Acórdão nº 0943/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29-06-2011
Data de Julgamento | 29 Junho 2011 |
Número Acordão | 0943/10 |
Ano | 2011 |
Órgão | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. O presente recurso é interposto da douta sentença na parte em que não admitiu a ampliação do objecto do pedido formulado pela impugnante, bem como na parte em que não considerou custos fiscais os 3 furtos sofridos pela impugnante no ano de 1993, no valor global de 89.519.129$00.
2. Entende também a impugnante que a interpretação dada na sentença em recurso à al. j) do artigo 23.º do Código do IRC no sentido de que o furto cabe nessa disposição legal, é inconstitucional.
Com efeito,
3. A impugnante só em 9 de Julho de 2003 recebeu da Companhia de Seguros B…, S.A. a quantia de 200.000,00€ de indemnização relativa aos três furtos que estiveram na base da inclusão no seu IRC relativa ao ano de 1993 da quantia de 89.593.820$00 a título de “custos e perdas extraordinárias – sinistros”.
4. A petição inicial foi apresentada em 08.04.1998.
5. Sendo o facto (provado) referido na conclusão 3. superveniente à data da apresentação da petição inicial, nunca poderia a impugnante efectuar na petição inicial qualquer pedido relativo à indemnização de 200.000,00 € que veio a receber em 2003 e que introduziu na sua declaração de IRC relativa a esse ano a título de proveitos e sobre a qual voltou a pagar imposto.
6. A Fazenda Nacional não se opôs a essa ampliação.
7. O artigo 104.º do CPPT refere que “Na impugnação judicial podem, nos termos legais, cumular-se pedidos e coligar-se autores em caso de identidade da natureza dos tributos, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente para a decisão.
8. O pedido de ampliação ao pedido inicial que formulou através do seu requerimento apresentado em 10.11.2009 é uma mera ampliação do pedido inicial, no sentido de que vem na sequência, no desenvolvimento daquele, atento o circunstancialismo superveniente relatado e provado documentalmente nos autos.
9. Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 273.º do Código de Processo Civil, quando a ampliação do pedido for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, como é o caso, deverá ser admitida em qualquer altura do processo até ao encerramento da discussão em primeira instância.
10. Deste modo, deveria ter sido deferida a requerida ampliação do pedido inicial e atendida a prova documental feita pela impugnante nos autos para que sobre o mesmo fosse também proferida decisão.
11. Ao não fazê-lo, a sentença em recurso violou o artigo 104.º do C.P.P.T., o artigo 273º, n.º 2 do C.P.C., o artigo 123.º do C.P.P.T. (artigo 142.º do CPT) e artigo 660.º, n.º 2 do C.P.C.
Por outro lado,
12. A tributação das empresas, por imposição legal e constitucional, tem de incidir sobre o seu rendimento real (artigo 104, n.º 2 da C.R.P.).
13. Com efeito, no preâmbulo do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, aprovado pelo Decreto Lei nº 442-B/88 de 30.11, consta expressamente que na determinação da matéria colectável das empresas “procura-se sempre tributar o rendimento real efectivo que, para o caso das empresas, é mesmo um imperativo constitucional”,
14. Os furtos de mercadorias, independentemente de serem seguráveis ou não, não têm natureza de indemnização, pelo que não se enquadram em nenhuma das alíneas do n.º 1 do artigo 23º do Código do IRC, nomeadamente, não se enquadram na sua al. j).
15. O teor das dez alíneas que compõem o n.º 1 do art. 23.º do Código do IRC, diz respeito a realidades individualizáveis e não cumulativas.
16. A expressão “nomeadamente” que precede as referidas dez alíneas que compõem o n.º 1 do art. 23.º do Código do IRC, indicia que as realidades relatadas em cada uma delas como sendo custos ou perdas das empresas são meramente exemplificativas e não taxativas.
17. As mercadorias furtadas à impugnante constituíam claramente bens “indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a impostos ou para a manutenção da fonte produtora”.
