Acórdão nº 07329/14 de Tribunal Central Administrativo Sul, 13-02-2014
Data de Julgamento | 13 Fevereiro 2014 |
Número Acordão | 07329/14 |
Ano | 2014 |
Órgão | Tribunal Central Administrativo Sul |
1- RELATÓRIO
... , S.A, não se conformando com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que, julgando procedente a excepção da ilegitimidade da Requerente para propor a presente providência cautelar, absolveu da instância a entidade Requerida, a Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças de Lisboa, representada pelo Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.
Formulou, para tanto, as seguintes conclusões:
“A) O Recorrente é parte legítima na presente providência cautelar, na medida em que tem interesse próprio e directo em demandar a Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças de Lisboa, adveniente do facto de poder ser afectado pelas ordens emanadas no âmbito do processo de execução fiscal número 3085200601115537, porquanto, caso não seja declarado o efeito suspensivo da ordem de cativação do saldo de contas de que o ... - Prestação de Serviços, ACE é titular junto do Recorrente, o Recorrente poderá ver-se na contingência de ser exposto a responsabilidade contra-ordenacional, nos termos dos artigos 74.º e 75.º e alínea g) do artigo 210.° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e, ainda, incorrer, juntamente com os seus funcionários, no crime de infidelidade, previsto no artigo 224.° do Código Penal;
B) O facto de, na sequência da ordem de cativação do saldo de contas bancárias de que o ... - Prestação de Serviços, ACE é titular junto do Recorrente, a Administração Tributária ter - em manifesta violação do disposto no artigo 128º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - ordenado a penhora e entrega do montante cativado, não afasta a utilidade da presente acção e do conhecimento do seu mérito, na medida em que, caso a mesma venha a ser procedente e, em consequência, seja decretado o efeito suspensivo da mesma, todos os actos administrativos subjacentes à ordem de cativação do saldo de contas bancárias de que o ... - Prestação de Serviços, ACE é titular junto do Recorrente são nulos, nos termos do artigo 133.°, número 2, alínea i) do Código do Procedimento Administrativo;
C) Constata-se, portanto, que o Recorrente, por ter um interesse próprio em obter tutela quanto a ordens administrativas (que reputa ilegais) susceptíveis de criar na sua esfera responsabilidades de diversas naturezas, tem plena legitimidade para intentar a presente Providência Cautelar, meio que se mostra adequado à obtenção da defesa dos seus direitos e interesses legítimos;
D) O Recorrente tinha legitimidade processual à data da interposição da presente acção e mantém-se a utilidade da decisão que venha a ser proferida no presente recurso, que obrigará, em caso de deferimento, o Tribunal a quo a decidir quanto ao mérito da providência interposta, com as consequências devidas;
E) É erróneo o entendimento do Tribunal a quo no sentido de que o Recorrente não tem um interesse próprio e directo em demandar na presente Providência Cautelar porque "a executada pertence[r] ao Grupo de empresas da Requerente”, o que determina que "a conjectura de um cenário de responsabilização é irrealista, não sendo credível a sua invocação”, na medida em que se baseou em meras valorações subjectivas desprovidas de fundamentação factual e jurídica, não considerando o facto de o Recorrente e o ... - Prestação de Serviços, ACE não manterem qualquer relação de grupo, no sentido jurídico do termo;
F) Admitindo-se que o Tribunal a quo tivesse tido dúvidas quanto à possibilidade de responsabilização do Recorrente, com base no argumento da estrutura societária do Recorrente e da relação com o cliente em causa, com consequências ao nível do apuramento do seu eventual interesse próprio e directo em demandar, verifica-se que o mesmo não diligenciou, como devia, ao abrigo do princípio do inquisitório a que aludem os artigos 99.°, número 1 da Lei Geral Tributária e 13.°, número 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, apurar a realidade factual antes de decidir, tendo emanado uma decisão valorativa sobre questões que carecem de fundamentação com base em prova específica;
G) E, mesmo considerando que a expressão “grupo” utilizada pelo Tribunal a quo não respeita ao sentido jurídico do termo (como aliás, não poderá respeitar, por não se verificar), mas antes ao seu sentido corrente, a argumentação constante na sentença recorrida não poderá proceder, na medida em que a apreciação de um pressuposto processual (legitimidade) à luz da especulação sobre o "irrealismo" da eventual responsabilização do Recorrente e/ou dos seus funcionários pelo ... - Prestação de Serviços, ACE, não se afigura legítima no ordenamento jurídico;
