Acórdão nº 0741/23.4BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06-06-2024

Data de Julgamento06 Junho 2024
Número Acordão0741/23.4BELSB
Ano2024
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I. RELATÓRIO

1.AA, com os sinais dos autos, intentou, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TAC Lisboa), contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA processo de Intimação para a Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias, atualmente a seguir termos contra a AGÊNCIA PARA A INTEGRAÇÃO, MIGRAÇÕES E ASILO, IP, (AIMA), no qual pediu que a entidade demandada fosse intimada a decidir o pedido de concessão de autorização de residência que apresentara em 5/5/2020, emitindo o correspondente título de residência ou, a assim se não se entender, a declarar que a sua pretensão fora tacitamente deferida por se mostrar decorrido o prazo legal de decisão. Pediu ainda que fosse aplicada à entidade demandada sanção pecuniária compulsória, nos termos previstos no artigo 169.º do CPTA, em montante a fixar pelo Tribunal, por cada dia de incumprimento da sentença que vier a ser proferida.

Para tanto alegou, em síntese, que tendo entrado legalmente em território nacional, deu entrada, no dia 05/05/2020, no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), do pedido de autorização de residência que formulou ao abrigo do disposto no art.º 88.º, n. º2 da Lei n.º 23/2007, de 04/07, na versão conferida pela Lei n.º 102/2017, de 28/08, para o que juntou a documentação legalmente exigida para o efeito;

Observa que nos termos do n. º1 do art.º 82.º da lei 102/2017, o pedido de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 90 dias, mas no seu caso, não obstante as várias solicitações junto do requerido para entregar mais documentação e para que proferisse decisão, a verdade é que estando volvidos mais de 33 meses sobre o seu requerimento, não foi proferida qualquer decisão;

A falta de decisão desse pedido lesa seriamente os seus direitos constitucionais básicos, desde logo, a segurança no emprego, uma vez que trabalha há mais de 33 meses indocumentado e sob ameaça constante de despedimento;

Está refém da sua entidade empregadora, não tendo direito de escolha, trabalhando sem direito a horas extras ou trabalho suplementar, tudo, porque permanece irregular, tendo em risco o seu trabalho e a sua estabilidade profissional por culpa exclusiva do R.;

Afirma que, tal como se relata nas edições do Jornal Expresso deste ano “há trabalho escravo em Portugal”;

Mais alega que não revê a sua família que se encontra no ... há mais de 3 anos, uma vez que, sem título de residência não pode visitar/estar com a sua família no seu país de origem;

Esta situação viola o seu direito à família (artigo 36.º da CRP) e faz de si um homem profundamente infeliz, impedindo-o de reagrupar a sua família, de modo a dar-lhe apoio e receber também o carinho da mesma;

Ademais, está impedido de fazer negócios e criar mais riqueza nacional e a sua permanência em situação irregular retira-lhe tranquilidade, mesmo para andar em público, podendo a todo o tempo ser objeto de ações de fiscalização, em qualquer local (na rua, no metro, no seu local de trabalho), ser mandado parar pela polícia, onde se inclui o SEF, estando também em causa o seu direito à liberdade e à segurança, andando sempre “com o coração nas mãos”;

A Lei n.º 5/95, de 21/02 determina a obrigatoriedade do porte de documento de identificação, sendo a entidade recorrida quem está a impedir o cumprimento dessa obrigação, violando o seu direito à identidade nacional;

Está também em causa o seu direito à saúde, uma vez que apenas tem acesso ao sistema de saúde se pagar a integralidade das taxas, seja qual for a circunstância, não obstante descontar para a segurança social desde dezembro de 2020 e pagar impostos em território português;

Entende que o cerceamento dos seus direitos fundamentais decorre das próprias regras da experiência, sendo dedutível por mera presunção judicial;

Por estar indocumentado encontra-se privado da possibilidade de beneficiar do princípio da equiparação consagrado no art.º 15.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o que o priva de direitos básicos reconhecidos a qualquer ser humano;

A seu ver, reúne os requisitos legais plasmados nas diversas alíneas do art.º 88.º, n.º 2 da Lei 23/2007 para obter autorização de residência, uma vez que possui contrato de trabalho, entrou legalmente no país e está inscrito na Segurança Social;

Defende que estando em causa uma matéria em que se discutem direitos fundamentais de cidadania e identidade, e outros direitos análogos, não há lugar para decisões provisórias e precárias, as quais sempre poderão ser revogadas na ação principal, em regra morosa, sendo a melhor solução para a defesa dos seus interesses o recurso ao presente meio processual, tanto mais que beneficia de uma proteção multinível quanto a direitos fundamentais;

A intimação para defesa de direitos, liberdades e garantias é o meio idóneo para dar cumprimento ao art.º 20.º, n.º 5 da CRP;

Conclui, pedindo a procedência da ação.

