Acórdão nº 08P2387 de Supremo Tribunal de Justiça, 21-01-2009

Data de Julgamento21 Janeiro 2009
Case OutcomePROVIDO EM PARTE
Classe processualRECURSO PENAL
Número Acordão08P2387
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça



No âmbito do processo comum colectivo nº 488/06.6GCTVD do 2º Juízo do Tribunal da Comarca de Torres Vedras foi submetido a julgamento o arguido AA, viúvo, filho de BB e de CC, residente na Rua ..............., n.° ...,.... Algueirão Mem-Martins, Sintra, preso à ordem deste processo desde 5 de Dezembro de 2006, e recluso, desde 20-12-2007, no Estabelecimento Prisiona........... - fls. 749.
Por acórdão do Colectivo do Círculo Judicial de Torres Vedras, de 13 de Novembro de 2007, de fls. 652 a 689, depositado na mesma data, foi deliberado condenar o arguido como autor material de:
a) Um crime de maus-tratos, p. e p. pelo artigo 152°, n° 2, do Código Penal com referência ao n° 1 do mesmo preceito, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão;
b) Um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo artigo 131° e 132°, n° l, do Código Penal, na pena de 17 (dezassete) anos de prisão;
c) Um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo artigo 254°, n° 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão;
d) Operando, nos termos do disposto no artigo 77° do Código Penal, o cúmulo jurídico das penas impostas ao arguido, foi condenado na pena única de 18 (dezoito) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Foi ainda julgado o pedido de indemnização civil parcialmente procedente por provado e condenado o arguido demandado a pagar ao demandante AA a quantia de 45000 € (quarenta e cinco mil euros), acrescida de juros à taxa legal desde a data do acórdão até efectivo e integral pagamento.

Irresignado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, abrangendo apenas a parte criminal, embora no final peça a absolvição também do pedido de indemnização civil - fls. 712 a 727.
Por acórdão de 22 de Abril de 2008, o Tribunal da Relação de Lisboa deliberou - fls. 775 a 814 - negar provimento ao recurso, mantendo na íntegra o acórdão recorrido.

Inconformado, o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal, apresentando a motivação de fls. 818 a 829, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição, incluindo os realces):
O recorrente foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, por força das disposições conjugadas dos artigos 131° e 132°, d) e i) do Código Penal.
Acontece que não foram dados como provados quaisquer factos susceptíveis de consubstanciar um homicídio qualificado.
Com efeito, da prova produzida resulta que o recorrente não agiu com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados e que não persistiu na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas.
Assim como resulta que o recorrente não foi determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil.
O Tribunal de 1ª Instância reconhece de sobremaneira que não estão preenchidos os elementos do tipo de um homicídio qualificado, pois, diz o Acórdão recorrido que: "A única situação que poderia minimamente se enquadrar na alínea seria o arguido ter morto a vítima levado por motivo torpe ou fútil."
E nenhumas outras circunstâncias reveladoras de especial censurabilidade ou perversidade foram provadas.
Pelo que, salvo melhor opinião, não estão preenchidos os elementos subjectivos da prática de um crime de homicídio qualificado 131° e 132°, d) e i) do Código Penal.
Resulta da prova feita nos autos que a DD ameaçou de morte o recorrente.
A testemunha EE referiu que a DD lhe telefonava constantemente para o telemóvel a insultá-la e a fazer ameaças, dizendo designadamente que ela era uma "puta" e que "deveria ir para o Intendente".
10°
Assim como lhe terá dito: “o meu Marido não vai ser meu mas não vai ser seu nem de ninguém”.
11°
Ora o que aconteceu no dia 04 de Dezembro de 2006, foi tão só o corolário e a tentativa de concretização de todas estas ameaças por parte da DD, a qual tentou matar o marido com um cutelo.
12°
O recorrente actuou pois para repelir uma agressão actual e ilícita contra a sua vida, ou seja actuou em legitima defesa, sendo esta uma das causas de exclusão da ilicitude nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 31° e 32° do Código Penal.
13°
E ainda que assim se não entendesse, haverá que com o devido respeito concluir, que a existe um erro na determinação da norma aplicável ao homicídio ao entender ser essa norma o artigo 132° do Código Penal, quando na realidade os factos praticados não consubstanciam um homicídio qualificado, mas sim um homicídio privilegiado e, consequentemente, a norma aplicar é o artigo 133° do Código Penal.
14°
Sendo que o Tribunal não teve em devida consideração que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, bem como, que na determinação concreta da pena o Tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente, (vide artigo 71° do CP.)
15°
Ora, no caso dos autos tratou-se de um acto isolado sendo as exigências de prevenção geral e especial praticamente inexistentes e a culpa do recorrente reduzida.
16°
Também não foi tido em consideração o facto de o recorrente ser primário, ser uma pessoa trabalhadora, respeitada e admirada por todos aqueles que com ele se relacionam no dia a dia, e ter filhos menores que precisam da sua assistência e carinho.
17°
Pelo que o Acórdão recorrido viola o disposto nos artigos, 31°, 32°, 132°, 133°, 71° e 72° do Código Penal, normas essas que deveriam ter sido interpretadas e aplicadas conforme exposto.
No provimento do recurso pede a revogação da decisão recorrida e a sua absolvição.

