Acórdão nº 07S535 de Supremo Tribunal de Justiça, 16-01-2008

Data de Julgamento16 Janeiro 2008
Case OutcomeCONCEDIDA
Classe processualREVISTA
Número Acordão07S535
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I – A autora AA intentou no Tribunal do Trabalho de Vila Franca de Xira, a presente acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra a ré BB, Ldª (anteriormente S2 – Segurança, Ldª), pedindo a condenação desta a pagar-lhe as seguintes quantias:
. € 232,42, relativos a retribuições em atraso à data do despedimento;
. € 4.744,62, de retribuições vencidas desde a data do despedimento, acrescidas das retribuições vincendas até à data da sentença;
. € 3.328,56, a título de indemnização por antiguidade;
. € 10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais e
. juros de mora vencidos e vincendos.
Para o efeito, a A. alegou em síntese: foi admitida ao serviço da R. em 1.09.2001, por contrato verbal, para, sob a direcção e fiscalização desta, lhe prestar a sua actividade de vigilante; no dia 3.11.2003, o representante legal da R. despediu a A., verbalmente, e sem precedência de processo disciplinar; no dia 13.11.2003, a R. informou, por carta, a A. que havia sido transferida para o Porto, indicando o seu local de trabalho e data de início; a A. respondeu, por carta do dia 14.11.03, dizendo que não podia aceitar a transferência, por esta lhe causar prejuízo sério e por já se encontrar verbalmente despedida; viu-se obrigada a deixar a sua casa, por não poder pagar a renda e necessita, agora, de ajuda de familiares; a R. não lhe pagou a retribuição referente aos dias 22 a 31 de Outubro de 2003, no montante de € 232,42; encontrava-se grávida à data do despedimento, pelo que a indemnização por que opta deve ser fixada no dobro.

A R. contestou, alegando, em resumo: o contrato de prestação de serviços de vigilância com base no qual a A. vinha prestando serviços nas Piscinas Municipais de Vila Franca de Xira cessou, razão pela qual a A. e restantes colegas na mesma situação foram convocados para comparecer na sede da R.; em reunião havida foi-lhes proposta a cessação do contrato com indemnização compensatória e pagamento dos demais créditos salariais, tendo 6 dos trabalhadores aceite tal proposta e a A. comunicado que ia pensar e, depois, daria uma resposta; nada tendo a A. dito, a R. colocou-a noutro posto de trabalho, no Porto, comprometendo-se a pagar-lhe todas as despesas inerentes à deslocação, o que lhe comunicou, por escrito, não obstante já lhe ter sido dada, verbalmente, tal informação, como alternativa, na reunião supra referida; a A. veio responder alegando ter sido despedida, ao que a R. respondeu imediatamente que não lhe tinha sido feita qualquer comunicação de despedimento e que estava a incorrer em faltas injustificadas e que a A. nada mais disse, nem se apresentou no seu novo local de trabalho, pelo que, em 12.12.2003, a R. lhe comunicou a cessação do contrato em face do abandono do trabalho.

Procedeu-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida a sentença de fls. 75/85, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a R. a pagar à A. a quantia de € 232,42 de retribuição e subsídio de alimentação relativo a sete dias de trabalho do mês de Outubro de 2003, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento e parcialmente improcedente por não provada, absolvendo a R. do demais peticionado.

A A. interpôs recurso de apelação, vindo o Tribunal da Relação de Lisboa por acórdão de fls. 168 e ss. a revogar a sentença e, em sua substituição, a julgar a acção parcialmente procedente, declarando a ilicitude do despedimento da A. e condenando a R. a pagar-lhe:
- as retribuições do mês de Novembro de 2003, até dia 17, as retribuições vencidas desde 24/4/2004 até ao trânsito deste acórdão, nelas se incluindo férias, subsídios de férias e de Natal, designadamente proporcionais ao ano da cessação, a que deverão ser deduzidos os rendimentos do trabalho auferidos em actividade iniciada posteriormente ao despedimento;
- a indemnização por antiguidade contada desde 1/9/2001, até à data do trânsito, em dobro, devido ao facto de ser trabalhadora grávida,
tudo acrescido de juros à taxa legal desde a data de vencimento de cada prestação, até integral pagamento, a liquidar em execução de sentença.
Condenou ainda a R. a pagar à A. a quantia de € 5.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal, a contar do trânsito, absolvendo-a do restante pedido.


II – Desta feita inconformada a R. interpôs recurso de revista, arguindo no requerimento de interposição de recurso a nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia e condenação além do pedido e terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. A Recorrida não alegou, e consequentemente, não provou, que as partes haviam limitado o local de trabalho a determinada zona geográfica.
2. O Tribunal a quo, ao considerar que as partes limitaram o local de trabalho da Recorrida à região da Grande Lisboa, violou o disposto n.º 1 do artigo 14.º do CCT e, bem assim, o disposto no n.º 1 do artigo 342.º do CC.
3. Em face da actividade a que a Recorrente se dedica, o local de trabalho da Recorrida corresponde, implicitamente, às instalações dos vários Clientes daquela e não ao posto onde prestou as suas funções.
4. Por outro lado, e pela mesma circunstância, a determinação do local de trabalho revela-se relativamente indeterminada, deixando uma margem à direcção patronal e permitindo que esta estipule locais variáveis de apresentação ao trabalho.
5. Nem se diga em contrário que no caso sub iudice não há indícios de que a trabalhadora soubesse, ao estabelecer o acordo contratual com Recorrente, que poderia vir a ser colocada no Porto, dado que a natureza da actividade da Recorrente, a circunstância de a Recorrida prestar as suas funções, não nas instalações da Recorrente, mas sim nas instalações do Cliente, e o facto de os postos de trabalho apenas subsistirem na medida temporal do contrato com o Cliente, indiciam claramente que a Recorrida sabia que podia ser colocada num outro qualquer local diferente daquele onde iniciou as suas funções.
6. Face ao exposto, não se verificou uma "mudança do local de trabalho".
7. Todavia, a ser entendido que no caso concreto se verificou uma mudança do local de trabalho, o que se admite por mero dever de patrocínio, sem conceder, sempre se diz que essa mudança nunca poderia ser considerada ilícita.
8. A proibição constante da alínea f) do artigo 11.° do CCT é afastada sempre que se verifique qualquer uma das circunstâncias previstas no artigo 15.° do CCT.
9. Tendo-se verificado a cessação do contrato entre a Recorrente e o seu Cliente (com base na qual a Recorrida vinha prestando serviços), a mudança de local de trabalho (a existir) seria, considerando o disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 15.° do CCT, manifestamente lícita.
10. O Tribunal a quo, ao considerar que a ordem de transferência se subsumiu num despedimento indirecto, também interpretou erroneamente o direito aplicável, dado que, além da ordem dada pela Recorrente à Recorrida – para se apresentar no novo posto – ter sido lícita e legítima.
11. Cabia à Recorrida alegar e provar os factos que inequivocamente revelassem a vontade da Recorrente em pôr termo ao contrato e, bem assim, que a Recorrida tinha interpretado tais factos como se de um despedimento se tratasse, segundo o critério definido no n.º 1 do artigo 236.° do CC.
12. Todavia, não foram dados como provados factos que revelem clara e inequivocamente a vontade de despedir a Recorrida.
13. Pelo contrário, os factos constantes nos pontos 5.° e 11.° da decisão sobre a matéria de facto demonstram que a intenção da Recorrente – ao dar ordem de transferência para o Porto – não tinha qualquer propósito de, indirectamente, despedir a Recorrida.
14. Por outro lado, em face dos factos constantes dos pontos 13.° e 15.° da decisão sobre a matéria de facto, é manifesto que a Recorrida nunca entendeu as cartas de 7 de Novembro de 2003 e de 12 de Novembro 2003 como se de um despedimento se tratasse.
15. A Recorrida entendeu aquelas missivas com o único sentido que dali se podia retirar, ou seja, o de apresentar-se no novo posto em determinada data.
16. A Recorrida - sem ter rescindido o seu vínculo laboral - não se apresentou ao trabalho e, desde 19 de Novembro de 2003, não mais contactou a Recorrente.
17. A Recorrente interpretou tal atitude como abandono ao trabalho e, na sequência, enviou à Recorrida a carta de 12 de Dezembro de 2003. 18. Da postura da Recorrida resulta manifesta a sua intenção de pôr termo ao contrato.
19. A Recorrida prolongou voluntária e injustificadamente a sua ausência ao trabalho – desde 17 de Novembro de 2003 – e revelou, sem margem para equívocos, a sua intenção de não o retomar, deixando a situação por si criada propositadamente indefinida, recusando-se por duas vezes a retomar o serviço e não voltando a contactar a Recorrente desde 19 de Novembro de 2003.
20. Da última comunicação da Recorrida – ocorrida a 19 de Novembro de 2003 – até 12 de Dezembro de 2003, passaram mais de 15 dias úteis seguidos, pelo que o abandono do trabalho sempre se presume.
21. Preenchidos todos os pressupostos de abandono do trabalho e tendo a Recorrente cumprido o disposto no n.º 5 do artigo 40.° da LCCT, verificou-se a cessação do contrato de trabalho sub iudice, a qual é totalmente imputável à Recorrida.
Termina pedindo que se conceda provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido e julgando-se improcedentes todos os pedidos relacionados com o despedimento, nomeadamente, de indemnização, retribuições intercalares e danos não patrimoniais.

A recorrida respondeu às alegações da parte contrária, pugnando pela improcedência do recurso.

A Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de que deve ser parcialmente concedida a revista.
As partes foram
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