2. Por sentença de 12.03.2023, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa indeferiu liminarmente a petição inicial, com fundamento na verificação da exceção dilatória inominada da inidoneidade do meio processual, por ter entendido que a utilização deste meio processual dependia “(i) da urgência da tutela requerida, (ii) da imprescindibilidade de uma tutela urgente definitiva (subsidiariedade), e (iii) da existência de direitos fundamentais passíveis de tutela jurisdicional ao abrigo dos art°s. 109.º e segs. do CPTA” e que, no caso, o A. não alegara factos demonstrativos de qualquer situação de urgência “para lá dos normais incómodos associados à incerteza de estar a aguardar uma decisão da Administração há um tempo já (demasiado) longo, relativamente à decisão do seu pedido de autorização de residência” nem que “essa urgência não pudesse ser acautelada provisoriamente (por meio de tutela cautelar com eventual decretamento provisório da providência a requerer enquanto o requerente aguardasse a decisão de um processo principal condenatório (não urgente)”, não havendo que determinar a substituição da petição e decretar provisoriamente a providência cautelar ao abrigo do art.° 110.°-A, n.° 1, por tal petição ser extemporânea em sede de ação administrativa de condenação à prática de ato devido visto já se mostrar ultrapassado, desde 22/9/2021, o prazo de 1 ano para a sua apresentação.

3. Por acórdão de 11.01.2024, o TCA Sul, julgou improcedente a apelação que o autor interpôs dessa sentença, aquiescendo, no essencial, com o entendimento expendido pela 1.ª Instância, confirmando a decisão recorrida.

4.É deste acórdão que o A. vem pedir a admissão do recurso de revista, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA, para o que formulou alegações, que culminaram nas seguintes conclusões:

«172°) A tese constante no Douto Acórdão do TCA Sul revela-se atentatória de um valor fundamental do Estado de Direito.

173°) Existe uma violação clara do direito à tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 268º, 4 da Constituição da República Portuguesa.

174°) O Acórdão em apreço consiste num obstáculo, desproporcionado no acesso ao Direito e ao processo previsto no artigo 20° da Lei Fundamental.

175°) Traduz-se ainda claramente num benefício ao infrator SEF que assume uma posição clara de inércia e de clara irresponsabilidade nos presentes autos.

176°) Existe uma evolução jurisprudencial no sentido de aclamar a Intimação para Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias como o meio processual mais idóneo.

177°) A primeira evidência é promanada no Ac. do TCA SUL em 15.02.2018.

178°) Seguidamente o Acórdão da Suprema Instância de 11.09.2019 no âmbito do processo n° 1899/18.0BELSB, que ditou que a Intimação, para Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias constitui o meio processual idóneo para obter a emissão de uma decisão de autorização de residência em caso de decisão sonegada em virtude da inércia administrativa.

179°) O Recorrente tem uma proteção multinível no que respeito a direitos fundamentais, sendo-lhe aplicada a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

180°) Violou-se o Código Europeu da Boa Conduta Administrativa.

181°) Violou-se a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

182°) Violou-se o Tratado de Lisboa de Dezembro de 2009.

183°) Violou-se o Ac. STA, de 16.05.2019, proferido no processo n° 02762/17.7BELSB.

184°) Quanto maior o tempo da indocumentação, maior a sua exposição à clandestinidade, à precariedade e à exploração.

185°) Não é legalmente possível a tese da autonomia da urgência em matéria de Intimações para Defesa de direitos, liberdades e garantias.

186°) Não existe prazo legal para intentar uma Intimação Defesa de direitos, liberdades e garantias.

187°) Medo, ignorância, falta de meios, circunstâncias que tiveram um papel decisivo no recurso tardio à justiça administrativa.

188°) Circunstâncias que em Direito valem, não sendo juridicamente inconsequente presumir as mesmas.

189°) Aquilo que se discute é de uma Justiça em tempo útil, rápida, eficaz, definitiva.

190°) A falta de um título de residência coloca em causa a dignidade da pessoa humana.

191°) o Recorrente está coibido de se movimentar, celebrar negócios civis, alcançar trabalho e até invocar apoio policial, sob o risco de expulsão.

192°) O Recorrente aguarda há mais de três anos e meio por uma decisão.

193°) Está debaixo de intenso sofrimento, em pânico.

194°) A qualquer momento pode ficar sem emprego, potencial alvo de exploração e de ser expulso.

195°) Não revê a sua família há mais de quatro anos no ... que de si dependem.

195°) É um modesto ajudante de cozinha sem instrução.

196°) A jurisprudência dominante em matéria de decisões por inércia administrativa por parte do SEF nos tribunais portugueses de primeira instância, e no TCA SUL e TCA NORTE é no sentido de o presente meio legal ser o mais...

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