Acórdão nº 08P3702 de Supremo Tribunal de Justiça, 13-07-2009
Data de Julgamento | 13 Julho 2009 |
Case Outcome | CONCEDIDO PARCIALMENTE PROVIMENTO |
Classe processual | RECURSO PENAL |
Número Acordão | 08P3702 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Em autos de processo comum colectivo (n.º 353/03.9TAOLH, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Olhão da Restauração), o Círculo Judicial de Faro proferiu acórdão, a 07-05-2007, que condenou AA pela prática de um crime de infracção de regras de construção, previsto e punido no art. 277.º, n.º 1, al. a), agravado nos termos do art. 285.º, ambos do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão.
Mais foi decidido condenar, em termos solidários, os demandados AA e G... - S... de G... I... e T..., Lda. a pagar aos demandantes BB e CC a quantia de € 211 669,22 (duzentos e onze mil seiscentos e sessenta e nove euros e vinte e dois cêntimos); aos demandantes DD e EE, a quantia de € 82 000 euros (oitenta e dois mil euros) e a quantia a apurar em posterior liquidação e correspondente à perda do seu edifício, à perda das rendas que auferiam e à perda de parte do recheio da sua habitação e à demandante FF, a quantia de € 6 000 euros (seis mil euros), a que acrescem os juros de mora, contados, à taxa legal, desde a data dessa decisão, até integral pagamento e a quantia a apurar em posterior liquidação e correspondente às despesas efectuadas com a instalação do novo estabelecimento, a que acrescem os juros de mora, contados, à taxa legal, desde a data da notificação dos aludidos demandados e até integral pagamento.
Por acórdão de 15-07-2008, o Tribunal da Relação de Évora negou provimento ao recurso interposto pelo arguido; não conheceu do recurso interposto pelos demandantes DD e EE e na parte não prejudicada pelo anteriormente decidido em matéria civil e concedeu parcial provimento ao recurso interposto pela demandante FF, modificando a matéria de facto no que concerne ao facto provado n.º 101, e, no mais, manteve integralmente o acórdão recorrido.
Com efeito, por acórdão proferido em Conferência, datado de 13-05-2008, o Tribunal da Relação já havia decidido “Declarar extinta a instância, por transacção, no respeitante ao pedido de indemnização civil formulado nos autos pelos demandantes DD e EE e não conhecer, nessa parte, do recurso pelos mesmos interposto, por inutilidade superveniente da lide”.
Mantendo-se irresignado, o arguido e a demandada cível interpuseram recurso para este Supremo Tribunal.
A - DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Foram dados por provados os seguintes factos (transcrição):
“1) O arguido AA, através da sociedade que representava e de que era sócio gerente, a G... - S.... de G... I.... e T... Lda, pelo menos durante o primeiro semestre de 2002, decidiu construir um edifício em Olhão, composto por cave e cinco pisos.
2) Para o efeito, em 02 de Agosto de 2002 foi apresentado o correspondente pedido de licença de construção à Câmara Municipal de Olhão, em nome de DD e de GG, por serem estes ainda os proprietários do prédio em causa, sendo no entanto o processo instruído e promovido pelo arguido AA, através da sociedade G... Lda, vindo o respectivo processo de licenciamento a ser averbado em nome desta sociedade em Setembro de 2003.
3) Por escritura pública de 31 de Julho de 2003, no Cartório Notarial de Olhão, a sociedade G... Lda, representada pelo arguido AA, adquiriu a GG, a EE e a DD os prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana de Olhão sob os artigos nº ..., ..., ... e ..., sitos na Rua .... nº ... e ... e na Rua ... nº ... a ..., Olhão.
4) Por permuta com uma fracção autónoma correspondente ao quarto andar recuado direito, uma fracção autónoma correspondente ao terceiro andar frente, Apartamentos tipo T2, uma fracção autónoma correspondente ao terceiro andar esquerdo, uma fracção autónoma correspondente ao quarto andar esquerdo, Apartamentos tipo T3, uma fracção autónoma destinada a comércio, correspondente ao rés do chão direito e cinco estacionamentos localizados na Cave, do prédio a construir nesses terrenos e, ainda, para igualização de valores, 25.901,18 euros, já recebidos à data da escritura.
5) Logrou, assim, o arguido AA, através da G... Lda, obter terreno contínuo, apto a nele construir o imóvel que desejava, inserido entre as Ruas ... e ..., em Olhão.
6) Em 27 de Outubro de 2003 foi emitido o Alvará de obras de construção nº ..., em nome de G... Lda, para construção de um edifício com as seguintes características:
- área total de construção – 3.317,54 m2;
- volumetria do edifício – 51.421,87 m3;
- área de implantação - 487,21 m2;
- número de pisos acima e abaixo cota soleira - 1 piso abaixo e 5 pisos acima da cota de soleira;
- cércea - 15,50 m;
- número de fogos - 2 lojas/22 fogos;
- uso a que se destina, a edificação – estacionamentos/comércio/ habitação;
- prazo para a conclusão das obras - 24 meses (24-10-2005);
- empreiteiro da obra: M... P, G.... de O..., Lda, com sede na Rua .... n.º ... - ... em Faro, NIPC ... - Alvará n.º ...;
- seguro - Apólice n.º ...., emitida em 01-08-2003 - ano e seguintes - Rural Seguros.
7) Em 15 de Outubro de 2003 já tinha sido emitido, em nome da G.... Lda, o Alvará de Obras de Demolição n.º ..., com o prazo de conclusão de 30 dias, sendo o empreiteiro C... R... & A... R... Lda, e sendo essas obras cobertas pela apólice n.º AT ..., emitida em 31-12-2002 pela companhia de seguros Império.
8) Estas obras (de demolição) traduziam-se na demolição de armazéns existentes naqueles terrenos.
9) Iniciados em 22 de Outubro de 2003, desde então foram realizados e concluídos os trabalhos de demolição dos barracões ou armazéns e de escavação do solo, até uma profundidade, junto ao edifício que veio a ruir, de aproximadamente 2,20 a 2,50 metros a partir da cota de superfície, sem que tivessem sido realizados estudos de solo.
10) Do lado norte, confinava aquele terreno com prédio, de construção antiga, mas estruturalmente seguro e sem indícios de rachas ou falhas estruturais, mormente após obras de beneficiação realizadas nas décadas de 1960, 1970 e 1980, nomeadamente após as obras que se referem à substituição da cobertura de dormentes por uma laje de betão de tipo aligeirado realizada nos finais de 1978, prédio aquele sito na Rua ..., nº ..., Olhão, com uma área coberta de 162,29 m2, constituído por rés do chão e piso superior, em bom estado de conservação e com fundações de sensivelmente um metro abaixo do solo.
11) A G... Lda, através do arguido AA, que não tinha alvará para executar as demolições e para efectuar a escavação do terreno, contratou para o efeito a sociedade S... e M... Lda que o arguido HH representava, a qual por sua vez tinha como seu trabalhador o arguido II.
12) O acordo estabelecido entre a G... Lda e a S... e M... Lda incluía a realização da escavação mas deixando a banqueta no local, já não cabendo a esta S... e M... Lda diligenciar pela retirada dessa banqueta.
13) Cabia ao arguido AA orientar, dando ordens, os manobradores das máquinas pertencentes à sociedade S... e M... Lda na fase da retirada das banquetas.
14) Durante as escavações, tal como definidas em 12), os arguidos HH e II estiveram diariamente na obra, sendo, nesta parte da escavação, o arguido HH responsável e orientador do trabalho que se ia realizando, sendo o arguido II executor, mormente das escavações, para o que usava máquinas apropriadas.
15) Atento o facto de as escavações cobrirem todo o lado do edifício que confinava de norte com o terreno em obras, e a uma cota de profundidade cerca de metro e vinte a metro e meio inferior ao início das fundações do edifício confinante (ou seja, as fundações deste ficariam um metro e vinte a um metro e meio acima da cota da base da escavação), sendo a escavação feita a toda a largura do edifício confinante, numa extensão de cerca de 17 metros, tornava-se necessário escorar ou confinar o edifício contíguo e os terrenos sobre que este assentava, para que não ocorresse desconfinamento das fundações desse edifício, e assim para que a parede desse edifício não deslizasse sobre o solo desconfinado e caísse, ou para que não caísse em virtude da queda lateral dos terrenos que a suportavam.
16) Ao longo das paredes do terreno escavado os arguidos AA e HH, ao fazer a escavação e por iniciativa deste último, deixaram um murete de terra, designado por banqueta, com cerca de dois metros e vinte a dois metros e cinquenta de altura e um metro a um metro e vinte de largura, apto e suficiente a segurar as terras dos terrenos contíguos ao buraco escavado para realização das fundações do prédio a construir (e para nele se edificar a cave do edifício), sabendo aqueles arguidos, e bem assim o arguido II, que tal banqueta era essencial para aquele fim, mormente para evitar a derrocada do edifício contíguo.
17) À medida que se fossem enchendo com betão e realizando as sapatas e os pilares de suporte, iam-se retirando as terras que constituíam as banquetas, as quais iriam sendo substituídas na sua função de escorar os terrenos e prédios contíguos, pela estrutura de suporte do prédio em construção.
18) Tais cuidados, que correspondiam a uma regra técnica da profissão e eram adequados àquele fim, estavam inscritos no livro de obra.
19) Porque o tempo estava chuvoso, o arguido AA providenciou pela colocação de mangas plásticas nas zonas onde ia sendo parcial ou totalmente retirada a banqueta e construídos os pilares, diminuindo-se assim o efeito erosivo da água nas paredes de terra dos terrenos contíguos, não tendo sido colocados plásticos junto ao edifício confinante referido em 15) dos factos assentes.
20) O arguido AA decidiu retirar totalmente a banqueta de terra que se encontrava junto ao edifício que confinava de norte com o terreno escavado, o que mandou fazer ao arguido II no dia 2 de Dezembro de 2003.
21) A retirada da banqueta de terra foi então efectuada pelo arguido II, no dia 02 de Dezembro de 2003, em obediência àquela ordem do arguido AA, sem que as sapatas e os pilares do edifício a construir estivessem armados e cheios, existindo apenas betão na base dos pilares,...
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