Acórdão nº 07S2095 de Supremo Tribunal de Justiça, 13-12-2007
Data de Julgamento | 13 Dezembro 2007 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA. |
Classe processual | REVISTA. |
Número Acordão | 07S2095 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
I
1. "AA" e esposa, BB, demandaram, em acção especial emergente de acidente de trabalho, instaurada mediante participação recebida, em 1 de Outubro de 1996, no Tribunal do Trabalho de Lamego, “Empresa-A, S.A.” e “Companhia de Seguros Empresa-B, S.A.”, alegando, em súmula, que:
– O filho de ambos, CC, faleceu em consequência de um acidente, ocorrido em 1 de Outubro de 1996, quando trabalhava para a 1.ª Ré, sob as ordens e direcção desta;
– O sinistrado vivia com os Autores, entregando-lhes o seu salário, com o qual faziam face às despesas do agregado familiar;
– O acidente deveu-se a culpa da entidade patronal, por inobservância das regras de segurança a que estava obrigada;
– Com o decesso do sinistrado, os Autores sofreram danos de natureza patrimonial e não patrimonial (que especificaram), que pretendem ver ressarcidos.
Pediram a condenação das Rés nos seguintes termos:
1.º A Ré empregadora no pagamento:
– A cada um dos Autores, de uma pensão anual e vitalícia no valor de € 3.462,98, a partir de 2 de Outubro de 1996, acrescida de um duodécimo no mês de Dezembro de cada ano, pensão que deverá ser aumentada quando atingirem a idade de reforma;
– A cada um dos Autores, da quantia de € 7.481,97 a título de indemnização por danos morais próprios;
– A ambos, a importância € 1.336,79 a título de indemnização pelas despesas com transporte, alimentação e com o funeral do sinistrado;
– Ainda a ambos, a quantia de € 49.879,79 a título de indemnização pela morte do sinistrado.
2.º A Ré seguradora no pagamento:
– A cada um dos Autores, como responsável, a título subsidiário, de uma pensão anual e vitalícia no montante de € 683,21, a partir de 2 de Outubro de 1996, acrescida de um duodécimo no mês de Dezembro de cada ano.
3.º Ambas as Rés – em via subsidiária, para o caso de se entender que o acidente não resultou de culpa da entidade patronal – no pagamento, na proporção das suas responsabilidades, a cada um dos Autores:
– De uma pensão anual e vitalícia no montante de € 1.154,33, a partir de 2 de Outubro de 1996, acrescida de um duodécimo no mês de Dezembro de cada ano, pensão que será aumentada quando os demandantes perfizerem a idade de reforma; e
– Da quantia de € 1.336,79 a título de indemnização pelas despesas de transporte, alimentação e com o funeral do sinistrado.
Em qualquer dos casos, pediram a condenação das demandadas no pagamento dos respectivos juros de mora.
2. Nas respectivas contestações, ambas as Rés impugnaram o direito dos Autores às pensões e indemnizações peticionadas, dizendo que o sinistrado não contribuía com o seu salário para as despesas daqueles, pois vivia maritalmente, ou em união de facto, com uma mulher.
A Ré empregadora disse, outrossim, que o acidente não ficou a dever-se a culpa da sua parte, pois que estavam cumpridas as regras de segurança a que estava obrigada, e que transferira validamente para a Ré seguradora a sua responsabilidade por acidentes de trabalho, com referência à totalidade do salário que o sinistrado percebia.
A Ré seguradora aceitou a existência do contrato de seguro, mas por salário inferior ao indicado na petição.
3. Realizado o julgamento, com gravação da prova, foi proferida sentença em que se decidiu:
[...]
1.º Absolver as rés da parte do pedido em que os autores pretendiam que lhes fosse (a cada um deles) arbitrada uma pensão anual e vitalícia e bem assim do pagamento das despesas de funeral.
2.º Condenar a ré “Empresa-A, SA” a pagar aos autores as seguintes quantias indemnizatórias:
I) € 49,38 (quarenta e nove euros e trinta e oito cêntimos), a título de despesas de transporte em diligências obrigatórias a tribunal;
II) € 37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos euros), pela perda da vida do sinistrado;
III) € 14.963,94 (catorze mil novecentos e sessenta e três euros e noventa e quatro cêntimos) – sendo metade para cada um dos demandantes -, pelo sofrimento que padeceram com a perda do seu identificado filho;
IV) os juros de mora, à taxa legal, sobre estas quantias e nos termos que ficaram indicados supra.
3º. Subsidiariamente, condenar a ré Empresa-B, SA no pagamento da quantia indicada no item I) do número anterior e respectivos juros de mora legais.
[...]
4. A Ré empregadora apelou da sentença, impugnando a decisão da matéria de facto e a solução jurídica do pleito.
O Tribunal da Relação do Porto, conhecendo da impugnação da matéria de facto, julgou-a improcedente, mas concedeu provimento ao recurso e, revogando a sentença da 1.ª instância, absolveu a Ré empregadora dos pedidos e condenou a Ré seguradora a pagar aos Autores, apenas, a importância de € 49,38, correspondente a despesas de transporte para comparência em diligências obrigatórias no tribunal, acrescida de juros de mora.
