Acórdão nº 091/20.8BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11-03-2021

Data de Julgamento11 Março 2021
Número Acordão091/20.8BALSB
Ano2021
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
A………… e B…………, com os sinais nos autos, vêm interpor acção administrativa comum de impugnação do despacho da Senhora Conselheira Procuradora Geral da República de 29.05.2020 que indeferiu a impugnação administrativa por ambos deduzida contra o despacho nº 14/2020 de 19.03.2020 do Procurador Geral Regional de Lisboa, proferido em substituição, confirmando-o nos efeitos ordenados de atribuição aos AA em regime de exclusividade de funções o acompanhamento dos termos do procº nº ......... pendente no Juízo 1 do Tribunal de Comércio de Lisboa e relativo à liquidação judicial do C…………, mais determinando a apresentação dos AA em 23.06.2020 nos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal de Comércio de Lisboa para efeitos de assumirem o acompanhamento dos citados autos.
Para tanto e em síntese, os AA alegam que:
a) tal competência cabe no âmbito dos poderes do CSMP por se tratar de reafectação de magistrados, nos termos expressos do artº 21º nº 2 a) e artº 77º nº 2 EMP
b) a decisão da impugnação administrativa deduzida contra o despacho do Procurador-geral regional compete ao CSMP e não ao Procurador-Geral da República, nos termos do artº 21º nº 2 g) EMP, sendo esta entidade incompetente em razão da matéria.

Concluem peticionando como segue:
a) A anulação do Despacho de Sua Excelência a Conselheira Procuradora-Geral da República, ora Demandada, de 29.05.2020, notificado aos AA nessa mesma data, que indeferiu a impugnação administrativa por estes apresentada do Despacho n.º 14/2020, de 19.03.2020, do Senhor Procurador-Geral Regional de Lisboa, em substituição, confirmando-o, e determinou a apresentação dos Autores no Juízo de Comércio de Lisboa em 23.06.2020 para dar cumprimento ao mesmo, por incompetência material para conhecer da referida impugnação administrativa;
Caso assim não se entenda:
b) A anulação do Despacho de Sua Excelência a Conselheira Procuradora-Geral da República, ora Demandada, de 29.05.2020, notificado aos Autores nessa mesma data, que indeferiu a impugnação administrativa por estes apresentada do Despacho n.º 14/2020, de 19.03.2020, do Senhor Procurador-Geral Regional de Lisboa, em substituição, confirmando-o, e determinou a apresentação dos AA no Juízo de Comércio de Lisboa em 23.06.2020 para dar cumprimento ao mesmo, bem como do aludido Despacho n.º 14/2020 e de todos os actos administrativos subsequentes àqueles que lhe venham a dar cumprimento, por estar ferido de inconstitucionalidade e ilegalidade;
c) A condenação da Demandada a repor os AA na situação em que os mesmos estariam caso o acto ora impugnado não tivesse sido praticado, com as legais consequências;


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Devidamente citada, a Entidade Requerida, contestou pugnando pela total improcedência da acção, alegando, em síntese, que:
a) O Despacho da Demandada não é inválido, não invade a esfera de competência do CSMP, não afecta a autonomia do Ministério Público e dos Magistrados Autores, não enferma de qualquer outro vício, também não sustenta entendimento em violação da lei e das normas constitucionais invocadas que foram inteiramente cumpridas;
b) Para assumirem o processo de liquidação do C............ o consentimento ou aceitação prévia dos AA não era essencial, pelo regime constante do artº 95º nº 1 als. a) e b) da LTFP que dispensa o acordo do trabalhador caso o novo local de trabalho se situe “até 60 km, inclusive, do local de residência” e “em concelho integrado na área metropolitana (de Lisboa ou na área metropolitana do Porto ou em concelho confinante”, residindo os Senhores Magistrados neste caso numa das referidas áreas metropolitanas;
c) O artº 68º nº 1 al. g) tem por escopo operacionalizar a já referida desconcentração vertical, territorial e funcional (artº 14º nº 1 al. e) do EMP), atribuindo ao superior hierárquico mais próximo do tribunal onde pende o processo problemático que cumpre destacar, com poderes de direcção e conhecimento directo de causa, para dar solução a um problema de gestão de serviço, mediante a atribuição do processo problemático, em exclusividade de funções e a título temporário, a outro magistrado que não o respectivo titular (por motivo de “razões ponderosas de especialização, complexidade processual ou repercussão social” o justifiquem).
d) Inexistindo violação de lei, designadamente do artº 219º nºs. 2 e 4 da CRP, na parte em que estabelece que os agentes do Ministério Público não podem ser transferidos senão nos casos previstos na lei, ou dos artigos 99º e 152º, 21º nº 2 alíneas a) e g), 91º, 92º, todos do EMP e 169º nº 6 do CPA.


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As questões que cumpre ao Tribunal conhecer envolvem as seguintes temáticas: poder directivo do superior hierárquico; hierarquia administrativa e hierarquia laboral; gestão de quadros e gestão de serviço; jus variandi e mobilidade geográfica.