18. Atento o exposto e, sobretudo, o corpo do nº 1 do art. 23º do Código do IRC, os furtos das mercadorias da impugnante ocorridos no ano de 1993 têm necessariamente de ser consideradas custos ou perdas da empresa.
19. A única situação que o n.º 1 do art. 23.º do Código do IRC exige que o evento não seja segurável para ser considerado custo ou perda da empresa, é a da al. j) referente ao pagamento que as empresas têm que fazer a terceiros a título de indemnizações a que estão obrigadas.
20. Indemnização e furto são realidades absolutamente distintas.
21. Nos termos do n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil “Não pode, (…) ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (bold e sublinhados nosso)
22. Verifica-se, assim, que a interpretação dada na sentença em recurso à al. j) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC ao equiparar furto a indemnização não tem a menor correspondência com a letra da lei.
23. No sentido de que o furto de mercadorias constitui um custo ou uma perda da empresa pronunciou-se já este Alto Supremo Tribunal Administrativo no seu muito douto acórdão (não publicado) de 11 de Junho de 1997, recurso n.º 12.610, relatado pelo Exmº Senhor Juiz Conselheiro Lúcio Barbosa.
24. O entendimento de que o furto de mercadoria, sendo esta segurável, tem de ser considerado proveito da empresa, provoca que a mesma seja tributada com base num rendimento totalmente fictício o que a Lei (o Código do IRC) e a Constituição da República Portuguesa não permitem!
25. Por outro lado, gera dupla tributação da empresa, pelo mesmo facto, quando a mesma recebe da Companhia de Seguros a indemnização a que tem direito pela mercadoria furtada, por ter obrigatoriamente de indicar essa indemnização como proveito da empresa em estrita obediência à al. g) do nº 1 do artº 20º do CIRC.
26. Assim, a interpretação dada na sentença à al. j) do artigo 23.º do Código do IRC no sentido de que o furto de mercadoria cabe nessa disposição legal, e que não deve ser considerado custo da empresa quando o evento é segurável, é inconstitucional, por dar origem a que as empresas sejam tributadas por rendimentos fictícios e não reais, assim como gera a dupla tributação das mesmas.
27. Verifica-se, assim, que a sentença em recurso violou também o disposto nos artigos 103º, nº2, e 104º, nº2, da Constituição da República Portuguesa e os artigos 23.º, 17º, nº1 e 18º, nº1, todos do Código do IRC.
Em conformidade deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se em consequência a sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue procedente a impugnação judicial deduzida pela impugnante e em consequência condene a Fazenda Nacional a rectificar o lucro tributável de IRC da recorrente relativo ao exercício de 1993, com todas as suas projecções nos anos futuros, considerando como custos ou perdas os valores dos furtos de mercadorias que a empresa sofreu nesse período, no montante global de 89.519.129$00.
Caso assim não se entenda, atenta a dupla tributação verificada (a impugnante foi tributada no exercício de 1993 sobre 89.593.820$00 e no exercício de 2003 sobre 200.00€ já reflectidos naquela quantia) então a liquidação de IRC do exercício de 1993 deverá ser parcialmente anulada pela diferença de valores, devendo o recurso ser parcialmente procedente, sob pena de violação do princípio do procedimento tributário previsto no artigo 55º da Lei Geral Tributária e artigos 5º e 6º do CPS ex vi do art. 2º alínea d) do CPPT,
Assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!
2 - Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
II – São duas as questões objecto do presente recurso:
- possibilidade de ampliação do objecto do pedido;
- saber se o furto de mercadorias pode ser considerado como custo fiscal para o efeito do art. 23.º do CIRC;
III – Afigura-se-nos que o recurso não merece provimento.
1. Quanto à questão da ampliação do pedido:
Decorre do artigo 273º nº 2 do Código de Processo Civil que o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido ou pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
Como esclarece Alberto dos Reis, no seu comentário ao Código de Processo Civil, tomo III, pag. 93, estabelece-se aqui um limite de qualidade e de nexo: a ampliação deve ser o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
...
