Acórdão nº 0835/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20-06-2018

Data de Julgamento20 Junho 2018
Número Acordão0835/17
Ano2018
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2946/15.6BESNT

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A………………, S.A.” (adiante Impugnante ou Recorrente) interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que a Juíza do Tribunal Tributário de Sintra julgou improcedente a impugnação judicial contra as liquidações de Imposto de Selo (IS) que a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Recorrida) efectuou àquela sociedade com referência ao ano de 2014 e a diversos terrenos para construção, cuja edificação, autorizada ou prevista, é para habitação, de que é proprietária.

1.2 O recurso foi admitido e a Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor:

«(a) As liquidações contestadas são ilegais por inconstitucionalidade material do então vigente artigo 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, ao abrigo do qual as mesmas foram efectuadas, por violação do princípio da igualdade, que exige que sejam tributados de forma igual os que dispõem de igual capacidade contributiva e de forma diferente os que dispõem de diferente capacidade contributiva, na proporção dessa diferença.

(b) É que nenhuma diferença existe entre a capacidade contributiva de um proprietário de um prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000 e a de um proprietário de um prédio urbano com o mesmo valor patrimonial tributário de tipo diferente, já que os prédios têm igual valor económico e capacidade de gerar rendimento (e por isso têm o mesmo valor patrimonial tributário), pelo que facultam igual medida de capacidade contributiva aos seus titulares.

(c) No entanto, o primeiro dos proprietários antes referidos era tributado no Imposto do Selo em análise, enquanto o segundo o não era. Era desta forma violado o princípio constitucional da igualdade na sua vertente de igualdade horizontal.

(d) A violação daquele princípio constitucional na sua vertente de igualdade horizontal era igualmente patente na comparação entre proprietários de prédios habitacionais ou terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000, já que decorria da opção do legislador ordinário que o proprietário de um prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000 de valor patrimonial tributário de € 1.000.000 era tributado, enquanto o proprietário de dez prédios do mesmo tipo de valor patrimonial tributário individual de € 100.000 o não era, quando ambos detêm prédios habitacionais ou terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, é para habitação com cujo valor patrimonial tributário ascende a € 1.000.000.

(e) E decorria também da opção do legislador ordinário que o proprietário de um prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação de valor patrimonial tributário de € 1.000.000 era tributado, enquanto o proprietário de dez prédios com afectação habitacional de valor patrimonial tributário de € 999.999,99 o não era, quando o segundo detém prédios cujo valor patrimonial ascende a € 9.999.999,90, ou seja, praticamente dez vezes maior do que o primeiro, em flagrante violação do princípio constitucional da igualdade na sua vertente de igualdade vertical.

(f) O Tribunal a quo não aceitou a argumentação da Recorrente, invocando para o efeito o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 568/2016, que, no entanto, tem subjacentes factos que não são equivalentes aos subjacentes à presente impugnação, desde logo porque o sujeito passivo de imposto era naquele caso uma pessoa singular, enquanto a Recorrente é uma pessoa colectiva.

(g) É por este motivo que no acórdão n.º 590/2015 o Tribunal Constitucional utiliza conceitos como “indicadores de riqueza”, “manifestações de riqueza”, “igualdade entre os cidadãos” e “níveis de riqueza”, que, na linguagem corrente (e não se vê que outra seja aqui de considerar), são utilizados relativamente a pessoas singulares, os “cidadãos”, sujeitos a “imposto sobre os rendimentos pessoais”.

(h) Da mesma forma, a argumentação analisada no acórdão em referência não é equivalente à sujeita a escrutínio nos presentes autos, já que a análise efectuada pelo Tribunal Constitucional partiu da comparação entre contribuintes com patrimónios de natureza diferente, e não, como a Recorrente aqui preconiza ser também relevante, nos termos antes descritos, a questão da violação do princípio constitucional da igualdade na sua vertente de igualdade horizontal no sentido de que nenhuma diferença existe entre a capacidade contributiva de um proprietário de um prédio habitacional ou terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000 e a de um proprietário de um prédio urbano com o mesmo valor patrimonial tributário de tipo diferente.

(i) Não tem assim aplicação no caso concreto a jurisprudência do Tribunal Constitucional, nomeadamente a invocada pelo Tribunal a quo, que, em qualquer hipótese, a Recorrente considera contemplar uma decisão errada.

(j) Termos em que há que concluir que as liquidações contestadas são anuláveis por inconstitucionalidade da norma que as baseia na interpretação preconizada pelo Tribunal a quo e que, porque enferma de erro de julgamento, deverá a sentença recorrida ser revogada por Vossas Excelências e, em consequência, ser substituída por nova decisão que acolha os argumentos de direito invocados pela Recorrente, determinando a anulação das liquidações impugnadas, com as legais consequências, incluindo o reconhecimento do direito da Recorrente a juros indemnizatórios.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deve o presente recurso ser dado como procedente, por provado, com as legais consequências».

1.3 A Fazenda Pública não contra-alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«1. Após a alteração à verba n.º 28.1 TGIS introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, 31 Dezembro (Lei OGE 2014) os terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja para habitação estão incluídos no âmbito de incidência objectiva do Imposto de Selo.
O acórdão Tribunal Constitucional n.º 568/2016, 19 Outubro 2016 (Diário da República, 2.ª Série – n.º 227 – 25 Novembro 2016) pronunciou-se no sentido de não julgar inconstitucional a norma em questão.
O aresto acolheu a fundamentação de antecedente jurisprudência do Tribunal Constitucional, no sentido de que a redacção do preceito em causa não violava, designadamente, o princípio da igualdade (acórdão n.º 590/2015, 11 Novembro 2015, cuja doutrina foi reiterada nos acórdãos n.ºs 83/2016 e 247/2016).

2. O argumento inovador da violação deste princípio enunciado pela recorrente (conclusão h)) não tem relevância que justifique apreciação divergente da questão de constitucionalidade.
Declinando-se o princípio da igualdade em duas vertentes (tratamento igual de realidades idênticas; tratamento desigual de realidades diferentes), a última vertente está presente no regime jurídico diferenciado a que são submetidas realidades jurídicas distintas:
- terrenos para construção com aptidão de edificação para habitação, susceptível de gerar rendimento emergente da especulação imobiliária ou da normal evolução dos preços de mercado que evidencie uma capacidade contributiva significativa (sujeição a Imposto de Selo);
- prédios urbanos com afectação a comércio, indústria ou serviços, componente logística indispensável para o exercício da actividade económica (não sujeição a Imposto de Selo); (art. 6.º n.º 1 al. b) CIMI)».

1.5 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.

1.6 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.1.1 A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«A) A Impugnante dedica-se à actividade comercial imobiliária de compra e venda de prédios para revenda, planeamento e desenvolvimento das urbanizações e construções respectivas (cf. artigo 1.º da p.i.);

B) A Impugnante é dona dos terrenos para construção inscritos na matriz predial urbana, sob os artigos:

a. Artigo 1779.º, da freguesia de Santa Marinha, com o valor patrimonial tributário (VPT) de € 1.065.130,00 (cf. fls. 14 e 15 do processo em papel e fls. 4 e 17 do PA);
b. Artigo 1781.º, da freguesia de Santa Marinha, com o VPT de € 1.002.032,63 (cf. fls. 16 e 17 do processo em papel e fls. 5 e 24 do PA);
c. Artigo 1783.º, da freguesia de Santa Marinha, com o VPT de € 1.133.984,55...

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