H) Ainda que se assuma, para efeitos de argumentação, uma relação de grupo entre o Recorrente e o referido cliente, jamais poderia ser vedado ao Recorrente o acesso à tutela judicial que pretende, na medida em que agindo na sua qualidade de instituição de crédito em relação a uma ordem ilegal dada quanto à conta bancária da titularidade de um seu cliente, não lhe poderia ser vedada, sob pena de violação do artigo 268.° da Constituição da República Portuguesa;
I) O cenário de responsabilização do Recorrente pelo ... - Prestação de Serviços, ACE ou pelos seus membros mostra-se plausível e deveria ter sido ponderado pelo Tribunal a quo, atendendo aos danos em que as mesmas poderão incorrer, designadamente, ao nível da prossecução da actividade, caso o referido ... - Prestação de Serviços, ACE não cumpra a obrigações a que se encontra adstrito à luz do contrato constitutivo do mesmo e, ainda, ao facto de parte dos membros do referido cliente não fazerem parte do grupo do Recorrente;
J) É igualmente erróneo o entendimento do Tribunal a quo segundo o qual o Recorrente não tem um interesse próprio e directo em demandar na presente Providência Cautelar porque agiu "no estrito cumprimento de ordens da AT" estando "excluída qualquer ilicitude no seu comportamento que possa consubstanciar qualquer tipo de responsabilidade civil, criminal e contra-ordenacional";
K) Em face das informações fornecidas pelo ... - Prestação de Serviços, ACE quanto ao processo de execução fiscal número 3085200601115537 e, ainda, obtidas pelo Recorrente junto dos seus arquivos (ao nível da prestação de garantias), tudo aponta para que o referido processo de execução fiscal esteja suspenso nos termos do artigo 169.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pelo que a ordem de cativação do saldo de contas bancárias do referido cliente é ilegal;
L) Em face da documentação fornecida pelo ... – Prestações de Serviços, ACE ao Recorrente após a apresentação da presente acção relativa às sentenças proferidas pelo Tribunal Tributário de Lisboa nos processos números 2325/06.2BELSB e 1309/l3.9BELRS e que se encontram em fase de recurso (meramente devolutivo), verifica-se que ordem de cativação do saldo de contas bancárias do referido cliente se afigura ilegal, por violação do artigo 286.°, número 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
M) Perante a ilegalidade da ordem de cativação do saldo de contas bancárias do ... - Prestação de Serviços, ACE, o Recorrente entende que a mesma não se mostra legítima e, como tal, o Recorrente não só não está adstrito ao seu cumprimento, como tem o dever de não a cumprir, sob pena de violação dos restantes deveres a que, enquanto entidade depositária, está obrigado a observar no âmbito da sua actividade;
N) Ainda que se considerasse que a ordem de cativação do saldo de contas bancárias de que o ... - Prestação de Serviços, ACE é titular junto do Recorrente é legítima, sempre cumpre referir que, ainda assim e no confronto dos deveres em causa no caso sub judice, o Recorrente não teria que cumprir a mesma nos termos do artigo 36.° do Código Penal;
O) No caso concreto e, para efeitos de aplicação e ponderação do conflito de interesses a que alude o artigo 36.° do Código Penal, o Recorrente vê-se confrontado, por um lado, (i) com a decisão da Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças de Lisboa, ordenando a prática de um acto próprio do prosseguimento do processo de execução fiscal número 3085200601115537 (a cativação do saldo das contas do Executado no âmbito do referido processo) e, por outro lado, (ii) com a suspensão do processo de execução fiscal atendendo a uma garantia bancária prestada por uma entidade que o Recorrente incorporou, nos termos do artigo 169.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, ainda, do teor de duas decisões judiciais favoráveis ao ... - Prestação de Serviços, ACE (proferidas pelo Tribunal Tributário de Lisboa nos processos números 2325/06.2BELSB e 1309/13.9BELRS e que se encontram em fase de recurso, meramente devolutivo, nos termos do artigo 286.°, número 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário), nos termos das quais Administração Tributária está impedida de prosseguir a execução fiscal até decisão final dos referidos processos;
P) A ordem emitida pela Divisão de Gestão da Dívida Executiva da Direcção de Finanças de Lisboa mostra-se, assim, contrária à Lei e desrespeita, de forma evidente, as normas legais aplicáveis e o teor das decisões judiciais já proferidas em relação ao cliente do Recorrente, as quais, até superior sanção pelos Tribunais de recurso se mantêm válidas e eficazes na ordem jurídica;
Q) Em face da valoração dos deveres em confronto, conformados pelas eventuais consequências, danos e sanções associados ao incumprimento dos mesmos, bem como pelos princípios vigentes na ordem jurídica, o Recorrente entende que, embora tenha cumprido a ordem que lhe foi ordenada, não estava adstrito ao cumprimento da ordem de cativação do saldo de contas...
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