- Relatório -
1 – A…, Lda., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 12 de Julho de 2010, que julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra liquidação de IRC n.º 8310024661, referente ao exercício de 1993, no montante de 89.519.129$00, apresentando as seguintes conclusões:1. O presente recurso é interposto da douta sentença na parte em que não admitiu a ampliação do objecto do pedido formulado pela impugnante, bem como na parte em que não considerou custos fiscais os 3 furtos sofridos pela impugnante no ano de 1993, no valor global de 89.519.129$00.
2. Entende também a impugnante que a interpretação dada na sentença em recurso à al. j) do artigo 23.º do Código do IRC no sentido de que o furto cabe nessa disposição legal, é inconstitucional.
Com efeito,
3. A impugnante só em 9 de Julho de 2003 recebeu da Companhia de Seguros B…, S.A. a quantia de 200.000,00€ de indemnização relativa aos três furtos que estiveram na base da inclusão no seu IRC relativa ao ano de 1993 da quantia de 89.593.820$00 a título de “custos e perdas extraordinárias – sinistros”.
4. A petição inicial foi apresentada em 08.04.1998.
5. Sendo o facto (provado) referido na conclusão 3. superveniente à data da apresentação da petição inicial, nunca poderia a impugnante efectuar na petição inicial qualquer pedido relativo à indemnização de 200.000,00 € que veio a receber em 2003 e que introduziu na sua declaração de IRC relativa a esse ano a título de proveitos e sobre a qual voltou a pagar imposto.
6. A Fazenda Nacional não se opôs a essa ampliação.
7. O artigo 104.º do CPPT refere que “Na impugnação judicial podem, nos termos legais, cumular-se pedidos e coligar-se autores em caso de identidade da natureza dos tributos, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente para a decisão.
8. O pedido de ampliação ao pedido inicial que formulou através do seu requerimento apresentado em 10.11.2009 é uma mera ampliação do pedido inicial, no sentido de que vem na sequência, no desenvolvimento daquele, atento o circunstancialismo superveniente relatado e provado documentalmente nos autos.
9. Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 273.º do Código de Processo Civil, quando a ampliação do pedido for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, como é o caso, deverá ser admitida em qualquer altura do processo até ao encerramento da discussão em primeira instância.
10. Deste modo, deveria ter sido deferida a requerida ampliação do pedido inicial e atendida a prova documental feita pela impugnante nos autos para que sobre o mesmo fosse também proferida decisão.
11. Ao não fazê-lo, a sentença em recurso violou o artigo 104.º do C.P.P.T., o artigo 273º, n.º 2 do C.P.C., o artigo 123.º do C.P.P.T. (artigo 142.º do CPT) e artigo 660.º, n.º 2 do C.P.C.
Por outro lado,
12. A tributação das empresas, por imposição legal e constitucional, tem de incidir sobre o seu rendimento real (artigo 104, n.º 2 da C.R.P.).
13. Com efeito, no preâmbulo do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, aprovado pelo Decreto Lei nº 442-B/88 de 30.11, consta expressamente que na determinação da matéria colectável das empresas “procura-se sempre tributar o rendimento real efectivo que, para o caso das empresas, é mesmo um imperativo constitucional”,
14. Os furtos de mercadorias, independentemente de serem seguráveis ou não, não têm natureza de indemnização, pelo que não se enquadram em nenhuma das alíneas do n.º 1 do artigo 23º do Código do IRC, nomeadamente, não se enquadram na sua al. j).
15. O teor das dez alíneas que compõem o n.º 1 do art. 23.º do Código do IRC, diz respeito a realidades individualizáveis e não cumulativas.
16. A expressão “nomeadamente” que precede as referidas dez alíneas que compõem o n.º 1 do art. 23.º do Código do IRC, indicia que as realidades relatadas em cada uma delas como sendo custos ou perdas das empresas são meramente exemplificativas e não taxativas.
17. As mercadorias furtadas à impugnante constituíam claramente bens “indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a impostos ou para a manutenção da fonte produtora”.
