Acórdão nº 0920/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23-05-2012
Data de Julgamento | 23 Maio 2012 |
Número Acordão | 0920/11 |
Ano | 2012 |
Órgão | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1 – A……, S.A., melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto de 25 de Maio de 2011, que julgou improcedente a impugnação deduzida contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças do Porto, proferido no âmbito do processo de execução fiscal nº 33870020104431, despacho esse que lhe indeferiu o pedido de prescrição de divida, liquidada pelo extinto INGA.
Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A) O acto controvertido que ocasionou a execução fiscal materializa-se numa deliberação do INGA através da qual foi exigido à Alegante o pagamento da quantia de 1.548.122.323$00 emergente da aplicação do regime de diferenciais de preços entre os custos de importação e os custos fixados para o abastecimento de ramas às refinarias, nos anos de 1981 e 1985.
B) O acto em crise configura um tipo legal integrável nos impostos (cfr. art. 3° da LGT).
C) As receitas liquidadas pelo INGA e exigidas à Alegante não postulam qualquer relação individual relativamente à qual se identifique um sinalagma. Tratam-se de valores fixados autoritariamente pelo Estado no exercício de um poder tributário conferido pelas normas invocadas no título executivo.
D) A dívida subjacente à aplicação do regime de diferenciais de preços entre os custos de produção e os preços fixados administrativamente para o abastecimento de ramas às refinarias consubstancia uma verdadeira obrigação tributária.
E) Como obrigação tributária, regem-se pelas leis que constituem o ordenamento jurídico tributário, designadamente, pelo Código de Processo das Contribuições e Impostos, pelo Código de Processo Tributário, pela Lei Geral Tributária e por último, pelo Código de Procedimento e Processo Tributário, que revogou o primeiro.
F) O prazo prescricional aplicável à relação tributária em apreço é de 10 anos, por força da aplicação do art. 34º do CPT.
G) O prazo começou a contar em 1982, 1983, 1984, 1985 ou 1986, consoante o respectivo facto gerador tenha ocorrido em 1981, 1982, 1983, 1984 ou 1985.
H) O prazo de prescrição interrompeu-se com a impugnação pela A…… da deliberação do INGA apresentada em 25.05.1989 e reatou a sua contagem em 06.02.1992 (por força da abstinência processual por período superior a um ano).
I) O prazo de prescrição tomou-se completo em 1 de Julho de 2001.
J) As obrigações tributárias prescreveram em 1. de Julho de 2001.
K) Nos termos do artº 44° nº 2 da LGT, à Alegante apenas poderão ser exigidos os juros moratórias contados nos últimos 36 meses, dado que se deve entender que a expressão “anos” do artº. 44° não coincide com o “ano civil” antes se reportando a cada período de 12 meses que o compõe.
L) A taxa aplicável às presentes dividas não é a taxa de juros de mora geral, mas a taxa de desconto do Banco de Portugal.
M) Aceitar que a receita em causa, que tem manifesta natureza unilateral e resulta de uma imposição coactiva do Estado, pode ser cobrada por esta via, sem que lhe possam ser aplicadas as regras tributárias da prescrição fiscal, configura uma aplicação da lei não conforme com o Principio da Legalidade Constitucional.
N) A sentença em recurso determina a validade de uma receita claramente unilateral e a sua sujeição ao prolongado regime prescricional da lei civil, em manifesta violação do Principio da Proporcionalidade na sua vertente da adequação.
O) A norma invocada pela sentença em crise, quando interpretada no sentido de que as dividas ao INGA estão sujeitas à regra de prescrição civil, verificado que não lhes corresponde qualquer contrapartida, viola o Principio da Confiança.
P) Salvo o devido respeito foram violados os artigos 3° da LGT, art. 27° do CPCI e art. 34° do CPT, art., 44°, nº 1 da LGT, art. 86°, n.º 1 do CPPT, art. 2°, 17°, 18, e 103° da CRP.»
II - Não foram apresentadas contra alegações.
