Acórdão nº 09S0090 de Supremo Tribunal de Justiça, 25-06-2009

Data de Julgamento25 Junho 2009
Case OutcomeNEGADO PROVIMENTO
Classe processualAGRAVO
Número Acordão09S0090
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Banco AA (Portugal), S.A., intentou, em 6 de Junho de 2007, no Tribunal de Trabalho de Lisboa, ao abrigo do artigo 51.º, n.º 5, do Código do Trabalho de 2003, acção declarativa de simples apreciação, emergente de contrato individual de trabalho, contra BB pedindo a declaração de que:

a) — O processo disciplinar, que, na sequência de deliberação do Comité Disciplinar do Banco Autor, de 15 de Dezembro de 2006, instaurou à Ré, visando o despedimento desta, assegurou à trabalhadora arguida todos os mecanismos de defesa consagrados na lei e no instrumento de regulamentação colectiva aplicável e que, por isso, não está ferido de qualquer nulidade;

b) — A Ré não produziu qualquer prova relativamente à caducidade do direito de exercício da acção disciplinar, por ela invocada no referido processo;

c) — O “Parecer”, desfavorável ao despedimento, emitido, em 25 de Maio de 2007, pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), a pedido do Banco Autor, face à situação de gravidez da Ré, é nulo, quer em termos formais, quer em termos substanciais;

d) Da análise do processo disciplinar resulta uma probabilidade séria de verificação de justa causa para o despedimento, estando, assim, afastada a presunção consignada no n.º 2 do citado artigo 51.º.

Contestada a acção pela Ré que, além de contrariar os fundamentos do pedido, excepcionou a incompetência territorial do tribunal, foram os autos remetidos ao Tribunal do Trabalho de Almada, onde veio a ser proferido despacho saneador com valor de sentença, em que se decidiu:

— Julgar o tribunal do trabalho incompetente, em razão da matéria, para conhecer do pedido de declaração de nulidade do “Parecer” emitido pela CITE, formulado sob a alínea c);

— Não conhecer, por inadmissibilidade legal, do pedido relativo à declaração de inexistência de nulidades do procedimento disciplinar e de que a Ré não fez qualquer prova relativamente à caducidade do direito de exercício da acção disciplinar, formulados sob as alíneas a) e b);

— Julgar tempestivamente instaurado o procedimento disciplinar e procedente a acção e, em consequência, reconhecer a existência de motivo justificativo para o despedimento da Ré.

2. A Ré interpôs recurso, recebido como apelação, para, imputando à decisão impugnada omissão e excesso de pronúncia, sustentar a necessidade de realização da audiência de julgamento, a fim de ser produzida prova dos factos objecto do processo disciplinar, em ordem ao apuramento da existência de justa causa para despedimento.

Por sua vez, o Banco Autor recorreu subordinadamente, mediante agravo, para pedir a revogação da sentença na parte em que julgou o tribunal incompetente para conhecer do pedido de declaração de nulidade do “Parecer” da CITE, impetrando que o mesmo fosse declarado nulo e de nenhum efeito.

No Tribunal da Relação de Lisboa, a Exma. Desembargadora Relatora proferiu “Decisão Sumária”, que concluiu com o seguinte dispositivo:

«- julga-se procedente o recurso principal, anulando o julgamento e ordenando o prosseguimento dos autos com a elaboração de base instrutória, ou sua abstenção, na hipótese de se entender ser ao caso aplicável o disposto no art. 49.º, n.º 3 do Cód. Proc. Trab. e a realização de audiência de discussão e julgamento, tendo em vista determinar se os factos que foram imputados à ré no processo disciplinar estão ou não apurados e se são ou não suficientes para efeitos de determinação da existência de motivo justificativo (justa causa) para que o autor possa proceder ao despedimento da ré, proferindo-se, nova sentença, nessa conformidade;

- concede-se provimento ao recurso subordinado, revogando-se a decisão recorrida e declarando-se o Tribunal competente para apreciar o pedido formulado sob a alínea c).»

Tendo o Banco Autor reclamado para a conferência, veio aquele tribunal superior a proferir acórdão que confirmou a decisão da Exma. Relatora.

De tal acórdão interpôs o Banco Autor recurso para este Supremo Tribunal — recebido na espécie de revista, mas que, por despacho do Relator, neste Supremo, veio a ser qualificado como agravo —, cuja alegação terminou com as seguintes conclusões:

«i) Por força do n.º 1 do Art.º 753.º do CPC, a douto acórdão recorrido deveria ter conhecido [d]o pedido formulado no recurso de agravo; de facto,

ii) Mesmo que se entenda que tal conhecimento não é possível com o fundamento de que se estaria a suprimir um grau de jurisdição, com preterição do princípio do duplo grau de jurisdição (quanto à matéria de facto) actualmente contido no art.º 20.º, n.º. 1 da CRP, tal entendimento não tem aplicação in casu, uma vez que o que está em causa é apenas matéria de direito;

iii) A presente acção, emergente da previsão do n.º. 5 do Art.º 51.º do Código do Trabalho, situa-se num "momento" anterior ao do despedimento; E,

iv) Situando-se, como se situa, num momento anterior ao do despedimento, a sua sindicância terá de ser feita apenas e só com a matéria constante do processo disciplinar; com efeito,

v) O processo disciplinar caracteriza-se pela sua suficiência (art.ºs 411.º a 415.º do C.T.), pel[o] que [a] decisão a proferir pela entidade patronal é tomada exclusivamente com base na matéria constante do mesmo, razão pela qual,

vi) Nesta sede, a sua sindicância só poderá ser feita com base no referido processo, tanto mais que a decisão a proferir visa confirmar ou infirmar o parecer da CITE, parecer esse que é proferido exclusivamente com base no referido processo. Aliás,

vii) Tal como decorre da lei, a decisão judicial a que se refere o n.º 5 do art.º 51.º do CT não visa julgar os factos, mas apenas aferir se os elementos constantes do processo disciplinar permitem ou não ilidir a previsão contida no n.º 2 da mesma disposição legal. Ora,

viii) O processo disciplinar, para além de outros, contém os documentos de justificação de faltas devidamente assinados pela arguida, ora recorrida, cuja assinatura não foi impugnada, sendo certo que tais justificações são acompanhadas de documentos grosseiramente falsificados, como resulta da prova documental existente nos autos, prova essa traduzida em declarações emitidas pelas entidades que emitiram os documentos que, posteriormente foram falsificados pela arguida. Por outro lado,

ix) Se é verdade que, como se procurou demonstrar, a arguente, com base na prova documental e testemunhal existente nos autos conseguiu, nesta sede, provar todos e cada um dos factos imputados à arguida, esta,

x) Através quer da prova documental que carreou para os autos, quer da prova testemunhal produzida, não logrou afastar as acusações que sobre si foram produzidas como, para além disso, não conseguiu provar as enormidades invocadas. Mas conseguiu provar,

xi) Como resulta da compaginação da matéria constante nos art.ºs 35.º e 36.º da resposta à nota de culpa com o teor do documento de fls. 469 do p.d., que não se coibiu de mentir.

xii) Tal com o resulta, em termos documentais, do processo disciplinar, a arguida, ora recorrida, falsificou 4 documentos que serviram de suporte à "justificação" de outras tantas faltas;

xiii) O douto acórdão recorrido violou, entre outras, as seguintes disposições legais: art.º. 753.º do CPC e n.º 5 do art.º. 51.º e art.ºs 411.º a 415.º, todos do Código do Trabalho.

Termos em que,

Com o douto suprimento de V. Exas. que expressamente se invoca, o douto acórdão recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que:

a) Conheça do objecto do recurso de agravo interposto para Segunda Instância e que declare a nulidade, quer em termos formais, quer em termos substanciais, do parecer emitido pela CITE. E,

b) Relativamente ao recurso de apelação, confirme em toda a sua extensão a douta sentença proferida pelo M.º. Juiz de Primeira Instância; sem olvidar,

c) A condenação da recorrida em custas e condigna procuradoria,

assim se fazendo a mais lídima JUSTIÇA».

Na contra-alegação, a Ré defendeu a improcedência do recurso.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao agravo, propugnando a remessa dos autos ao tribunal recorrido, a fim de ali ser apreciada a questão da nulidade do “Parecer” da CITE e, bem assim, se for caso disso, sindicada a convicção que a 1.ª instância formou sobre o processo disciplinar e na qual se fundou o reconhecimento da existência de motivo justificativo par proceder ao despedimento.

A Ré apresentou resposta em que manifestou a sua discordância relativamente aos fundamentos e sentido do parecer do Ministério Público.

Corridos os vistos, cumpre decidir.


II

1. O objecto do presente agravo envolve, essencialmente, como resulta das conclusões e pretensão formuladas pelo recorrente, as questões de saber:

— Se o Tribunal da Relação — na sequência da revogação do despacho saneador/sentença na parte em que este, declarando a incompetência absoluta do tribunal, se absteve de conhecer da nulidade do “Parecer” do CITE — devia, por força do disposto no artigo 753.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ter conhecido da invocada nulidade;

— Se a decisão judicial sobre o pedido de reconhecimento da existência de motivo justificativo para o despedimento a que se refere o n.º 5 do artigo 51.º do Código do Trabalho de 2003, pode e deve ser proferida com base, apenas, nos elementos constantes do processo disciplinar, isto é, sem a demonstração, mediante provas produzidas perante o tribunal, na competente acção, dos factos que, imputados à trabalhadora arguida e inseridos na nota de culpa, se mostrem indiciados naquele processo.

A solução da segunda questão enunciada tem, como adiante se verá, reflexos na pronúncia solicitada a este Supremo Tribunal sobre o primeiro problema colocado no presente recurso.

Por isso, se vai dar precedência ao tratamento da questão de saber se foi correcta a decisão da Relação de julgar «...

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