Acórdão nº 0745932 de Tribunal da Relação do Porto, 13-02-2008

Data de Julgamento13 Fevereiro 2008
Número Acordão0745932
Ano2008
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Acórdão elaborado no processo n.º 5932/07 (4ª Secção do Tribunal da Relação de Porto )
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1. Relatório
A 1 de Agosto de 2007, foi elaborado o seguinte despacho:
“Os arguidos B....................... e C......................., a fls. 9474 a 9478, vieram invocar a nulidade do despacho de fls. 9417 a 9420vº, argumentando que não requereram a instrução e que nem dos actos instrutórios nem do debate instrutório resultou qualquer alteração substancial, ou não, da acusação; dizem, os mesmos arguidos, que o Tribunal, ao proferir os referidos despachos, violou os princípios da vinculação temática e da identidade do processo a que estava sujeito.
Cumpre decidir.
Comecemos por referir que, apesar dos arguidos B....................... e C....................... não terem requerido a abertura da instrução, os efeitos destas estendem-se a eles e a todos os outros arguidos não requerentes que por ela pudessem ser afectados - cfr. o art. 307º, n.º 4, do C. de Processo Penal.
Por outro lado, não assiste razão aos indicados arguidos quanto ao mais alegado.
Na verdade, o Tribunal não alterou os factos descritos na acusação, não lhe suprimiu factos, não lhe acrescentou outros, nem substituiu os que aí estavam descritos por outros; os factos são, exactamente, os mesmos. O que se verificava era um mero lapso de contagem dos crimes por parte do Ministério Público, um mero erro de cálculo - cfr. o art. 249º do C. Civil; por outro lado, o Tribunal fez uma diversa qualificação jurídica dos mesmos factos narrados pelo Ministério Público, no que concernia aos imputados crimes de falsificação de documento.
Conforme ensina Frederico Isasca (Alteração Substancial dos Factos no Processo Penal Português, págs. 97 e 99), «alteração é um conceito transitivo, implica a transformação de algo que é posto ou dado. Alterar é, portanto, modificar … A modificação de um determinado conjunto de factos pode efectuar-se de duas formas, apenas. Ou ao conjunto de factos conhecidos outros se acrescentam ou substituem, ou, pelo contrário, se excluem algum ou alguns dos factos … Estaremos perante uma alteração de factos quando se subtraiam ou aduzam aos factos conhecidos - independentemente do momento processual em que tal modificação se opere - algum ou alguns factos, quer estes se relacionem com o tempo do cometimento, com o lugar, com o evento, com o nexo de causalidade, com o agente, com elementos subjectivos de imputação, etc.».
No caso dos autos, o Tribunal apenas operou a rectificação da contagem efectuada pelo Ministério Público das autorizações de permanência e suas prorrogações, indicadas na acusação, concedidas a estrangeiros em situação ilegal no território nacional, com base nos contratos de trabalho indiciariamente forjados que aí estão, concretamente, especificados, descritos, e que deram origem às referidas autorizações e suas prorrogações; o Tribunal não alargou, ampliou ou acrescentou à acusação outros factos que aí não estivessem já descritos e que eventualmente tivesse considerado indiciados pela leitura que fez do inquérito.
O Tribunal também não convidou o Ministério Público a corrigir a acusação ou permitiu que o fizesse, pois nem o podia fazer.
Aliás, só tem sentido falar-se em convite ao aperfeiçoamento da acusação, quando se constata que nela não estão descritos todos os factos integradores dos tipos objectivo e/ou subjectivo do(s) crime(s) que se quer(em) ver imputado(s) ao arguido - cfr. os arts. 1º, n.º 1, al. a), e 283º, n.º 3, al. b), do C. de Processo Penal.
Acrescente-se que nem ao assistente, na acusação alternativa que formula no requerimento para a abertura da instrução nos crimes públicos ou semipúblicos, em caso de abstenção de acusação pelo Ministério Público, é permitido o convite ao aperfeiçoamento. Esta questão encontra-se definitivamente decidida pelo Acórdão ( do Supremo Tribunal de Justiça ) n.º 7/2005, publicado no Diário da República, n.º 212, I-A Série, de 4 de Novembro de 2005, págs. 6340/6346, que fixou jurisprudência no seguinte sentido: «não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura da instrução apresentado nos termos do artigo 287º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido».
