Acórdão nº 09006/12 de Tribunal Central Administrativo Sul, 11-02-2016

Judgment Date11 February 2016
Acordao Number09006/12
Year2016
CourtTribunal Central Administrativo Sul
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I - RELATÓRIO
Maria ………….. e marido José ………. intentaram no TAF do Funchal acção administrativa comum, sob a forma ordinária, contra o Município do Porto Moniz e I…….. – ………….., SA, na qual peticionaram a condenação destes no pagamento da quantia de € 35 000 – acrescida de juros desde a citação até integral pagamento -, assim discriminada:
1) pelo dano morte, resultante da perda da vida da vítima, € 20 000;
2) pelos danos morais que sofreram € 15 000.

Na audiência preliminar realizada em 20.9.2011 a ré I…. – Investimentos …………., SA, foi absolvida da instância, por falta de legitimidade.

Por sentença 17.2.2012 proferida pelo referido tribunal foi o réu (Município do Porto Moniz) condenado a pagar aos autores:
- a título de indemnização pelo dano morte, a quantia de € 20 000;
- a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 10 000.

Inconformado, o réu Município do Porto Moniz interpôs recurso jurisdicional para este TCA Sul dessa sentença, tendo na alegação apresentada formulado as seguintes conclusões:

“ Texto no original”.

II - FUNDAMENTAÇÃO
Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:
“1 - Por protocolo celebrado em 2004, entre o I………, a Secretaria Regional do Ambiente e Recursos Naturais e a Câmara Municipal de Porto Muniz, esta assumiu a gestão e exploração do poço denominado Lagoa do Chão do Bardo, cujo teor da Clausula Segunda se dá por reproduzida para todos os efeitos legais e, no que interessa para a decisão da causa se reproduz:
(…) a Câmara Municipal de Porto Muniz, se obriga a manter em bom estado de funcionamento, conservação e segurança a Lagoa do Bardo e as infra-estruturas associadas, efectuando as reparações, renovações e adaptações necessárias ao respectivo funcionamento, englobando nomeadamente as seguintes actividades:
g) limpeza e manutenção das infra-estruturas hidráulicas de captação, transporte e adução Lagoa do Bardo, incluindo a Levada dos Brasileiros (plataforma, açudes de captação, galeria e canal) desde as suas origens até à Lagoa do Bardo, o sistema de drenagem da Estrada Regional 204, numa extensão total de 1.400 metros, no trecho compreendido entre a “Fonte da Pedra” e e Lagoa do Bardo, a estrutura de captação no córrego marginal á Lagoa do Bardo & a sua conduta de derivação de caudais e os órgãos de entrada para dissipação de energia, de decantação e de descarga,
h) e limpeza e manutenção da Lagoa do Bardo (incluindo uma limpeza de fundo anual obrigatória) e das respectivas áreas circundantes, incluindo as estruturas hidráulicas de descarga:
i) a limpeza e manutenção do acesso envolvente:
j) os serviços de operação e de vigilância
k) os serviços de reparação corrente e estrutural ou por uso indevido das instalações;
l) Os serviços de distribuição de água. »
(Cf, doc de fls.35 a 39 dos autos)
2 – José António ………….. (doravante designado por José António), filho de José ………… e Maria …………, entrou na Lagoa/poço identificada em A) no dia 26 de Abril de 2008, onde veio a falecer.
(Doc. 1 junto com a P1)
3 - José António tinha 30 anos, à data do acidente, vivia com os pais e sofria de atraso mental.
(matéria de facto assente e provada)
4 – José António sabia executar as tarefas pessoais tais como vestir, calçar, comer e andar na rua, que não executava qualquer tarefa por iniciativa própria a não ser quando levado pelos pais e irmãos e que tinha deficiência na fala.
(Quesito 3º da BI)
5 - A Lagoa/poço tem uma rede de arame em volta, suportada por uma estrutura de ferro, e encimada por várias fiadas de arame farpado horizontais, apenas com acesso através de uma porta.
(cf Fatos que Doc. Se 4 juntos com a P1 e Doc.1 e 2 juntos com a Contestação)
6 - A vedação é visível a qualquer pessoa, sem qualquer aviso de proibição de entrada ou de perigo.
(cf. doc. 3 e 4 juntos com a P1 e 1 e 2 juntos com a contestação e facto apurado pelo tribunal em inquirição de testemunhas)
7 - O buraco existia na rede há mais de um ano.
(Quesito 11º da BI)
8 - No dia do acidente, José António ………. entrou no poço/Lagoa através de um buraco existente na rede de protecção do mesmo.
(Quesito 1º da BI)
9 - No dia 26 de Abril de 2008, José António ……… encontrava-se a cuidar do gado ovino nas imediações daquele Lagoa/poço, deixado por sua irmã Maria ………, cerca de 20 minutos meia hora, antes do acidente.
(assente por acordo)
10 - Os Bombeiros de São Vicente e Porto Moniz, chamados pela irmã Zita …….., deslocaram-se ao local bem como o Sanas, numa equipa munida de um bote e de uma viatura para socorrer José António que tinha caído na Lagoa/poço.
(assente por acordo)
11 – O acidente ocorreu pelas 14.00 horas
(Quesito 7º da BI – Por relatório da autópsia do Instituto de Medicina Legal, fls. 84 a 89 dos autos.)
12 – José António deixou a roupa no exterior e entrou no recinto do poço para se banhar, era um dia de muito calor.
(Quesito 5º da BI)
13 – José António não sabia nadar.
(Quesito 6º da BI)
14 - O corpo de José António foi resgatado pelos bombeiros que tiveram de proceder à técnica de varrimento do fundo.
(assente por acordo)
15 - O corpo foi resgatado pelos bombeiros, por volta das 18:00horas, sem escoriações e com as mãos e unhas sujas do lodo da Lagoa.
(assente por acordo)
16 – José António faleceu por afogamento.
(Quesito 4º da BI – Por relatório da autópsia do Instituto de Medicina Legal, fls. 84 a 89 dos autos.)
17 – Os funcionários do Réu deslocavam-se periodicamente ao lugar da Lagoa do Bardo para desentupir a saída da água e faziam remendos na rede quando viam buracos na mesma, alertando verbalmente para o efeito, o Sr. Vereador da Câmara de quem dependiam hierarquicamente.
(Quesito 11º da BI)
18 - A vedação foi reparada com nova rede no início da semana seguinte ao dia do acidente.
(Quesito 14º da BI)
19 – Os Autores sofreram um grande abalo com a morte do filho José António, ficaram em estado de choque durante muito tempo e tiveram grande sofrimento e tristeza e dor.
(Quesito 15º, 16º, 17º e 18º da BI)
20 – Os autores são de idade avançada e a presença do filho facilitava-lhes a vida na lida do gado e para carregar pesos.
(Quesito 19º da BI)
21 – Com a morte do filho, os autores tiveram de deixar algumas tarefas de agricultura por já não terem idade e não lhes ser possível fazê-las.
(Quesito 20º da BI)”.
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Presente a factualidade antecedente, cumpre entrar na análise dos fundamentos do presente recurso jurisdicional.

As questões suscitadas pelo recorrente resumem-se, em suma, em determinar se a decisão recorrida:

- é nula (cfr. conclusão 16ª, das alegações de recurso);

- incorreu em erro na fixação da matéria de facto dada como provada (cfr. conclusões 1ª a 3ª e 16ª, das alegações de recurso);

- enferma de erro ao ter julgado procedente a acção (cfr. conclusões 4ª a 14ª e 16ª, das alegações de recurso);

- incorreu em erro na fixação dos montantes indemnizatórios (cfr. conclusões 15ª e 16ª, das alegações de recurso).

Passando à apreciação da questão respeitante à nulidade da decisão recorrida

O recorrente invoca que a decisão recorrida viola o art. 668º n.º 1, al. c), do CPC de 1961 (cfr. conclusão 16ª, das alegações de recurso), ou seja, invoca a respectiva nulidade.

Apreciando.

Dispõe o art. 668º n.º 1, do CPC de 1961, que:
“É nula a sentença quando:
(…)
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
(…).

Quanto à nulidade prevista na al. c) do n.º 1 deste art. 668º, ensina Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª Edição, 2003, págs. 49 e 50, que, “Na alínea c) do n.° 1 do art. 668.°, a lei refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.

(…)
Registe-se que a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão-pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento”.

Ora, no caso sub judice não se verifica qualquer contradição entre os fundamentos (de acordo com os quais se verificam os pressupostos da responsabilidade civil: prática de um facto, ilicitude, culpa do agente, dano e nexo de causalidade) e a decisão (na qual se determina a procedência da acção), sendo certo que, uma eventual errada interpretação das normas jurídicas, configura erro de julgamento e não nulidade da decisão recorrida.

Assim, não se verifica a nulidade imputada à decisão recorrida, pelo que tem de improceder a presente arguição de nulidade.


Passando à apreciação da questão respeitante ao alegado erro da decisão sobre a matéria de facto

Invoca o recorrente que os factos 2º, 3º e 7º a 13º, da base instrutória, devem ter uma resposta distinta da dada pelo tribunal (cfr. conclusões 1ª a 3ª e 16ª, das alegações de recurso).


Dispõe o art. 685º-B, do CPC de 1961, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, o seguinte:
1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade...

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