade, deve ser apreciada previamente; mas tendo natureza material, deve ser apreciada a qualquer momento, ao longo do procedimento, sendo que a qualquer momento se podem/devem retirar as consequências do facto de a queixa não existir ou não ser juridicamente relevante. Quando esta situação ocorre falta, portanto, um pressuposto do procedimento, logo da condenação.

11 - Nos presentes autos, a recorrente apresentou em 02/01/2011 queixa contra o arguido JM e este um dia depois daquela, a 03/01/2011, fez a denúncia que consta de fls. 3 a 7 e onde a fls. 5 consta expressamente que “pelo atrás exposto a vítima não deseja procedimento criminal.”. O arguido JM declara não desejar procedimento criminal contra a recorrente.

12 - Contudo, o Ministério Público findo o inquérito deduz acusação pela prática do crime de violência doméstica, de natureza pública, contra a recorrente. Por ser um crime de natureza pública a vontade do ofendido é preterida.

13 - Em sede de julgamento, o Mmo. Juiz entende proceder a uma alteração da qualificação jurídica dos factos contidos na acusação pública e considera que os factos integram, afinal, a prática dum crime de ameaças e de um crime de injúrias e condena a recorrente pela prática deste último crime.

14- Sucede, porém, que tal crime tem natureza particular e o aqui ofendido JM declarou não desejar procedimento criminal contra a recorrente.

15- Ora, conforme resulta claro do disposto no artigo 49º nº 1 do C.P.P., quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo.

16 - Não existindo qualquer tipo de dúvida quanto ao facto de o ofendido JM ser o titular do direito de queixa quanto aos factos em apreço nos presentes autos, a manifestação expressa por parte deste de não desejar a instauração de procedimento criminal contra a recorrente gera a ilegitimidade do Ministério Público para a promoção do processo penal e determina o consequente arquivamento dos autos.

17 - Foram, assim, violados os artigos 49º, 50º nº 1 e 120 nº 2 do C.P.P. e os artigos 113º nº 1, 181º e 188º do C.P..

18 - Pelo que deverá a sentença recorrida ser revogada na parte respeitante recorrente e substituída por outra que ou determine o arquivamento dos autos nessa parte ou absolva a recorrente da prática de um crime de injúrias.

19 - Ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que as expressões “porco” e “miserável” dadas como provadas terem sido proferidas pela recorrente não integram a prática de um crime de injúrias p.p. pelo artigo 181º do C.P..

20 - Ainda que se tenha dado como provado que a recorrente chamou “porco” e miserável” ao arguido JM não podemos encontrar neles uma relevância injuriosa, atento o circunstancialismo em que tais expressões foram proferidas.

21 - As expressões foram proferidas no decurso de discussão relacionada com o consumo de álcool por parte de JM e de dificuldades financeiras sendo certo que este chamava à recorrente, como aliás consta da matéria de facto provada, “puta”, “ordinária” e “vaca leiteira”.

22 - A verificação do ilícito não se pode circunscrever e/ou limitar-se à valoração isolada e objectiva das expressões proferidas pela recorrente. Importa analisá-las porque foram proferidas e em que circunstâncias.

23 - No caso dos autos, foram proferidas no decurso de discussões relacionadas com a imputação do consumo de álcool pelo JM e dificuldades financeiras.

24 - Chamar “porco” e “miserável” no seio de uma discussão familiar não se pode considerar só por si de injurioso.

25 - Com efeito, aquilo que razoavelmente se não deve considerar ofensivo da honra ou consideração não pode considerar-se injúria e não deverá dar lugar a uma sanção reprovadora, como é a pena.

26 - No caso dos autos, chamar “porco” num contexto de briga familiar por causa de problemas de álcool não constitui uma conduta eticamente reprovável a reclamar a tutela penal.

27 - Na verdade, face ao específico contexto em que foi proferida, a mencionada afirmação não tem idoneidade para atentar contra a honra e consideração de JM que chamava “puta”, “ordinária” e “vaca leiteira” à recorrente.

28 - Não se pode dizer que chamar “porco” alguém que nos chama “puta”, “ordinária” e “vaca leiteira” no meio de uma discussão seja ofensivo da honra e consideração ao ponto de ser merecedor de tutela penal.

29 – Na sentença recorrida foi violado o artigo 181º do C.P. ao condenar-se a recorrente pela prática de um crime de injúrias.

30 - Assim, também por estes motivos deverá ser recorrente
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