No que tange à alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, decidiu o ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Outubro de 2001 ( cfr. SASTJ, n.º 54, pág. 97 ), que «a simples alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia é equiparada, segundo o disposto no n.º 3 do art. 358º do C. de Processo Penal, à alteração não substancial», o que não deixa de impor que, em obediência ao princípio do contraditório e dos direitos de defesa, o arguido seja prevenido da nova qualificação e se lhe dê, quanto a ela, a possibilidade de se defender. Foi esta a situação que se verificou no caso dos autos; o Tribunal preveniu os arguidos da qualificação jurídica que fez dos factos relatados na acusação pública e deu-lhes a possibilidade de dela se defenderem, pois que uma nova e diferente qualificação dos factos pode ser muito gravosa para o arguido e, consequentemente, tem de se lhe dar a possibilidade de a contraditar.
Pelo exposto, este Tribunal decide julgar improcedente a invocada nulidade do despacho proferido a fls. 9417/9420vº”.
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Também a 1 de Agosto de 2007, foi elaborada a seguinte ( e para o que, em termos dos recursos que, quanto a ela, ora se conhecem, releva ) decisão instrutória:
“Das nulidades:
d) da nulidade, como meio de prova, das transcrições das conversações telefónicas interceptadas.
Os arguidos D......................., E......................., F......................., G....................... e H......................., nos respectivos requerimentos instrutórios, invocaram a nulidade, prevista no art. 120º, n.º 3, al. c), do C. de Processo Penal, como elemento de prova, das transcrições das gravações das conversas telefónicas efectuadas, pelos motivos que se indicam:
- não resultar dos autos que o juiz de instrução criminal tivesse procedido à prévia audição das gravações das comunicações telefónicas que ordenara, para, desse modo e de forma criteriosa, seleccionar aquelas que considerava relevantes para a investigação em curso; nem sequer resultar dos autos que o juiz de instrução criminal tivesse validado a selecção efectuada pelo órgão de polícia criminal;
- a selecção das escutas foi efectuada, apenas, pelo órgão de polícia criminal e foi com base nesta selecção que o juiz de instrução criminal ordenou a respectiva transcrição e a destruição das sessões que o órgão de polícia criminal considerara sem interesse para a prova;
- decorreram enormes períodos de tempo entre o dia das gravações das sessões e a validação da respectiva transcrição;
- decorreram grandes lapsos de tempo entre a data da escuta e a data da sua documentação em auto;
- não foi cumprido o prazo para a transcrição das sessões tidas por relevantes;
- o juiz de instrução criminal prorrogou o prazo das intercepções telefónicas sem que tivesse ouvido as gravações anteriormente escutadas;
- o juiz de instrução criminal validou transcrições sem as verificar previamente, porque validou a transcrição de escutas de conversas entre o arguido e o seu mandatário;
- a destruição dos discos compactos considerados sem interesse não fora efectuada no prazo concedido pelo juiz de instrução criminal;
- a destruição dos discos compactos considerados sem interesse não fora efectuada no prazo concedido pelo juiz de instrução criminal;
- aos arguidos não foi dada a possibilidade de aceder a todo o material que fora escutado, de forma a, também eles, em abono da sua defesa, escolherem as conversações que entendessem como essenciais à sua defesa, contraditando os indícios recolhidos, pelo que, no entender dos arguidos, foi violado o disposto nos arts. 187º e 188º do C. de Processo Penal, e 32º, n.ºs 1 e 8, 43º, n.ºs 1 e 4, e 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa;
- o disposto no art. 188º, n.º 3, do C. de Processo Penal, interpretado no sentido de que permite a destruição, pelo juiz de instrução criminal, de conversas telefónicas interceptadas e gravadas, sem que, previamente, fosse facultada, ao arguido, a possibilidade de aceder ao seu conteúdo e de se pronunciar sobre a relevância dos elementos neles contidos, é inconstitucional, por violação das garantias de defesa do arguido e do princípio do contraditório.
Cumpre decidir.
Dispõe o art. 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que «o processo criminal assegura todas as garantias de defesa …».
O n.º 8 do mesmo inciso prescreve que «são nulas todas as provas obtidas mediante … abusiva intromissão na vida privada … ou nas telecomunicações».
Por sua vez, o art. 34º, no n.º 1, do mesmo diploma, começa por proclamar a inviolabilidade do domicílio e o sigilo da correspondência e de outros meios de comunicação privada e, no n.º 4, estabelece que «é proibida toda a ingerência das autoridades públicas … nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal».
Do texto desta norma resulta uma limitação directa da admissibilidade da «ingerência … nas comunicações» confinada ao âmbito do processo criminal e a sua sujeição a reserva de lei.
É que, representando a intercepção e gravação de conversações telefónicas uma restrição a um direito fundamental, esta restrição deve «limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos», se «diminuir e extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais» - cfr. o art. 18º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa.
Assim é que o legislador regulamentou a excepção contida na parte final do n.º 4 do art.
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