III - O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no seguinte sentido:
«Recorrente: A……, SA
Objecto do recurso: sentença declaratória da improcedência de impugnação judicial deduzida contra decisão de indeferimento de pedido de declaração de prescrição de dívida exequenda, proferida pelo órgão da execução fiscal
FUNDAMENTAÇÃO
Prescrição da dívida exequenda
1.A dívida exequenda, em fase de cobrança coerciva de processo de execução fiscal, resulta do diferencial favorável ao Fundo de Abastecimento entre o preço padrão praticado na importação de ramas de açúcar efectuadas directamente pelas empresas refinadoras e o preço derivado correspondente ao preço de venda ao público de açúcar, fixado por via administrativa pela AGA (Portaria nº 752-D/81.2 Setembro nºs 9/11, aplicável a factos tributários ocorridos entre 1981 e 1985, determinantes da dívida exequenda)
Jurisprudência consolidada do STA sustenta o entendimento de que este diferencial não tem natureza tributária, estando a prescrição das dívidas emergentes da aplicação do indicado regime legal sujeito à disciplina do Civil (acórdãos STA-SCA 11.02.1993 processo nº 26 126; STA-SCT 29.09.1993 processo nº 14 739;STA Pleno SCA 10.10.1995 processo n°21 160;STA-SCA 28.11.2002 processo n°47 818)
2.Aplicando estas considerações ao caso concreto:
a) o prazo de prescrição da dívida exequenda é de 20 anos (art.309° CCivil)
b) este prazo começou a correr a partir de 16.02.1989, data da deliberação do Conselho Directivo do INGA que fixou o montante da dívida, quando o direito de cobrança (voluntária ou coerciva) pôde ser exercido (art.306° n°1 CCivil; probatório nº 7).
c) a citação da executada em 19.12.1990 interrompeu a prescrição, não começando a correr novo prazo enquanto não for proferida decisão pelo órgão da execução fiscal que ponha termo à execução (art.327° n°1 CCivil, adaptado ao processo de execução fiscal; probatório n°13)
d) o prazo de prescrição dos juros de mora de dívida de natureza não tributária é de 5 anos, tendo igualmente sido interrompido pela citação (art.310º al. d) CCivil) Neste contexto não se verifica a prescrição da dívida não tributária exequenda e dos respectivos juros de mora
Legalidade da liquidação de juros de mora
A recorrente não questionou o erro na forma de processo, fundamento da decisão de absolvição da Fazenda Pública da instância, insistindo na discussão da legalidade da extensão e taxa aplicada na liquidação dos juros de mora (conclusões K) e L).
Sem embargo, esta questão deveria ter sido apreciada na sede própria recurso contencioso de anulação da deliberação do Conselho Directivo da INGA de 16.02.1989, que procedeu ao apuramento do valor da dívida exequenda, com inclusão dos juros de mora (probatório n°7); ou posteriormente, em sede de oposição à execução fiscal instaurada em 15.11.1990, com fundamento em eventual inexigibilidade (total ou parcial) dos juros de mora, na sequência da citação efectuada em 19.12.1990.
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada de ser confirmada»
4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
5- Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:
• Em 1981, a A……, S.A, doravante simplesmente “A……”, iniciou um processo de importação de ramas de açúcar, ao abrigo de um regime negociado que tinha em vista a preparação das estruturas empresariais para a entrada nacional no mercado comunitário.
• O regime negociado pressupunha a intervenção do “Fundo de Abastecimento” que tinha por finalidade a estabilidade do preço de venda do açúcar ao consumidor.
• No quadro desse regime, a ora impugnante teria contraído um conjunto de dívidas para com o “Fundo de Abastecimento”, emergentes da aplicação do “regime de diferenciais de preços”, relativas a factos que ocorreram entre 1981 e 1985.
• Pelo Decreto-Lei n.º 95/86, de 13/05 foi extinto o Fundo de Abastecimento - cfr. teor do Despacho n.º 172/86-X, publicado no DR, II Série, n.º 32, em 07/02/1987.
• A Direcção-Geral do Tesouro assumiu os créditos e débitos do extinto Fundo de Abastecimento relativamente a cada uma das empresas refinadoras de açúcar - cfr. o teor do mesmo Despacho de 31/12/1986 do Ministro das Finanças.
• Este “Fundo de Abastecimento” foi posteriormente substituído na função reguladora pelo “Instituto Nacional de Garantia Agrícola” (INGA), a quem foi atribuída competência para cobrança de dívidas activas do anterior Fundo de Abastecimento.
• Em decorrência desta competência e no âmbito das relações jurídicas estabelecidas entre a A…… e as entidades reguladoras, o Conselho Directivo do INGA procedeu ao apuramento do valor da dívida, por deliberação tomada em 16/02/1989, posteriormente ratificada em 23/03/1989, cujo teor relevante aqui se transcreve; “(...) fica definido unilateralmente por acto administrativo definitivo e executório pelo qual se ordene o pagamento de uma quantia determinada, se...