18. Atento o exposto e, sobretudo, o corpo do nº 1 do art. 23º do Código do IRC, os furtos das mercadorias da impugnante ocorridos no ano de 1993 têm necessariamente de ser consideradas custos ou perdas da empresa.
19. A única situação que o n.º 1 do art. 23.º do Código do IRC exige que o evento não seja segurável para ser considerado custo ou perda da empresa, é a da al. j) referente ao pagamento que as empresas têm que fazer a terceiros a título de indemnizações a que estão obrigadas.
20. Indemnização e furto são realidades absolutamente distintas.
21. Nos termos do n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil “Não pode, (…) ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (bold e sublinhados nosso)
22. Verifica-se, assim, que a interpretação dada na sentença em recurso à al. j) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC ao equiparar furto a indemnização não tem a menor correspondência com a letra da lei.
23. No sentido de que o furto de mercadorias constitui um custo ou uma perda da empresa pronunciou-se já este Alto Supremo Tribunal Administrativo no seu muito douto acórdão (não publicado) de 11 de Junho de 1997, recurso n.º 12.610, relatado pelo Exmº Senhor Juiz Conselheiro Lúcio Barbosa.
24. O entendimento de que o furto de mercadoria, sendo esta segurável, tem de ser considerado proveito da empresa, provoca que a mesma seja tributada com base num rendimento totalmente fictício o que a Lei (o Código do IRC) e a Constituição da República Portuguesa não permitem!
25. Por outro lado, gera dupla tributação da empresa, pelo mesmo facto, quando a mesma recebe da Companhia de Seguros a indemnização a que tem direito pela mercadoria furtada, por ter obrigatoriamente de indicar essa indemnização como proveito da empresa em estrita obediência à al. g) do nº 1 do artº 20º do CIRC.
26. Assim, a interpretação dada na sentença à al. j) do artigo 23.º do Código do IRC no sentido de que o furto de mercadoria cabe nessa disposição legal, e que não deve ser considerado custo da empresa quando o evento é segurável, é inconstitucional, por dar origem a que as empresas sejam tributadas por rendimentos fictícios e não reais, assim como gera a dupla tributação das mesmas.
27. Verifica-se, assim, que a sentença em recurso violou também o disposto nos artigos 103º, nº2, e 104º, nº2, da Constituição da República Portuguesa e os artigos 23.º, 17º, nº1 e 18º, nº1, todos do Código do IRC.
Em conformidade deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se em consequência a sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue procedente a impugnação judicial deduzida pela impugnante e em consequência condene a Fazenda Nacional a rectificar o lucro tributável de IRC da recorrente relativo ao exercício de 1993, com todas as suas projecções nos anos futuros, considerando como custos ou perdas os valores dos furtos de mercadorias que a empresa sofreu nesse período, no montante global de 89.519.129$00.
Caso assim não se entenda, atenta a dupla tributação verificada (a impugnante foi tributada no exercício de 1993 sobre 89.593.820$00 e no exercício de 2003 sobre 200.00€ já reflectidos naquela quantia) então a liquidação de IRC do exercício de 1993 deverá ser parcialmente anulada pela diferença de valores, devendo o recurso ser parcialmente procedente, sob pena de violação do princípio do procedimento tributário previsto no artigo 55º da Lei Geral Tributária e artigos 5º e 6º do CPS ex vi do art. 2º alínea d) do CPPT,
Assim se fazendo a habitual JUSTIÇA!
2 - Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
II – São duas as questões objecto do presente recurso:
- possibilidade de ampliação do objecto do pedido;
- saber se o furto de mercadorias pode ser considerado como custo fiscal para o efeito do art. 23.º do CIRC;
III – Afigura-se-nos que o recurso não merece provimento.
1. Quanto à questão da ampliação do pedido:
Decorre do artigo 273º nº 2 do Código de Processo Civil que o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido ou pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
Como esclarece Alberto dos Reis, no seu comentário ao Código de Processo Civil, tomo III, pag. 93, estabelece-se aqui um limite de qualidade e de nexo: a ampliação deve ser o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO