Acórdão nº 08058/14 de Tribunal Central Administrativo Sul, 18-06-2015

Judgment Date18 June 2015
Acordao Number08058/14
Year2015
CourtTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

PROCESSO N.º 8058/14

I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação apresentada por RUI …………………………., contra os actos de liquidação de Imposto sobre Sucessões e Doações, referentes aos anos de 1982, 1992 e 1995, no montante de 4.566.000$00, e de juros compensatórios no valor de 4.113.661$00.

A Fazenda Pública apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

“4. Conclusões
A.
A questão a decidir é a de saber se se está perante a existência de um facto tributário, mais concretamente, várias doações do pai do Impugnante a este último, tal como afirmado pelo próprio, conforme ficou assente, ou se, pelo contrário, inexiste facto tributário.
B.
O Impugnante veio alegar que "embora do termo de declarações perante a Administração Tributária conste que comprou um imóvel e parte de outro, quotas sociais e um automóvel, com dinheiro dado por seu pai, o que se passou é que, enquanto decorreu o seu processo de divórcio, para salvaguardar a continuidade e estabilidade da sua vida empresarial, optou por fazer a parte financeira através das contas do seu pai, com pleno conhecimento de sua mãe e irmã."
C.
O Tribunal a quo veio afirmar que a sua convicção se alicerçou nos documentos para os quais remete o probatório, atenta não só a fé que merecem, bem como o depoimento das testemunhas inquiridas que depuseram com segurança, sem hesitações sobre os fatos a que foram inquiridas, tendo mostrado exacto conhecimento da situação familiar e empresarial do Impugnante durante o período de tempo em que ocorreram os factos.
D.
No entanto, não pode a Fazenda Pública concordar com o sentido da procedência da acção de impugnação e consequente anulação dos actos de liquidação em causa, tendo em conta a prova produzida nos autos, tanto documental, como testemunhal.

E.
No procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos, podendo designadamente juntar actas e documentos, tomar declarações de qualquer natureza do contribuinte ou outras pessoas.
F.
Os documentos autênticos fazem prova, por si mesmos, da sua proveniência ou paternidade, e prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles estão atestados.
G.
Na dualidade de espécies de documentos, autênticos ou particulares, os primeiros são elaborados pelas autoridades públicas competentes nos limites da sua competência ou pelos notários no circulo de actividade que lhe é conferido ou outro oficial público provido de fé pública, e os últimos são caracterizados por exclusão de partes (artigo 363°, n°s 1 e 2, do Código Civil).
H.
A qualificação do documento como autêntico depende, porém, de a autoridade ou o oficial público que o exara não estar impedido de o exarar e ser competente em razão da matéria e do lugar para o efeito (artigo 369°, n° 1, do Código Civil), que é o caso do Termo de Declarações exarado pelos Serviços de Prevenção e lnspecção Tributária e assinado pelo Técnico Verificador Tributário e o Declarante, ora Impugnante/Recorrido.
I.
Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivos, bem como dos que neles são atestados com base na percepção do documentador, sendo que o mero juízo pessoal dele apenas vale como elemento sujeito à livre apreciação do tribunal (artigo 371°, n° 1, do Código Civil).
J.
A força probatória dos documentos autênticos só pode ser ilidida com base na sua falsidade, ou seja, por virtude de neles se referirem, como tendo sido objecto da percepção do notário ou oficial público algum facto que não ocorreu, ou praticado por eles acto que não o foi (artigo 372°, n°s 1 e 2, do Código Civil).
K
Por sua vez, a força probatória plena da confissão só pode ser contrariada por meio de prova do contrário, nos termos do disposto no art. 347° do CC que dispõe que "A prova legal plena só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto (...)".

L.
Para se admitir a prova do contrário, a lei exige nalguns casos que se alegue e prove a falsidade do meio de prova (cf. art. 372.º n.1 do art. 376.º e n.º 2 do art. 393.º ou seja, não basta alegar que não foi beneficiário de doações, impõe-se ainda alegar a falsidade do documento autêntico, neste caso, Termo de Declarações (art. 372.º n° 1 do CC) para, deste modo, afastar a força probatória plena que advém da confissão nele exarada.)
M .
O Impugnante, ora Recorrido, não invocou a falsidade do Termo de Declarações, nem a existência de vício da vontade que eivasse a sua declaração ar constante, pelo que, não tendo impugnado a força probatória do documento, este adquiriu força probatória plena.

N.
É ainda importante, pela relevância dada pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, sublinhar que, apesar de na sentença recorrida ter vincado a convicção, derivada do depoimento das três testemunhas, de que não houve qualquer doação do pai ao filho mas sim a guarda, em conta bancária daquele, de dinheiro deste para protecção do seu património perante a situação de divórcio, a verdade é que, confrontadas com a data do divórcio, afirmaram as mesmas que à data dos factos o Impugnante já se encontrava formalmente divorciado, decaindo assim os alicerces nos quais se apoiava toda argumentação relativamente à protecção do património do Impugnante atento o seu processo de divórcio.


Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente.

Porém, V. Exas. Decidindo, farão a costumada JUSTIÇA.”
****

O Recorrido, apresentou contra-alegações, conforme seguidamente expendido:

“ CONCLUSÕES:

1. Está em causa o Acto Tributário de Liquidação do Imposto Sucessório, cuja liquidação foi feita, no Processo de Imposto Sucessório nº 4388, datado de 13.10.97, nos termos dos artigos 64º e 65º, nº 1, ambos do Código do Imposto Municipal de Sisa e Imposto sobre Sucessões e Doações, suportado no facto, como defende o R.F.P., de que o Impugnante foi beneficiário de doações por parte de seu pai que configuraria a existência de um facto tributário, ou,

2. Conforme é, alegado e sustentado pelo Impugnante, através da prova testemunhal pelos factos e informações trazidas ao processo pelas testemunhas, de que não houve qualquer doação do pai ao filho, concluindo-se, inequivocamente, pela inexistência de facto tributário e consequentemente padecendo a liquidação impugnada de tal vício, deve a mesma ser anulada, com todas as legais consequências.

Termos em que, não deve ser dado provimento ao recurso Interposto pela R.F.P. e deve a Sentença recorrida ser mantida.
Vossas Excelências porém em vosso alto critério de JUSTIÇA e como sempre farão JUSTIÇA”
****
Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir do erro de julgamento de facto e de direito da sentença recorrida, pois considera a Fazenda Pública que constando a doação de documento com força plena relativamente ao qual não foi invocada a falsidade, nem a existência de vício de vontade que colocasse a sua força probatória plena, então, não se poderia concluir pela inexistência de facto tributário, e por outro lado, dos depoimentos das testemunhas, resulta que à data dos factos o Impugnante já se encontrava divorciado.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

“ Julgam-se provados os seguintes factos:

A) Em 20/02/1997, foi lavrado auto de notícia, cuja fundamentação segue:
«Da verificação efectuada aos rendimentos do sujeito passivo [Rui ……………………………], referente aos anos de 1993, 1994 e 1995, detectou-se omissão em sede de Impostos sobre as sucessões e doações, sobre os montantes de 23.000.000$00 em 1992 e 7.500.000$00 em 1995, valores estes doados pelo pai do sujeito passivo em análise, e mais 2.000.000$00 em 1982.» - cf. fls. 7 e 7-verso dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

B) Em 21/02/1997, e na sequência de uma inspecção tributária, foi elaborada uma informação, que, em parte, se transcreve:

[Foi] dito pelo contribuinte o seguinte:
Em relação à fracção autónoma que possui (...), inscrita sob o art. n.º ……., fracção ….., da freguesia de S. Domingos de Benfica, (...) a mesma foi comprada a pronto pagamento em 10/07/92 pelo valor de 16.000.000$00 (...) dinheiro esse que lhe foi doado pelo pai, Sr. Fernando ……………….. (...).

Já no ano de 1982, mais precisamente em 10/03/82, o pai do contribuinte lhe tinha doado 1/3 da fracção … do prédio inscrito sob o artigo n.º …… da freguesia de Massamá, área fiscal da 4.ª Repartição de Finanças de Sintra, e a que o contribuinte atribui ao 1/3 que possui um valor de 2.000.000$00. (...)

Ainda no ano de 1992, o contribuinte declarou-me que recebeu do pai, por doação, em 20/11/92, 17,5% do capital da firma denominada ……………………,...

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