Acórdão nº 0716653 de Tribunal da Relação do Porto, 11-06-2008

Data de Julgamento11 Junho 2008
Número Acordão0716653
Ano2008
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Recurso Penal nº 6653/07


Acordam, em audiência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

1.Relatório
No .º juízo criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, foi submetido a julgamento o arguido B………., devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferido acórdão, no qual se decidiu absolvê-lo da prática do crime de ofensa à integridade física grave dos arts. 144º e 145º do C. Penal, e condená-lo na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, com execução suspensa pelo período de 4 anos na condição de pagar a indemnização fixada no prazo de 1 ano, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada p. e p. pelo art. 146º nºs 1 e 2, por referência ao crime previsto no art. 143º nº 1 e à circunstância prevista na al. l) do nº 2 do art. 132º, todos do C. Penal.
E, na procedência parcial do pedido indemnizatório deduzido pelo demandante, foi, ainda, o arguido/demandado condenado a pagar a este a quantia de 15.000 € a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros desde a notificação até integral pagamento, indo absolvido do mais peticionado.
Inconformado com o acórdão, dele interpôs recurso o arguido, pugnando pela sua revogação e consequente absolvição tanto em termos criminais como cíveis ou, assim se não entendendo, que se declare nulo tal acórdão, seja por falta de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, omissão de pronúncia por inexistência de um juízo de especial censurabilidade ou perversidade dirigido ao arguido, ou falta de fundamentação e omissão de pronúncia em matéria de determinação da sanção, ou, na improcedência de tais vícios, que se reduza a indemnização para valor não superior a 7.500 €, apresentando as seguintes conclusões:

§ 1 –Impugnação da Matéria de Facto
1) Salvo o devido respeito pelo Tribunal a quo, o arguido considera incorrectamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto dada como provada nos n.os 17, 20 (na parte “como consequência directa e necessária da descrita agressão), 23, 24 e 25 da motivação de facto do douto Acórdão recorrido, uma vez que os mesmos e as provas em que se fundam se revelam incoerentes, inconsistentes e frontalmente incompatíveis com as regras da experiência comum.
2) A premissa que parece ter estado na base do processo de formação da convicção do Tribunal a quo é a de que as dores de que o assistente se queixou e motivaram a sua ida à enfermaria terão de ter sido necessariamente causadas por uma agressão realizada num momento prévio temporalmente muito próximo ao dessa estada na enfermaria e que só o arguido a terá podido praticar. Porém:
3) Primo: essa premissa não se afigura, todavia, compatível com as regras da experiência comum e sobretudo do conhecimento científico na matéria: regra geral neste tipo de lesões o homem começa por sofrer uma dor muito violenta, a qual, normalmente, abranda de forma progressiva, podendo até desaparecer, só voltando a agudizar-se em caso de formação de edema.
4) Assim, apesar de não terem sido visíveis sintomas de dor no assistente no período em que este se encontrava no refeitório e em que depois foi acompanhado pelo arguido, tal não significa que não fosse possível que nessa altura o assistente tivesse já sofrido uma agressão na zona dos testículos.
5) Possibilidade essa reforçada pelos depoimentos das testemunhas C………. e D………., que relataram ao Tribunal ter o assistente estado envolvido, na manhã do dia 6 de Novembro, em confrontos físicos com outros reclusos e já pela hora do almoço revelava sinais de dor e dificuldades em caminhar.
6) Secondo: Este quadro normal de evolução da sintomatologia de dor é incompatível e incongruente com os relatos das várias testemunhas (o subchefe E……….; o guarda instruendo F……….; e o enfermeiro G……….) que, comprovadamente, estiveram em contacto com o assistente após o mesmo ter sido conduzido pelo arguido até ao corredor que dá acesso ao sector da justiça (n.º 18 dos factos provados) e não se aperceberam de que o arguido apresentasse dificuldades em caminhar ou se mostrasse muito queixoso.
7) Tertio: Os depoimentos mencionados revelam ainda uma claríssima incongruência e inconsistência do depoimento do assistente, que não pode deixar de ser ponderada, na parte relativa à sua perda de consciência.
8) Mais, o relato do assistente de que após ter sido agredido pelo arguido nos testículos não se recorda de mais nada e a sua memória seguinte se situa já na enfermaria é de tal forma inverosímil, por incompatível com as regras da experiência comum, que custa perceber como pode o depoimento do assistente ter porventura levado a dar como provada a matéria dos n.º 17, 20, 23, 24 e 25.
9) Quarto: A tudo isto acresce a clara contradição do discurso actual do assistente com o seu comportamento no dia que se seguiu à putativa agressão, em que não foi à enfermaria na parte da manhã.
10) Todo o exposto permite verificar que o relato feito pelo assistente acerca dos acontecimentos que se seguiram imediatamente à alegada agressão está eivado de contradições não só com os depoimentos de várias testemunhas, como e sobretudo com as regras de normalidade que a experiência comum inculca.
11) Sendo certo que o relato desses acontecimentos tem uma relação inextricável com o depoimento do assistente acerca do momento em que esteve a sós com o arguido e lhe imputa agressões na face e nos testículos.
12) Tudo o que leva a impugnar-se a matéria dada como provada nos n.os 17, 20 (na parte “como consequência directa e necessária da descrita agressão”), 23, 24 e 25, requerendo-se desde já a modificação da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto sobre esses pontos, no sentido de a mesma ser dada como não provada.
13) Em consequência, deverá o arguido ser absolvido do crime de que vem acusado, bem assim como do pedido cível em que é demandado, o que se requer.
Subsidiariamente, em caso de improcedência do ora requerido:
§ 2 - Nulidade do Acórdão Recorrido em Matéria de Fundamentação da Decisão de Facto
14) O art. 374.°-2 do CPP estabelece, sob pena de nulidade (art, 379.°-1, a), do CPP) como um dos requisitos da sentença a fundamentação, da qual deve constar a “indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
15) O Tribunal a quo esteve longe de dar cumprimento ao dever de fundamentação da sentença previsto no art. 374.°-2 do CPP tal como ele vem sendo densificado pela doutrina e pela jurisprudência superior (cf. Ac. do STJ de 18-05-2000 e Ac. do STJ de 30-01-2002, referidos supra).
16) Com efeito, e em primeiro lugar, nas suas breves considerações sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo não especifica, afinal, que meios de prova o levaram a não ter “quaisquer dúvidas de que os factos, mais concretamente, a extracção do testículo do ofendido, se deveu a agressão do arguido”.
17) Em segundo lugar, apesar de referir que “na sua esmagadora maioria” os guardas prisionais “se prestaram a depoimentos verdadeiramente criticáveis e despidos de qualquer credibilidade”, a verdade é que, tendo sido inquiridos como testemunhas 9 guardas prisionais, o Acórdão não especificou a quais desses guardas conferiu ou não credibilidade.
18) Para compreender o processo de formação da convicção do Tribunal a quo seria essencial conhecer quais foram, dentre os guardas prisionais, aqueles a quem foi reconhecida credibilidade, pois só assim seria possível verificar a compatibilidade do conteúdo desses depoimentos credíveis com o teor de outros depoimentos, maxime do assistente (cf o Ac. do TRL de 05-12-2006, Proc. n.º 908112006-5, www.dgsi.pt).
19) Em terceiro lugar, importa notar a existência de, pelo menos, dois depoimentos testemunhais de reclusos do EP do Porto ao tempo dos factos (C………. e D……….) que declararam ter visto o assistente com dores e evidentes dificuldades de locomoção pela hora de almoço do dia 6 de Novembro.
20) O Acórdão recorrido não estava, obviamente, obrigado a “aderir” a estes dois depoimentos, mas a sua existência impunha que, no mínimo, o Tribunal a quo explicasse por que razão os teve por irrelevantes, dado que essa justificação seria indispensável para perceber por que razão o Tribunal a quo concluiu ser evidente a inexistência prévia de quaisquer lesões, questão crucial para o thema decidendum.
21) O Acórdão recorrido padece, assim, pelas três razões enunciadas, de falta de fundamentação, na vertente do “exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”, o que, pelas disposições conjugadas dos arts. 374.°-2 e 379.°-1, a), do CPP, conduz à nulidade da decisão, que ora se requer.
Sem prescindir, e subsidiariamente,
3 - Nulidade do Acórdão Recorrido em Matéria de Qualificação Jurídica dos Factos Provados no Crime de Ofensa à Integridade Física Qualificada
22) Tendo condenado o arguido por crime de ofensa à integridade física simples qualificada (arts. 143.°-1 e 146.° do CP), o Tribunal a quo não fundamentou a integração da matéria provada na qualificação prevista no art. 146.° do CP, por remissão para o art. 132.°-2 do CP.
23) Está em causa na ofensa à integridade física qualificada uma qualificação decorrente de uma culpa agravada, através da técnica legislativa dos exemplos-padrão (PAULA RIBEIRO DE FARIA, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, 1999, art. 146.°, § 4).
24) O que vale por dizer que a mera subsunção formal de uma dada situação da vida - in casu, a circunstância de o arguido ser guarda prisional e como tal funcionário e alegadamente ter cometido as ofensas corporais no exercício de funções - a uma dos exemplos típicos previstos no n. o 2 do art, 132.0 não é suficiente para de forma automática concluir pela qualificação fundada numa culpa agravada (cf. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, 1999, art. 132.°, § 2; e
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