O Mº Pº junto da Relação de Lisboa apresentou a resposta de fls. 836 a 838, dizendo que as questões suscitadas no presente recurso já o tinham sido no recurso interposto do acórdão da 1ª instância, sendo a argumentação agora utilizada a que o foi no anterior recurso, finalizando com as seguintes conclusões:
1 – O Tribunal de 1ª instância fez uma correcta apreciação da prova, com observância do disposto no art. 127º do CPP.
2 – Face à matéria de facto provada não merece censura a qualificação jurídico-penal feita pelo acórdão de 1ª instância.
3 – As penas parcelares e pena única aplicadas afiguram-se justas e adequadas pelo que não merece censura a decisão recorrida.
4 - Não merece pois censura o douto acórdão deste Tribunal da Relação ao negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.
5 – Deve negar-se provimento ao presente recurso e confirmar-se o Acórdão recorrido.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer de fls. 865 a 870, pronunciando-se pelo acerto da qualificação do crime de homicídio, invocando o acórdão de 21-05-2008, processo n.º 1224/08-5ª, embora parecendo propugnar o preenchimento das qualificativas de motivo fútil e de uso de meio especialmente perigoso, admitindo a colocação da questão de recorribilidade no que toca à pena pelo crime de maus tratos, e defendendo a procedência parcial do recurso no que concerne à medida da pena, por entender justificar-se alguma redução, ainda que ligeira das penas.

Cumprido o artigo 417º, n.º 2, do CPP, o arguido silenciou.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


A deliberação recorrida ocorreu já em plena vigência do Código de Processo Penal na versão introduzida pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007, sendo aplicável o novo regime, por não se colocar qualquer das situações previstas no n.º 2 do artigo 5.º do CPP.
Passou a dispor o n.º 5 do artigo 411º, do CPP: “No requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação que pretende ver debatidos”.
Não tendo sido requerida audiência por qualquer dos recorrentes, e aplicando-se a lei nova, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos do artigo 419º, n.º 3, alínea c), do CPP.
*

Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, referidos no artigo 410º, n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Penal - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido (artigo 412º, nº 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.


Questões a decidir

Face às conclusões enunciadas pelo recorrente no presente recurso, as questões a apreciar e decidir são:

I - Errada valoração da prova - arguição conducente a integração de legítima defesa – conclusões 8ª a 12ª.

II – Alteração da qualificação jurídica do crime de homicídio qualificado, pugnando pela desqualificação ou integração no crime de homicídio privilegiado – conclusões 1ª a 7ª e 13ª.

III - Medida da penaredução das penas aplicadas pelo homicídio qualificado e maus tratos? - conclusões 14ª a 16ª.


Questões prévias


I -Oficiosamente, colocar-se-á a questão da admissibilidade ou inadmissibilidade do recurso por reedição/renovação da motivação e das conclusões apresentadas no anterior recurso interposto para o Tribunal da Relação de Lisboa, o que foi anotado pelo Mº Pº, na sua resposta, embora sem extrair daí qualquer consequência.

II - Por outro lado, no que tange à medida das penas, será de colocar a questão da recorribilidade do acórdão condenatório na parte em que aplica pena de prisão pelo crime de maus tratos a cônjuge - artigo 400º, nº 1, alíneas e) e f), do CPP.

Factos Provados

Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as
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