Acórdão nº 09709/16 de Tribunal Central Administrativo Sul, 23-02-2017

Data de Julgamento23 Fevereiro 2017
Número Acordão09709/16
Ano2017
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acórdão

I- Relatório

A Fazenda Pública interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 116/120, que julgou procedente a impugnação judicial, deduzida por “Grupo Desportivo e Recreativo de ...” contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), no valor de € 31.614,04 e dos correspondentes juros compensatórios, no valor de € 5.367,93, referentes ao exercício de 2003.

Nas alegações de fls. 139/142, a recorrente formula as conclusões seguintes:
I. O recurso versa sobre a decisão em 1.ª instância que julgou procedente a presente impugnação judicial e anulou as liquidações de IVA e JC, respeitantes ao ano de 2003, por motivo de caducidade do direito à sua liquidação.
II. Decidindo que esta caducidade ocorreu, porque o relatório da inspecção tributária, foi notificado um dia após o prazo de seis meses do procedimento inspectivo, o que conduziu à perda do efeito suspensivo do prazo de caducidade nos termos do disposto no artigo 46.º n.º 1 da LGT.
III. A questão que se impõe dirimir é a de saber qual a data da notificação do relatório final de inspecção tributária ao sujeito passivo.
IV. O sujeito passivo foi alvo de procedimento inspectivo externo, de âmbito geral e extensão ao ano de 2003, ao abrigo da ordem de serviço assinada a 17-10-2007, considerando-se por isso esta a data de início do procedimento inspectivo (ex vi artigo 51.º RCPIT), e data de início da suspensão, do prazo de caducidade do direito à liquidação (art. 46.º n.º 1 da LGT).
V. O relatório da inspecção tributária foi remetido ao sujeito passivo inspeccionado através de carta registada a 08-04-2008, em conformidade com o disposto no artigo 62.º n.º 2 do RCPIT. E porque o notificado não atendeu a 09-04-2008, foi deixado aviso pelos serviços dos CTT, para levantar a notificação, o que veio a acontecer (por opção do sujeito passivo), conforme documentação junta aos autos, no dia 18-04-2008.
VI. Para determinar a data da notificação do relatório de inspecção, o tribunal a quo, decidiu pela não aplicabilidade do artigo 43.º do RCPIT, mas também pela não aplicabilidade do artigo 39.º do CPPT, concluindo decisoriamente que o sujeito passivo foi notificado no dia em que levantou a carta nos serviços CTT, i.é, a 18-04-2008.
VII. A Fazenda Pública não pode conformar-se com tal decisão, sob o prisma que julgamos tratar-se de erro de julgamento.
VIII. Não sendo de convocar a norma especial do artigo 43.º do RCPIT, pela simples razão dos factos não serem enquadráveis no referido normativo, uma vez que o sujeito passivo levantou a carta/notificação, teremos de convocar presunção legal de notificação que se lhe aplique. Presunção através da qual o legislador antevê que por regra de experiência, a comunicação efectuada pelos serviços postais demora três dias a contar do registo, que se transfere para o dia útil seguinte se o último dia não for dia útil, ou seja pelo artigo 39.º n.º 1 do CPPT, ex vi artigo 4.º alínea b) do RCPIT.
IX. O Tribunal a quo entendeu chamar à colação a Jurisprudência Superior (Acórdão do STA, Proc. 01394/12 de 13-03-2013), e dela extrair a conclusão que sendo o artigo 43.º/1 do RCPIT uma norma especial não há que convocar o disposto no artigo 39.º do CPPT. Porém, esta conclusão do Tribunal recorrido está afastada do contexto em que foi proferida na Jurisprudência Superior citada, veja-se, do apontado acórdão consta a seguinte conclusão “II - Em face do disposto no art. 43.º, n.º 1, do RCPIT, não há que convocar o disposto no art. 39.º, n.º 5, do CPPT (a norma prevista naquele preceito encontra-se numa relação de especialidade relativamente à prevista neste) em ordem a indagar dos efeitos decorrentes da devolução da carta registada simples.” (sublinhado nosso)
X. Como se pode ver, foi uma conclusão proferida na circunstância de devolução de carta registada, o que se afasta da realidade constante dos presentes autos, em que o impugnante fazendo uso do aviso deixado pelos CTT, levantou a carta.
XI. Na verdade, em caso de omissão ou lacuna na lei especial, ela só pode ser preenchida pela lei que subsidiariamente se lhe aplica, no caso o CPPT, artigo 39.º ex vi artigo 4.º alínea b) do RCPIT. Só podemos concluir que a notificação do relatório final ocorreu a 11- 04-2008, ex vi artigo 62.º do RCPIT e 39.º n.º 1 do CPPT ex vi artigo 4.º alínea b) do RCPIT, por isso dentro do prazo de seis meses previsto pelo artigo 46.º n.º 1 da LGT.
XII. Sendo certo que o contribuinte teve ainda ao seu alcance a possibilidade de afastar a referida presunção, demonstrando que recebeu a carta posteriormente, impendendo sobre ele o ónus de provar, por recurso aos meios legais ex vi art.º 39.ºn.º 2 do CPPT, que não lhe podia ser imputável o facto de a ter recebido posteriormente.
XIII. No entanto não logrou afastar tal presunção. O impugnante apenas menciona na sua petição inicial, (articulado 5.º e 6.º) as condições atmosféricas em que os serviços dos CTT terão trabalhado (o que contudo não os impediu de proceder à entrega da notificação a 09-04-2008 - deixando o aviso, utilizado apenas por opção do sujeito passivo a 18-04- 2008.
XIV. Não concedendo no que vem dito, mas porque o tribunal a quo não se pronunciou quanto as restantes questões da petição inicial, e porque o tribunal ad quem, uma vez descritos os factos provados nos autos, poderá substituir e decidir quanto às mesmas, acrescentamos o seguinte.
XV. O Impugnante aponta genericamente, o vício de falta de fundamentação do acto tributário, a Fazenda Pública, só pode opor-se a tal acusação, na medida em que em todas as fases do procedimento inspectivo o impugnante mostrou conhecer e entender as razões de facto e de direito, participando inclusivamente em sede de direito de audição acerca do projecto de relatório que lhe foi notificado. A AT manteve as correcções projectadas e o sujeito passivo não concordou com as mesmas, impugnando, e tal não significa que não as tivesse entendido ou não tivesse ficado esclarecido, mas precisamente o contrário, entendendo-as apresentou a sua discordância.
XVI. Do alegado vício de falta de competência do órgão que praticou o acto, frisamos que a ordem de serviço foi emitida (extraída) a coberto do despacho delegante n.º 5516/2005 publicado na 2ª série do DR de 15-03-2005 e a determinação para início de procedimento externo foi proferida ao abrigo da delegação de competências constante do despacho n.º 11714/2006 publicado na 2.ª Série do DR de 07-11-2006. Todos os actos foram praticados com credenciação e competência legal para o efeito.
XVII. Por último, refira-se que também não pode ser imputado qualquer vício ao acto praticado pelo facto de não existir despacho de concordância do órgão decisor em sede de projecto de relatório, na medida em que não existe ainda uma decisão, mas apenas um projecto da mesma, em relação ao qual o sujeito passivo foi chamado a participar. O sancionamento superior ocorreu posteriormente, nas conclusões do relatório de inspecção, em conformidade com o disposto no artigo 62.º n.º 6 do RCPIT.
XVIII. Só pode por isso concluir-se que a AT praticou legal e tempestivamente as liquidações impugnadas.


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Não há registo de contra-alegações.

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A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 151/160), no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.

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II- Fundamentação.

2.1.De Facto.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
«A. A coberto da ordem de serviço …, de 17.05.2005, emitida pelo Chefe de Divisão dos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da Direcção de Finanças de Santarém, foi iniciada uma acção de inspecção externa, de âmbito geral, ao exercício de 2003, do Impugnante, Grupo Recreativo e Desportivo de ... (cfr. carta aviso, datada de 07.12.2006, e ordem de serviço, a fls. 15 e 16 do PAT apenso, que se dão por reproduzidas; facto não controvertido);
B. Notificado do projecto de relatório de inspecção tributária, em 25.03.2008, o Impugnante exerceu o seu direito de audição (cfr. fls. 45 a 4 do PAT apenso, que se dão por reproduzidas);
C. Em 02.04.2008, foi elaborado o relatório final de inspecção tributária (RIT), do qual consta, na parte relevante, o seguinte:
“(…) II. Objectivos, Âmbito e Extensão da Acção de Inspecção
1. Credencial e período em que decorreu a acção
A acção inspectiva externa ao exercício de 2003 (…), ao abrigo da Ordem de Serviço OI200501305, foi iniciada em 2007-10-17 e concluída em 2008-03-05.
2. Motivo âmbito e incidência temporal
A emissão da Ordem de Serviço teve origem na informação desta Direcção de Finanças na sequência de acompanhamento aos clubes de futebol. (…) A Ordem de Serviço (…) é de âmbito Geral, sendo a incidência temporal, o exercício fiscal de 2003. // (…)
3- IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO
a) Da análise à contabilidade do “...”, verificou-se que no ano de 2003 deduziu o IVA no montante de 55.966,90€, o qual incluiu nas declarações periódicas que remeteu aos serviços competentes, conforme consta do mapa que abaixo se elabora: // (…)
Os documentos de suporte dos registos contabilísticos, efectuados nas contas acima indicadas, registam essencialmente as seguintes operações: // (…)
c) Nas declarações periódicas de IVA do ano de 2003, o “...” deduziu todo o IVA contido nas facturas constantes das contas indicadas no ponto a) deste item, quando o correcto seria uma repartição, atendendo ao disposto no ofício circulado n.º 22238 de 09/02/1990 dos Serviços do IVA em conjugação com os artigos 23º, 19º nº 1 e 20º do código do IVA.
O “...” deveria utilizar o método da afectação real para as receitas de bar e publicidade, o que aconteceu, no entanto deveria utilizar uma chave de repartição, em que no numerador deveria ter colocado o valor das receitas de bilheteira e no denominador o somatório de todos os proveitos isentos de IRC,...

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