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Com fundamento na admissão por acordo das partes no domínio dos respectivos articulados, bem como nos documentos juntos aos autos e ao procedimento administrativo, cujo teor não foi impugnado pela parte contrária ao apresentante, julgam-se provados os seguintes factos

A. O Requerente A………… é magistrado do Ministério Público, com a categoria de Procurador da República, encontrando-se colocado na área cível de ........., a exercer funções no Tribunal do Comércio de ………, Comarca de Lisboa-Norte, na sequência do movimento extraordinário de magistrados do Ministério Público, com efeitos a partir de 01.09.2014, por deliberação do Conselho Superior do Ministério Público (adiante, “CSMP”) n.º 1697/2014, de 15.07.2014 e de 21.08.2014, publicada no DR, 2.a Série, n.º 167, de 01.09.2014 (Doc. n.º 1).
B. O Requerente A………… foi também nomeado Coordenador Sectorial da Área Cível da Comarca de Lisboa-Norte, por deliberação do CSMP de 07.10.2014, sob proposta do Exmo. Sr. Procurador Coordenador da Comarca de Lisboa-Norte, funções estas que vem exercendo desde então (Doc. n.º 2).
C. A Requerente B………… é magistrada do Ministério Público, com a categoria de Procuradora da República, encontrando-se colocada na área cível de ........., a exercer funções no Tribunal do Comércio de ……… Comarca de Lisboa-Oeste, na sequência do movimento ordinário de magistrados do Ministério Público, com efeitos a partir de 01.09.2017, por deliberação do CSMP n.º 807/2017, de 11.07.2017, publicada em DR, 2.a Série, n.º 168, de 04.09.2017 (Doc. n.º 3).
D. A Requerente B………… foi também nomeada para exercer funções de coadjuvação da magistrada do Ministério Público Coordenadora da Comarca de Lisboa-Oeste, através da Ordem de Serviço n.º 10/2020, de 04.03.2020, emitida pela Exma. Procuradora Coordenadora da Comarca de Lisboa-Oeste, ao abrigo do Acórdão do Plenário do CSMP, de 11.02.2020, onde foi deliberado que a seleção de dirigentes e de coordenação processual se inseria nos poderes dos magistrados do Ministério Público Coordenadores de Comarca (art.º 75.°, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de Agosto - adiante, “EMP” - e art.º 101.°, n.º 1, alínea d), da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, na redação vigente à data - adiante, “LOSJ”) até à sua regulamentação no próximo movimento de magistrados (Doc. n.º 4).
E. Em 19.03.2020, os Requerentes foram notificados, via SIMP, do Despacho n.º 14/2020, de 19.03.2020, do Sr. Procurador-Geral Regional de Lisboa, em substituição (Doc. n.º 5).
F. Nos termos de tal Despacho os Requerentes foram designados em regime de exclusividade de funções para acompanharem o processo n.º ........., que corre termos no Tribunal do Comércio de Lisboa - Comarca de Lisboa, vulgarmente designado como processo de liquidação judicial do C.............
G. Previamente à designação dos Requerentes pelo referido Despacho n.º 14/2020, o aludido processo foi acompanhado, em exclusividade, durante mais de 2 anos, pelo Sr. Procurador da República Dr. D.............
H. O sobredito Procurador da República concorreu no último movimento de magistrados do Ministério Público, vindo a ser colocado no Departamento Central de Contencioso do Estado e de Interesses Coletivos e Difusos (adiante, “DCCEICD”). 
I. No âmbito das diligências encetadas com vista a determinar o futuro do acompanhamento do processo em questão, pronunciou-se o então Sr. Procurador- Geral Regional de Lisboa no sentido de “(...) Na sequência de conversa que tive com a senhora Procuradora-Geral da República, contactei com o Dr. D............ que me afirmou que a complexidade e o tempo previsível que ainda vai decorrer o processo de Insolvência do C............, inviabilizará a sua afectação ao contencioso do Estado. Por isso, entende que deve ser designado outro magistrado para assegurar a continuidade do processo. Deste modo, pretende ficar, em exclusivo, no Departamento do Contencioso do Estado. Deste modo, embora se me afigure que tal situação pode prejudicar a qualidade de intervenção do MP e exigir esforços acrescidos a um novo magistrado que aí seja colocado, penso que deve ser solicitada informação sobre esta problemática ao Dr. E………… [magistrado do Ministério Público Coordenador da Comarca de ………], bem como possibilidade de afectar um novo magistrado ao processo. (...)." (conforme comunicação via SIMP constante de fls. 2 da Certidão junta como Doc. n.° 6).
J. No seguimento da aludida comunicação do Sr. Procurador-Geral Regional de Lisboa, veio o Magistrado do Ministério Público Coordenador da Comarca de Lisboa, a emitir a sua pronúncia, mediante comunicação dirigida ao Sr. Procurador-Geral Regional de Lisboa e ao Gabinete da Sra. Procuradora- Geral da República, datada de 26.12.2019, nos termos da qual referiu, entre outros aspetos, o seguinte:“(...) o Sr. Procurador da República, Dr. D............ acompanha o processo de liquidação judicial do C............ há mais de 2 anos, em exclusividade. Com efeito, de acordo com a...

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