Acórdão nº 09422/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 24-04-2013
Data de Julgamento | 24 Abril 2013 |
Número Acordão | 09422/12 |
Ano | 2013 |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam em conferência na Secção Administrativa do TCA-Sul
1. Relatório
Rafael ………………….., Cabo da GNR nº……….., reformado, residente em ………, intentou no TAF de Castelo Branco, contra o Ministério da Administração Interna, acção administrativa especial, pedindo a declaração de nulidade da pena de detenção que lhe foi aplicada.
Por sentença de 11.04.2012, o Mmº Juiz do TAF de Castelo Branco julgou a acção improcedente.
Nas suas alegações de recurso enunciou as conclusões seguintes:
“I - O A. foi punido com base no Regulamento de Disciplina Militar pelo Sr. Comandante Geral da GNR; em 31.12.81 com a pena de 15 dias de detenção.
II - Esta punição, no entanto, por ser de carácter administrativo, viola os números 1 e 2 do artigo 27º da Constituição da República Portuguesa (CRP), na sua versão originária (1976), que estabelece o princípio de que ninguém pode ser privado da liberdade "a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança".
Ill - A introdução na CRP de penas privativas da liberdade aplicadas por via administrativa a militares só se verificou com a revisão de 1982, posteriormente à data dos factos, com o acrescento duma alínea - alínea c) - ao nº3 do artigo 27º.
IV - O acrescento da alínea c) ao nº3 do artigo 27º mais não é que o reconhecimento de que a aplicação a militares, antes da revisão de 1982, de penas privativas da liberdade ao arrepio dos nº1 e 2 e das excepções do nº3 do artigo 27º da CRP, eram inconstitucionais e ofensivas de um direito fundamental como é o direito à liberdade.
V - Consequentemente, os artigos 26º; e nº3 do artigo 35º do RDM -na parte em que prevêem a aplicação da pena de detenção a um militar) são inconstitucionais por contrariarem os números 1 e 2 do artigo 27º da Constituição da República Portuguesa bem como o artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
VI - O acto administrativo que aplicou ao A. uma pena privativa da liberdade é um acto nulo por ofender um direito fundamental, o direito à liberdade.
VII - Sendo um acto nulo, não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade, sendo esta invocável a todo o tempo.
VIII - A jurisprudência e a doutrina estão de acordo com este entendimento, destacando-se, na jurisprudência, os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
- Acórdão de 28 de Fevereiro de 1980, recurso nº10840, no Apêndice ao Diário da República, de 11 de Abril de 1984, pags. 1044-1048, confirmado pelo
- Acórdão do Tribunal Pleno, de 23 de Janeiro de 1986, no Apêndice ao Diário da República, de 24 de Junho de 1984, págs. 37-41;
- Acórdão de 24 de Junho de 1982, recurso nº16043, no Apêndice ao Diário da República, de 10 de Dezembro de 1985, págs. 2555-2558, confirmado pelo
- Acórdão do Pleno de 28 de Maio de 1987, no Apêndice ao Diário da República, de 30 de Novembro de 1988, págs. 435-436;
IX - Ao arguido, ora A., foi entregue a nota de culpa no início do processo, sem que antes tenha sido levada a cabo por parte do oficial instrutor qualquer diligência, nomeadamente audição de testemunhas e arguido que só foram ouvidos após a entrega da nota de culpa.
X - Tal facto ofende os princípios de audiência e defesa pois que a nota de culpa não levou em linha de conta o que foi referido pelas testemunhas e arguido, subvertendo-se, deste modo a finalidade da instauração do processo disciplinar.
XI - O princípio de audiência e defesa está consignado na Constituição desde 1976 (nº3 do artigo 270º), passando o mesmo normativo a integrar o nº3 do artigo 269º da revisão de 1982, e actualmente o nº10 do artigo 32º (incluído no Título "Direitos, Liberdades e Garantias").
XII - Do acto punitivo consta que o A. actuou "incorrecta e imprudentemente", sem que na nota de culpa conste tal acusação tendo a entidade puniente ampliado a matéria de facto constante da nota de culpa sendo certo que a ampliação da matéria de facto concorreu para a punição e sua dosimetria - neste sentido Ac. do TCA 05344/01 de 22.09.2005.
XIII - Pelo que o acto administrativo impugnado incorreu uma vez mais na prática de uma ilegalidade, a que corresponde uma nulidade, por falta de audiência do arguido, desrespeitando o direito de defesa do mesmo, consignado no artigo 90º do Regulamento de Disciplina Militar e o número 3 do artigo 270º da CRP na versão de 1976.
A sentença recorrida incorreu ainda:
XIV - Em omissão de pronúncia face à questão do pedido de declaração de nulidade do acto punitivo da autoria do Sr. Comandante-Geral que aplicou ao recorrente uma medida privativa da liberdade (15 dias de detenção), através dum acto de carácter administrativo, violando o nº2 do artigo 27º da Constituição da República Portuguesa (CRP) na sua versão de 1976, que estabelece que "ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punitivo por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança", incorrendo em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artº668º, nº1, al. d) do CPC ex vi artº1º do CPTA.
XV - Em excesso de pronúncia pelo conhecimento de uma questão não suscitada no processo, apreciando e considerando aplicável ao recorrente o Ac.521/2003 (proc. nº471/97) de 29/10/2003 decidindo:" não julgar, orgânica ou materialmente inconstitucionais as normas do artigo 92º, nº1 da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, aprovada pelo Decreto-Lei nº231/93, de 26 de Junho e do artigo 5º do Estatuto do militar da Guarda, aprovado pelo Decreto-Lei nº265/93, de 31 de Julho, na parte em que tornam aplicáveis aos militares da Guarda, não pertencentes aos quadros das Forças Armadas, as penas de prisão disciplinar e de prisão disciplinar agravada, previstas no RDM", incorrendo, uma vez mais, em nulidade, agora por excesso de pronúncia, nos termos dos normativos referidos no número anterior.
XVI - Em Deficiente fundamentação na decisão ao basear-se numa situação que não corresponde à do recorrente (de que o mesmo se encontrava abrangido pelo normativo da al. c) do artigo 27º da CRP) incorrendo o Tribunal "a quo", uma vez mais, em nulidade de sentença, nos termos do artigo 668º, nº1, al. b) do CPC ex vi artº1do CPTA.”
O M.A.I. não contra-alegou.
O Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
x x
2. Fundamentação 2.1. De facto
A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:
1°) - Foi o autor, então soldado da GNR, por decisão de 31/12/81, proferida em processo disciplinar pelo Comandante Geral da GNR, punido com a pena de 15 (quinze) dias de detenção (cfr. doc. n°1 da p. i. e proc. adm. instr.), após nota de culpa constante de fls. 6 do proc. adm. ap., cujos termos aqui se têm presentes e reproduzidos, conquanto "(...) fora do exercício de acto de serviço, actuando incorrecta e imprudentemente, se deixou envolver num conflito (...)".
2°) - Do que o autor, em 11 de Março de 2008, interpôs "recurso hierárquico" (cfr. doc. n°2 da p.i.), a que o Secretário de Estado da Administração Interna, em despacho de 13/10/2009, negou provimento, conforme doc. junto com a contestação, cujos termos aqui se dão como reproduzidos (cfr. doc. junto com a contest).
x x 2.2. De direito
Após salientar que foi punido com base no Regulamento de Disciplina Militar pelo Sr. Comandante Geral da G.N.R., o recorrente considera que tal punição viola os números 1 e 2 do artigo 27º da C.R.P., por ser de carácter meramente administrativo. Na tese do recorrente os artigos 26º e nº3 do artigo 35º do R.D.M., na parte em que prevêem a aplicação de pena de detenção a um militar são inconstitucionais, sendo nulo o acto administrativo que as aplicou.
Acresce que no caso concreto foi violado o princípio da audiência prévia, pois a nota de culpa não levou em linha de conta o que foi referido pelas testemunhas, o que equivale a falta de audiência do arguido.
Salvo o devido respeito, o recorrente não tem razão, tratando-se de uma questão já resolvida pelos Tribunais Superiores.
Designadamente, o Ac. do TC, nº521/2003, Proc. 471/ 97, de 29.10.2003, decidiu “ não julgar orgânica ou materialmente inconstitucionais as normas constantes do artigo 92º, nº1 da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, na parte em que tornam aplicáveis aos militares da Guarda, não pertencentes aos quadros das Forças...
1. Relatório
Rafael ………………….., Cabo da GNR nº……….., reformado, residente em ………, intentou no TAF de Castelo Branco, contra o Ministério da Administração Interna, acção administrativa especial, pedindo a declaração de nulidade da pena de detenção que lhe foi aplicada.
Por sentença de 11.04.2012, o Mmº Juiz do TAF de Castelo Branco julgou a acção improcedente.
Nas suas alegações de recurso enunciou as conclusões seguintes:
“I - O A. foi punido com base no Regulamento de Disciplina Militar pelo Sr. Comandante Geral da GNR; em 31.12.81 com a pena de 15 dias de detenção.
II - Esta punição, no entanto, por ser de carácter administrativo, viola os números 1 e 2 do artigo 27º da Constituição da República Portuguesa (CRP), na sua versão originária (1976), que estabelece o princípio de que ninguém pode ser privado da liberdade "a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança".
Ill - A introdução na CRP de penas privativas da liberdade aplicadas por via administrativa a militares só se verificou com a revisão de 1982, posteriormente à data dos factos, com o acrescento duma alínea - alínea c) - ao nº3 do artigo 27º.
IV - O acrescento da alínea c) ao nº3 do artigo 27º mais não é que o reconhecimento de que a aplicação a militares, antes da revisão de 1982, de penas privativas da liberdade ao arrepio dos nº1 e 2 e das excepções do nº3 do artigo 27º da CRP, eram inconstitucionais e ofensivas de um direito fundamental como é o direito à liberdade.
V - Consequentemente, os artigos 26º; e nº3 do artigo 35º do RDM -na parte em que prevêem a aplicação da pena de detenção a um militar) são inconstitucionais por contrariarem os números 1 e 2 do artigo 27º da Constituição da República Portuguesa bem como o artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
VI - O acto administrativo que aplicou ao A. uma pena privativa da liberdade é um acto nulo por ofender um direito fundamental, o direito à liberdade.
VII - Sendo um acto nulo, não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade, sendo esta invocável a todo o tempo.
VIII - A jurisprudência e a doutrina estão de acordo com este entendimento, destacando-se, na jurisprudência, os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo:
- Acórdão de 28 de Fevereiro de 1980, recurso nº10840, no Apêndice ao Diário da República, de 11 de Abril de 1984, pags. 1044-1048, confirmado pelo
- Acórdão do Tribunal Pleno, de 23 de Janeiro de 1986, no Apêndice ao Diário da República, de 24 de Junho de 1984, págs. 37-41;
- Acórdão de 24 de Junho de 1982, recurso nº16043, no Apêndice ao Diário da República, de 10 de Dezembro de 1985, págs. 2555-2558, confirmado pelo
- Acórdão do Pleno de 28 de Maio de 1987, no Apêndice ao Diário da República, de 30 de Novembro de 1988, págs. 435-436;
IX - Ao arguido, ora A., foi entregue a nota de culpa no início do processo, sem que antes tenha sido levada a cabo por parte do oficial instrutor qualquer diligência, nomeadamente audição de testemunhas e arguido que só foram ouvidos após a entrega da nota de culpa.
X - Tal facto ofende os princípios de audiência e defesa pois que a nota de culpa não levou em linha de conta o que foi referido pelas testemunhas e arguido, subvertendo-se, deste modo a finalidade da instauração do processo disciplinar.
XI - O princípio de audiência e defesa está consignado na Constituição desde 1976 (nº3 do artigo 270º), passando o mesmo normativo a integrar o nº3 do artigo 269º da revisão de 1982, e actualmente o nº10 do artigo 32º (incluído no Título "Direitos, Liberdades e Garantias").
XII - Do acto punitivo consta que o A. actuou "incorrecta e imprudentemente", sem que na nota de culpa conste tal acusação tendo a entidade puniente ampliado a matéria de facto constante da nota de culpa sendo certo que a ampliação da matéria de facto concorreu para a punição e sua dosimetria - neste sentido Ac. do TCA 05344/01 de 22.09.2005.