1 – A……, S.A., melhor identificada nos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto de 25 de Maio de 2011, que julgou improcedente a impugnação deduzida contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças do Porto, proferido no âmbito do processo de execução fiscal nº 33870020104431, despacho esse que lhe indeferiu o pedido de prescrição de divida, liquidada pelo extinto INGA.
Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«A) O acto controvertido que ocasionou a execução fiscal materializa-se numa deliberação do INGA através da qual foi exigido à Alegante o pagamento da quantia de 1.548.122.323$00 emergente da aplicação do regime de diferenciais de preços entre os custos de importação e os custos fixados para o abastecimento de ramas às refinarias, nos anos de 1981 e 1985.
B) O acto em crise configura um tipo legal integrável nos impostos (cfr. art. 3° da LGT).
C) As receitas liquidadas pelo INGA e exigidas à Alegante não postulam qualquer relação individual relativamente à qual se identifique um sinalagma. Tratam-se de valores fixados autoritariamente pelo Estado no exercício de um poder tributário conferido pelas normas invocadas no título executivo.
D) A dívida subjacente à aplicação do regime de diferenciais de preços entre os custos de produção e os preços fixados administrativamente para o abastecimento de ramas às refinarias consubstancia uma verdadeira obrigação tributária.
E) Como obrigação tributária, regem-se pelas leis que constituem o ordenamento jurídico tributário, designadamente, pelo Código de Processo das Contribuições e Impostos, pelo Código de Processo Tributário, pela Lei Geral Tributária e por último, pelo Código de Procedimento e Processo Tributário, que revogou o primeiro.
F) O prazo prescricional aplicável à relação tributária em apreço é de 10 anos, por força da aplicação do art. 34º do CPT.
G) O prazo começou a contar em 1982, 1983, 1984, 1985 ou 1986, consoante o respectivo facto gerador tenha ocorrido em 1981, 1982, 1983, 1984 ou 1985.
H) O prazo de prescrição interrompeu-se com a impugnação pela A…… da deliberação do INGA apresentada em 25.05.1989 e reatou a sua contagem em 06.02.1992 (por força da abstinência processual por período superior a um ano).
I) O prazo de prescrição tomou-se completo em 1 de Julho de 2001.
J) As obrigações tributárias prescreveram em 1. de Julho de 2001.
K) Nos termos do artº 44° nº 2 da LGT, à Alegante apenas poderão ser exigidos os juros moratórias contados nos últimos 36 meses, dado que se deve entender que a expressão “anos” do artº. 44° não coincide com o “ano civil” antes se reportando a cada período de 12 meses que o compõe.
L) A taxa aplicável às presentes dividas não é a taxa de juros de mora geral, mas a taxa de desconto do Banco de Portugal.
M) Aceitar que a receita em causa, que tem manifesta natureza unilateral e resulta de uma imposição coactiva do Estado, pode ser cobrada por esta via, sem que lhe possam ser aplicadas as regras tributárias da prescrição fiscal, configura uma aplicação da lei não conforme com o Principio da Legalidade Constitucional.
N) A sentença em recurso determina a validade de uma receita claramente unilateral e a sua sujeição ao prolongado regime prescricional da lei civil, em manifesta violação do Principio da Proporcionalidade na sua vertente da adequação.
O) A norma invocada pela sentença em crise, quando interpretada no sentido de que as dividas ao INGA estão sujeitas à regra de prescrição civil, verificado que não lhes corresponde qualquer contrapartida, viola o Principio da Confiança.
P) Salvo o devido respeito foram violados os artigos 3° da LGT, art. 27° do CPCI e art. 34° do CPT, art., 44°, nº 1 da LGT, art. 86°, n.º 1 do CPPT, art. 2°, 17°, 18, e 103° da CRP.»
II - Não foram apresentadas contra alegações.