Do acórdão da Relação vieram os Autores pedir revista, para verem repristinada a decisão da 1.ª instância, terminando a respectiva alegação com as conclusões assim redigidas:
1.º) A recorrida, ré “Empresa-A”, não deu cumprimento ao ónus consagrado no art.º 690.º-A, n.os 1 e 2 do C.P.C., pelo que, nessa parte, o recurso de apelação deveria ter sido rejeitado, nunca podendo ser apto a impugnar qualquer decisão de facto.
2.º) Com efeito, tendo a recorrida/apelante fundamentado o recurso da matéria de facto com os depoimentos de testemunhas, deveria ter dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do art.º 690.º-A do C.P.C., procedendo à transcrição, mediante escrito dactilografado das passagens das gravações em que se fundam, o que não se verifica.
3.º) Deste modo, a recorrida/apelante não poderia aproveitar[-se] do prazo de 10 dias fixado no citado art.º 80.º, n.º 3 do C.P.T., para a interposição do recurso.
4.º) Assim, não tendo sido alegado qualquer justo impedimento, nem ele resultando dos elementos juntos aos autos, o recurso de apelação apresentado pela ora recorrida deveria ter sido interposto, o mais tardar, até ao dia 28 de Abril de 2006 – considerando-se já o disposto no art.º 145.º, n.os 5 e 6 do C.P.C., e não se considerando, qualquer suspensão por via das férias judiciais de Páscoa decorridas entre os dias 9 e 17 de Abril de 2006, dado tratar-se de processo legalmente classificado como de natureza urgente, de acordo com os art.os 21.º, 2.ª espécie, e 26.º, nº 2, do C.P.T.
5.º) Ora, tendo sido interposto apenas em 2 de Maio de 2006, o recurso de apelação deveria ter sido liminarmente rejeitado por extemporaneidade, não obstante a circunstância de ter sido recebido e admitido como tempestivo pelo Tribunal da 1.ª Instância, dado o Venerando Tribunal da Relação não se encontrar vinculado a tal decisão nos termos do preceituado nos art.os 687.º, n.º 4, 700.º, 701.º e 704.º do C.P.C.
6.º) Assim, o douto acórdão em mérito violou o disposto nos art.os 26.º, n.º 2, 80.º, n.º 2, do C.P.T., e art.º 690.º-A, n.º 1, do C.P.C.
7.º) Por outro lado, está provado, entre outra factualidade, que no dia 01.10.1996, pelas 11.00 horas, no lugar de Azevedo, freguesia de Areia S. Vicente, concelho de Barcelos, quando o sinistrado CC prestava o seu serviço de servente na central de britagem da Ré “Empresa-A”, sua entidade patronal, foi vítima de um acidente.
8.º) Este acidente consistiu em ter ficado entalado entre a estrutura fixa e os órgãos móveis de um tapete rolante, tendo sofrido os efeitos do movimento circular de que aqueles estavam animados.
9.º) O tapete rolante não estava dotado do designado “fio de vida” (mecanismo que imobiliza a máquina automaticamente, em caso de contacto).
10.º) Em consequência de tal acidente, o dito CC sofreu as lesões examinadas e descritas no relatório de autópsia de fls. 19, que aqui se dão por reproduzidas, as quais foram causa directa e necessária da sua morte.
11.º) A ausência do “fio de vida” constitui violação das regras de segurança que eram legalmente impostas à Ré “Empresa-A”.
12.º) Conclui-se, pois, que a ré “Empresa-A” inobservou efectivamente as apontadas normas de segurança e, “ex vi” do estatuído no art.º 54.º do Dec. Lei n.º 360/71, que se presume a sua culpa.
13.º) E porque se aquela ou outras medidas de segurança preventivas tivessem sido tomadas o autor não teria sido colhido pelo tapete rolante, não teria sofrido as lesões que sofreu e não teria morrido, ocorre também nexo de causalidade adequada entre a inobservância daquelas regras de segurança e o acidente sofrido pelo autor.
14.º) É, pois, de considerar que o sinistro ficou a dever-se a culpa presumida da entidade patronal e que ao caso é aplicável o regime previsto na Base XVII n.º 2 da Lei n.º 2127.
15.º) A demonstração do nexo de causalidade encontra-se preenchida com a verificação do acidente nos moldes descritos e as lesões produzidas.
16.º) E a questão da culpa da entidade patronal na produção do mesmo, pela violação das regras de segurança, não pode determinar o afastamento dos princípios e presunções legais que imperam na disciplina dos acidentes de trabalho.
17.º) O ónus da prova das hipotéticas razões exógenas ou endógenas não apuradas nos autos adiantadas pelo Venerando Tribunal da Relação impendia sobre a recorrida “Empresa-A” tanto mais que uma ou outra poderia alicerçar uma eventual descaracterização do acidente, como, aliás, também foi sustentado na sua contestação.
18.º) Sendo inegável, como é e ficou decidido, que estamos na presença de um acidente de trabalho, verificado e provado também o nexo de causalidade entre o evento e as lesões sofridas, como se poderá entender que tal nexo não está demonstrado pelo facto de o mesmo se ter ficado a dever a violação das regras de segurança?
19.º) Tendo-se como certo que o tapete rolante não estava munido de qualquer sistema de segurança que o imobilizasse ao mínimo contacto, que o sinistrado ficou entalado entre a estrutura fixa e os órgãos móveis do tapete, tendo sofrido esmagamento na parte superior do corpo, impõe-se a mesma conclusão a que o...
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