XIII - Pelo que o acto administrativo impugnado incorreu uma vez mais na prática de uma ilegalidade, a que corresponde uma nulidade, por falta de audiência do arguido, desrespeitando o direito de defesa do mesmo, consignado no artigo 90º do Regulamento de Disciplina Militar e o número 3 do artigo 270º da CRP na versão de 1976.
A sentença recorrida incorreu ainda:
XIV - Em omissão de pronúncia face à questão do pedido de declaração de nulidade do acto punitivo da autoria do Sr. Comandante-Geral que aplicou ao recorrente uma medida privativa da liberdade (15 dias de detenção), através dum acto de carácter administrativo, violando o nº2 do artigo 27º da Constituição da República Portuguesa (CRP) na sua versão de 1976, que estabelece que "ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punitivo por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança", incorrendo em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artº668º, nº1, al. d) do CPC ex vi artº1º do CPTA.
XV - Em excesso de pronúncia pelo conhecimento de uma questão não suscitada no processo, apreciando e considerando aplicável ao recorrente o Ac.521/2003 (proc. nº471/97) de 29/10/2003 decidindo:" não julgar, orgânica ou materialmente inconstitucionais as normas do artigo 92º, nº1 da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, aprovada pelo Decreto-Lei nº231/93, de 26 de Junho e do artigo 5º do Estatuto do militar da Guarda, aprovado pelo Decreto-Lei nº265/93, de 31 de Julho, na parte em que tornam aplicáveis aos militares da Guarda, não pertencentes aos quadros das Forças Armadas, as penas de prisão disciplinar e de prisão disciplinar agravada, previstas no RDM", incorrendo, uma vez mais, em nulidade, agora por excesso de pronúncia, nos termos dos normativos referidos no número anterior.
XVI - Em Deficiente fundamentação na decisão ao basear-se numa situação que não corresponde à do recorrente (de que o mesmo se encontrava abrangido pelo normativo da al. c) do artigo 27º da CRP) incorrendo o Tribunal "a quo", uma vez mais, em nulidade de sentença, nos termos do artigo 668º, nº1, al. b) do CPC ex vi artº1do CPTA.”
O M.A.I. não contra-alegou.
O Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. Fundamentação 2.1. De facto
A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:
1°) - Foi o autor, então soldado da GNR, por decisão de 31/12/81, proferida em processo disciplinar pelo Comandante Geral da GNR, punido com a pena de 15 (quinze) dias de detenção (cfr. doc. n°1 da p. i. e proc. adm. instr.), após nota de culpa constante de fls. 6 do proc. adm. ap., cujos termos aqui se têm presentes e reproduzidos, conquanto "(...) fora do exercício de acto de serviço, actuando incorrecta e imprudentemente, se deixou envolver num conflito (...)".
2°) - Do que o autor, em 11 de Março de 2008, interpôs "recurso hierárquico" (cfr. doc. n°2 da p.i.), a que o Secretário de Estado da Administração Interna, em despacho de 13/10/2009, negou provimento, conforme doc. junto com a contestação, cujos termos aqui se dão como reproduzidos (cfr. doc. junto com a contest).
x x 2.2. De direito
Após salientar que foi punido com base no Regulamento de Disciplina Militar pelo Sr. Comandante Geral da G.N.R., o recorrente considera que tal punição viola os números 1 e 2 do artigo 27º da C.R.P., por ser de carácter meramente administrativo. Na tese do recorrente os artigos 26º e nº3 do artigo 35º do R.D.M., na parte em que prevêem a aplicação de pena de detenção a um militar são inconstitucionais, sendo nulo o acto administrativo que as aplicou.
Acresce que no caso concreto foi violado o princípio da audiência prévia, pois a nota de culpa não levou em linha de conta o que foi referido pelas testemunhas, o que equivale a falta de audiência do arguido.
Salvo o devido respeito, o recorrente não tem razão, tratando-se de uma questão já resolvida pelos Tribunais Superiores.
Designadamente, o Ac. do TC, nº521/2003, Proc. 471/ 97, de 29.10.2003, decidiu “ não julgar orgânica ou materialmente inconstitucionais as normas constantes do artigo 92º, nº1 da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, na parte em que tornam aplicáveis aos militares da Guarda, não pertencentes aos quadros das Forças...
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