III - O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no seguinte sentido:
«Recorrente: A……, SA
Objecto do recurso: sentença declaratória da improcedência de impugnação judicial deduzida contra decisão de indeferimento de pedido de declaração de prescrição de dívida exequenda, proferida pelo órgão da execução fiscal
FUNDAMENTAÇÃO
Prescrição da dívida exequenda
1.A dívida exequenda, em fase de cobrança coerciva de processo de execução fiscal, resulta do diferencial favorável ao Fundo de Abastecimento entre o preço padrão praticado na importação de ramas de açúcar efectuadas directamente pelas empresas refinadoras e o preço derivado correspondente ao preço de venda ao público de açúcar, fixado por via administrativa pela AGA (Portaria nº 752-D/81.2 Setembro nºs 9/11, aplicável a factos tributários ocorridos entre 1981 e 1985, determinantes da dívida exequenda)
Jurisprudência consolidada do STA sustenta o entendimento de que este diferencial não tem natureza tributária, estando a prescrição das dívidas emergentes da aplicação do indicado regime legal sujeito à disciplina do Civil (acórdãos STA-SCA 11.02.1993 processo nº 26 126; STA-SCT 29.09.1993 processo nº 14 739;STA Pleno SCA 10.10.1995 processo n°21 160;STA-SCA 28.11.2002 processo n°47 818)
2.Aplicando estas considerações ao caso concreto:
a) o prazo de prescrição da dívida exequenda é de 20 anos (art.309° CCivil)
b) este prazo começou a correr a partir de 16.02.1989, data da deliberação do Conselho Directivo do INGA que fixou o montante da dívida, quando o direito de cobrança (voluntária ou coerciva) pôde ser exercido (art.306° n°1 CCivil; probatório nº 7).
c) a citação da executada em 19.12.1990 interrompeu a prescrição, não começando a correr novo prazo enquanto não for proferida decisão pelo órgão da execução fiscal que ponha termo à execução (art.327° n°1 CCivil, adaptado ao processo de execução fiscal; probatório n°13)
d) o prazo de prescrição dos juros de mora de dívida de natureza não tributária é de 5 anos, tendo igualmente sido interrompido pela citação (art.310º al. d) CCivil) Neste contexto não se verifica a prescrição da dívida não tributária exequenda e dos respectivos juros de mora
Legalidade da liquidação de juros de mora
A recorrente não questionou o erro na forma de processo, fundamento da decisão de absolvição da Fazenda Pública da instância, insistindo na discussão da legalidade da extensão e taxa aplicada na liquidação dos juros de mora (conclusões K) e L).
Sem embargo, esta questão deveria ter sido apreciada na sede própria recurso contencioso de anulação da deliberação do Conselho Directivo da INGA de 16.02.1989, que procedeu ao apuramento do valor da dívida exequenda, com inclusão dos juros de mora (probatório n°7); ou posteriormente, em sede de oposição à execução fiscal instaurada em 15.11.1990, com fundamento em eventual inexigibilidade (total ou parcial) dos juros de mora, na sequência da citação efectuada em 19.12.1990.
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada de ser confirmada»
4 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
5- Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:
• Em 1981, a A……, S.A, doravante simplesmente “A……”, iniciou um processo de importação de ramas de açúcar, ao abrigo de um regime negociado que tinha em vista a preparação das estruturas empresariais para a entrada nacional no mercado comunitário.
• O regime negociado pressupunha a intervenção do “Fundo de Abastecimento” que tinha por finalidade a estabilidade do preço de venda do açúcar ao consumidor.
• No quadro desse regime, a ora impugnante teria contraído um conjunto de dívidas para com o “Fundo de Abastecimento”, emergentes da aplicação do “regime de diferenciais de preços”, relativas a factos que ocorreram entre 1981 e 1985.
• Pelo Decreto-Lei n.º 95/86, de 13/05 foi extinto o Fundo de Abastecimento - cfr. teor do Despacho n.º 172/86-X, publicado no DR, II Série, n.º 32, em 07/02/1987.
• A Direcção-Geral do Tesouro assumiu os créditos e débitos do extinto Fundo de Abastecimento relativamente a cada uma das empresas refinadoras de açúcar - cfr. o teor do mesmo Despacho de 31/12/1986 do Ministro das Finanças.
• Este “Fundo de Abastecimento” foi posteriormente substituído na função reguladora pelo “Instituto Nacional de Garantia Agrícola” (INGA), a quem foi atribuída competência para cobrança de dívidas activas do anterior Fundo de Abastecimento.
• Em decorrência desta competência e no âmbito das relações jurídicas estabelecidas entre a A…… e as entidades reguladoras, o Conselho Directivo do INGA procedeu ao apuramento do valor da dívida, por deliberação tomada em 16/02/1989, posteriormente ratificada em 23/03/1989, cujo teor relevante aqui se transcreve; “(...) fica definido unilateralmente por acto administrativo definitivo e executório pelo qual se ordene o pagamento de uma quantia determinada, se...
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