Acórdão nº 09621/16 de Tribunal Central Administrativo Sul, 24-11-2016
Data de Julgamento | 24 Novembro 2016 |
Número Acordão | 09621/16 |
Ano | 2016 |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Sul |
M... intentou no Tribunal Tributário de Lisboa a presente Oposição Judicial à execução fiscal n.º ... e apensos, originariamente instaurada contra a sociedade “C..., Lda.” por dívidas de IRS (retenções na fonte) IVA e Coimas Fiscais, referentes aos anos de 2009 e 2010, invocando a ilegalidade do despacho de reversão por falta de pressupostos, que o montante exequendo não é certo nem líquido, o não exercício da gerência de facto, que não provocou a insuficiência de bens da devedora originária e, por fim, a inconstitucionalidade da reversão fiscal por coimas.
Por sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, foi julgada procedente a Oposição Judicial e, em consequência, determinada a extinção da execução fiscal e apensos quanto à Oponente.
Inconformada, a Fazenda Pública interpôs o presente recurso jurisdicional, tendo concluído, nas respectivas alegações, nos termos seguintes:
«l - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a oposição à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que "(...)O regime da responsabilidade tributária tem subjacente o exercício efetivo de funções por parte do gestor.
(…)
Essa prova da gestão de facto tem de ser evidenciada por referência a actos praticados pelos potenciais revertidos, susceptíveis de demonstrar tal efectividade do exercício de funções, entendendo-se como tal a prática de actos com carácter de continuidade, efectividade, durabilidade, regularidade, com poder de decisão e com independência das funções exercidas.
Resulta, no caso dos autos, que da prova produzida decorreu que a oponente não foi gestora de facto da devedora originária, não tendo qualquer relação com a mesma, tendo sido apenas "gerente de favor" a pedido do seu genro.
(…)
Como tal. Resulta provado que a oponente nunca foi gestora de facto da devedora originária.
Logo, não sendo a oponente gestora de facto da devedora originária, não se encontra preenchido o pressuposto previsto no n°1 do art°24°, da LGT, e no art°8°, nº 1, do RGIT, motivo pelo qual se verifica a ilegitimidade da oponente, procedendo por si alegado nesta parte.
(...)
Face ao exposto:
I. Julga-se procedente a presente oposição e, em consequência, julgam-se extintos, quanto à oponente, os processos de execução fiscal n°s ... e apensos.
II. Custas pela Fazenda Pública."
II - Neste âmbito, o thema decidendum, assenta em saber se a Administração Tributária provou que a oponente era gerente de facto da sociedade devedora originária C....
Ill - Antes de nos pronunciarmos sobre os documentos que comprovam a gerência de facto, o Tribunal a quo considerou que a oponente não era gerente tendo em conta os depoimentos de (i) E..., amigo do genro da oponente, J... que a via na casa deste; tendo conhecimento que C... teve problemas como despachante e solicitou à sua sogra que fosse gerente da sociedade; (ii) F... contratou com a sociedade devedora originária tendo conhecido o C...; (iii) J... era amigo de c...; (iv) dos esclarecimentos da própria oponente que desconhecia por completo tudo quanto se relacionasse com a sociedade devedora originária apesar de assinar os papéis a pedido do genro e, quanto aos documentos apresentados pela devedora originária, tal como o doc n°5 junto com a p.i, é anterior à data de nomeação da oponente como gerente de direito e não está demonstrado que tenham sido assinados pela própria oponente, como decore da comparação da rubrica neles aposta com a assinatura da oponente, aposta na procuração forense ou em requerimentos e avisos de recepção constantes do PEF apenso, o que se encontra em consonância com o teor dos depoimentos prestados e com a convicção do Tribunal.
IV - Quanto ao mencionado no ponto anterior, a Fazenda discorda uma vez que o Tribunal desconsiderou todas as provas dos autos, não tendo considerado os requerimentos a solicitar o pagamento em prestações no Serviço de Finanças de ... bem como dos vários requerimentos da sociedade devedora originária a requerer ao Serviço de Finanças o levantamento das penhoras de alguns dos seus clientes bem como a entregar créditos, pois se a oponente era parte ilegítima não tinha legitimidade para assinar aqueles documentos, mas de que modo não a tinha se a sociedade se obrigava só com a sua assinatura e, além do mais a oponente mencionou que assinava os papéis, é que não se pode ser parte ilegítima por um lado e legitima por outro. Assim, a Fazenda considera a oponente parte legítima.
Por outro lado, ao alegar a oponente que os mesmos não tinham sido assinados por ela sem uma prova pericial que ateste se aqueles documentos foram ou não assinados pela própria oponente, a Fazenda não concorda com a posição do Tribunal a quo, salvo o devido respeito.
V - E a Fazenda, considera a oponente parte legítima porque, se quer pôr em causa os documentos como sendo falsos, não intentou nenhuma acção nesse sentido e, se os mesmos são falsos estamos perante um crime de falsificação de documentos, mas, até o mesmo não estar devidamente comprovado, nos termos do artº75° da LGT as declarações dos contribuintes presumem-se verdadeiras e de boa-fé, não vislumbrando a Fazenda de que modo se poderia afastar sem mais os documentos que a oponente entregou para solver a dívida exequenda, com o argumento de que não tinha legitimidade nem foram assinados pela própria sem uma prova cabal do que se estava afirmando, devendo, por isso, o Tribunal solicitar uma perícia à caligrafia e assinatura dos documentos devendo os presentes autos baixar para que se faça a devida prova, tendo errado no julgamento o Tribunal a quo. Mas, caso assim se não entenda, dever-se-á atender aos documentos juntos pela oponente não os omitindo nem os descurando.
VI - Por outro lado, a oponente não prova de que é só gerente de direito e não de facto, sendo irrelevante face aos factos detidos pela AT e supra mencionados.
VII - Quanto a este aspecto o Ac. do TCAS no seu sumário foi mencionado que "(...) V - Na verdade, por um lado, a lei, para a responsabilização subsidiaria do gerente, não exige que o gerente pratique todos os actos de gerência da sociedade, podendo a gerência de facto limitar-se a determinada área da gerência ou à prática de determinados actos em representação da sociedade: por outro lado, a prática por pessoa que não é gerente de direito de actos de gerência da sociedade com, pelo menos, o conhecimento e a anuência, livre e voluntariamente prestada, dos gerentes de direito configura uma situação de representação, pelo que os actos praticados por aquela pessoa (em representação da sociedade) devem considerar-se praticados pelos gerentes de direito (cfr. arts. 258º do CC), devendo entender-se que, ainda que não haja procuração (e a existência de procuração foi referida pela referi da pela terceira pessoa e pelo responsável pela contabilidade da sociedade nos depoimentos prestados em tribunal), terá havido ratificação dos actos praticados (cfr. Arts. 262° e 268° do CC)." - vide Ac. do TCAS de 20/01/2004 proferido no proc. nº01172/03
VIII - Na verdade, a oponente pagava em 1º ao desembaraço alfandegário, em 2° à banca, em 3° às indemnizações pelas rescisões dos contratos aos trabalhadores e em 4° ao Estado, violando e descurando o credor Estado.
Tal como resulta da sentença A. Ordinária nº237/2002, do 2º Juízo Cível do Circulo Judicial de Santa Maria da Feira, disponível em www.verbojuridico.pt - "Os gerentes ou administradores estatutários, ainda que o não sejam na prática, encontram-se numa posição legal de garante em relação aos credores sociais, com vista a que os "gerentes de facto" adoptem os métodos de um "gestor criterioso", impondo-se-lhes um dever de vigilância quanto aos procedimentos de gestão adoptados por estes últimos.
No caso de omissão desse dever de vigilância e se os "gestores ou administradores de facto" não actuarem de modo diligente no exercício dessas funções de direcção, os dirigentes societários estatutários respondem civilmente perante os credores pelos danos causados por aqueles outros "dirigentes de facto." (sublinhado nosso)
IX - No Ac. do TCAN estipula que "(...) a jurisprudência tem vindo a entender que a lei não exige, para a responsabilização dos gerentes pelas dívidas fiscais da sociedade, que estes exerçam uma administração continuada, nem em todas as áreas que se desenvolve a actividade da sociedade"- vide Ac.do TCAN de 06/07/2006, proferido no proc. nº00129/98
X - E, neste sentido a oponente e a sociedade devedora originária desprotegeram os credores, designadamente a Fazenda Pública e, desprotegeu porque a sua assinatura vinculam a sociedade, não tendo tido uma actuação de gestor criterioso e diligente, uma vez que sabia que a sociedade tinha dívidas e nada fez para que as mesmas fossem pagas, nem mesmo renunciou à gerência.
XI - Perante tais factos, o órgão de execução fiscal não teve quaisquer dúvidas e reverteu a divida exequenda da sociedade devedora originária para a ora oponente, por ser ela a gerente de facto.
XII - Mas a sociedade devedora originária tinha um capital social de € 50.000,00, constituindo este o garante perante os credores, tal como é mencionado no Ac. do STJ de 2012, em que "I- O estatuto económico da sociedade comercial é factor decisório do crédito que lhe é concedido, não se limitando apenas ao capital social, mas também tendo em consideração o estofo patrimonial da empresa (sociedade) que possa «tranquilizar» os seus credores.
II - Aliás, há que ter em atenção que, como ensina o Prof. Pereira de Almeida, costuma-se dizer que o capital social é a garantia comum dos credores, carecendo tal afirmação de ser explicada.
Na verdade, diz o citado o Professor que «o capital social figura no balanço como «rubrica do passivo» e a garantia dos credores é certamente constituída pelo activo», acrescentando, mais adiante,...
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