Acórdão nº 0745386 de Tribunal da Relação do Porto, 30-04-2008

Data de Julgamento30 Abril 2008
Número Acordão0745386
Ano2008
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Rec. n.º 5386-07
Porto.

Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto:


Por decisão da ….ª Vara Criminal do Círculo do Porto foi a arguida B…………….. condenada:
a) Pelo cometimento de um crime de burla qualificada na forma continuada (de que é ofendida a Segurança Social), p. e p. pelos artºs 30º, n.º 2, 79º, 217°, n° 1, 218°, n°2, al. a) todos do Código Penal, em concurso aparente com um crime de falsidade informática na forma continuada, p. e p. pelos artºs 30º, nº. 2, 79º do Código Penal e 4º, nºs. 1 e 3, da Lei nº. 109/91, de 17, na pena de dois anos e seis meses de prisão;
b) Pelo cometimento de um crime de burla qualificada na forma continuada (de que são ofendidos os beneficiários indicados), p. e p. pelos artºs 30º, nº. 2, 79º, 217º, nº. 1 e 218º, nº. 1, do Código Penal, em concurso aparente com um crime de concussão na forma continuada, p. e p. pelos artºs 30º, nº. 2, 79º, 379º, nº. 1 e 386º, nº. 1, al. a), do Código Penal, na pena de um ano de prisão;
c) pelo cometimento de dois crimes de falsificação de documentos, p. e p. pelo art. 256º, nºs. 1, 3 e 4, do Código Penal, na pena de um ano e três meses de prisão por cada um deles;
d) e em cúmulo jurídico, ao abrigo do artigo 77º do Código Penal, na pena única de três anos de prisão que, ao abrigo dos artigos 50º e 51º do Código Penal, se suspende pelo período de cinco anos.
e) Julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido por C………………….. contra a arguida e condená-la a pagar àquela a quantia de 500 €, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.
f) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por D…………….. contra a arguida e condená-la a pagar àquela a quantia de 1.339,64 €, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento, absolvendo-se na parte restante.
g) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto de Solidariedade e Segurança Social – Centro Distrital do Porto contra a arguida e condená-la a pagar àquele a quantia de 662.867,79 €, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento, absolvendo-se na parte restante.

Inconformado, o Ministério Público interpôs o presente recurso rematando a pertinente motivação com as seguintes conclusões:
A) - O recurso é restrito à matéria de direito.
B) - Na acusação deduzida contra a arguida B……………. era-lhe imputada a prática dos seguintes crimes:
- um crime de burla qualificada na forma continuada, p.p., pelos artigos, 3º, nº2, 79º, 217º, nº1 e 218º, nº2, a) do Código Penal (ofendida Segurança Social)
- um crime de falsidade informática na forma continuada, p.p., pelos artigos 30º, nº1, 79ºdo Código Penal e 4º nº1 e 3 da Lei nº109/91, de 17/08.
- um crime de burla qualificada na forma continuada, p.p., pelos artigos 30º, nº2, 79º, 217º e 218º, nº1, do Código Penal (ofendidos os lesados indicados na acusação)
- um crime de concussão na forma continuada, p. e p, pelos artigos 30, nº2, 79º, 379º,, nº1 e 386º, nº1, a) do Código Penal .
- dois crimes de falsificação de documentos, p.p., pelo artigo 256º, nº1, a), 3 e 4 do Código Penal
B) - Por acórdão proferido a 13/07/2007, foi decidido, condenar a arguida em:
“a) 2 anos e 6 meses de prisão pelo crime de burla qualificada na forma continuada (de que é ofendida a Segurança Social), p. e p. pelos artigos 30º, nº2, 79º, 217º, nº1, 218º nº2 al. a) todos do Código Penal, cometido em concurso aparente com um crime de falsidade informática na forma continuada, p. e p. pelos artigos 30º, nº2, 79º, do Código Penal e 4º, nºs 1 e 3, da Lei nº 109/91 de 17/08,
b) 1 ano de prisão pelo crime de burla qualificada na forma continuada (de que são ofendidos os lesados indicados), p. e p. pelos artigos 30º, nº2, 79º, 217º, nº1 e 218º, nº1 do Código Penal, cometido em concurso aparente com um crime de concussão na forma continuada, p. e p. pelos artigos 30º, nº2, 79º, 379º, nº1 e 386º, nº1, al. a), do Código Penal;
c) 1 ano e três meses de prisão por cada um dos crimes de falsificação de documentos, p. e p. pelo artigo 256º, nºs 1, al. a), 3 e 4 do Código Penal.”
Em cúmulo jurídico decidiu o colectivo de juízes fixar a pena única em 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos.
C) - Com o presente recurso somente pretendemos por em causa três situações do acórdão com as quais discordamos:
- Consumpção do crime de falsidade informática pelo crime de burla,
- Consumpção do crime de concussão pelo crime de burla e
- Medida da pena.
I
D - Quanto ao primeiro ponto consumpção do crime de falsidade informática pelo crime de burla.
E) - Antes do mais, cabe lembrar como, Professor Eduardo Correia define a consumpção na sua obra “ A Teoria do Concurso em Direito Criminal I- Unidade e Pluralidade de Infracções II- Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz”:
“ As relações de parentesco que se estabelecem entre os diversos preceitos penais não se resumem, porém, naqueles que logo se surpreendem pela mera comparação dos elementos constitutivos do crime pela mera comparação dos elementos constitutivos dos tipos de crime descritos na lei.
Depois de esgotadas as que desse confronto resultam e se olharmos os valores ou bens jurídicos que os diferentes tipos legais de crime respiram ou referem, também descobrimos entre eles laços de dependência mais estreita. Alguns desses bens jurídicos são formados pela fusão de dois ou mais valores que já preceitos penais protegem, outros resultam de se acrescentar um elemento novo ao valor ou bem jurídico doutro tipo, e outros ainda são entre si diversos só porque exprimem no plano criminal a específica significação de diferentes formas ou graus de ofensa de um mesmo interesse ou valor (v. g.. crimes de perigo e de dano).
Entre tais valores ou bens jurídicos verificam-se, assim relações de mais e menos: uns contêm-se já nos outros. Ora, isto não pode deixar de ter importância quando procuramos determinar aquelas relações de hierarquia entre os preceitos das quais pode resultar a exclusão da eficácia de alguns em benefício de outros. Se na verdade se apresentam ao mesmo tempo, para se aplicarem a uma certa situação de facto, diversos tipos de crimes, encontrando-se os respectivos bens jurídicos, uns relativamente aos outros, em tais relações, pode suceder que a reacção contra a violação concreta do bem jurídico realizada pelo tipo enformado pelo valor do menos vasto, se efective já pela aplicação do preceito que tem em vista a defesa de bens jurídicos mais extensos.
Quando isto acontece, as disposições penais vêm encontrar-se numa relação de consumpção: uma consome já a protecção que a outra visa. E como não pode oferecer dúvidas que a mais ampla , a lex consumens, tem em todo o caso de ser eficaz, é manifesto sob pena de violação do princípio ne bis in idem, que a menos ampla, lex consumata, não pode continuar a aplicar-se.
A consideração das relações entre bens jurídicos que enformam as normas criminais permite, assim, descobrir este outro princípio de exclusão de um dos vários preceitos em benefício de outro: lex consumens derogat legi consumtae.”
F) - A questão agora em análise não é nova na nossa jurisprudência e foi alvo de decisões contraditória de tal forma que em 19/02/92, foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça em que se fixou a seguinte jurisprudência:
“ No caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 228, nº1 a) e do artigo 313º, nº1 respectivamente, do Código Penal, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes.”
G) -No acórdão a que recorremos refere-se que o artigo 30ºdo Código Penal consagrou o critério teleológico para se distinguir entre unidade e pluralidade de infracções.
H) - No caso como se tratava do crime de falsificação e burla os interesses tutelados seriam a protecção da fé pública do documento e a protecção do património do burlado respectivamente.
I) - A situação dos autos é em tudo similar com a discutida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça pois os crimes em causa são o crime de burla e o crime de falsidade informática.
J) - Quanto ao crime de burla o interesse protegido é o já referido no acórdão – defesa do património do burlado.
L) - Quanto ao crime de falsidade informática o interesse tutelado é coincidente com o de crime de falsificação, disposto no artigo 4º da Lei visa a protecção da fé devida aos elementos informáticos, quanto estes produzam os mesmos efeitos de documento.
M) - Estando assente que a arguida praticou os crimes de burla e de falsidade informática e uma vez que os respectivos tipos protegem interesses diferentes julgamos não se poder defender a consumpção a que se alude no acórdão recorrido e consequentemente também não se poderá falar em concurso aparente.
O) - O que se verifica entre os dois crimes é concurso real ou efectivo e só uma interpretação errónea do disposto no artigo 30º, nº1, do Código Penal, levou o tribunal recorrido a decidir pela existência de um concurso aparente entre os dois ilícitos.
P) - Quanto ao segundo ponto, consumpção do crime do crime de concussão pelo crime de Burla.
Q) - Relacionado com tal questão somente encontramos o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido a 22/05/2002 no âmbito do processo nº2P576, onde tal matéria é abordada lateralmente mas, como entendemos que poderá ser relevante para os autos passamos a transcrever, o que aí é referido:
“Trata-se de um crime de dano, traduzido num prejuízo patrimonial efectivo em que a consumação passa por um duplo nexo de imputação objectiva (entre a conduta do agente e a prática pelo burlado de actos tendentes ao empobrecimento patrimonial e entre estes actos e o efectivo empobrecimento).
Certo que a conduta do ora
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