Acórdão nº 0697/14.4BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11-07-2024
Data de Julgamento | 11 Julho 2024 |
Número Acordão | 0697/14.4BELRS |
Ano | 2024 |
Órgão | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
1. Relatório
1.1. A AUTORIDADE NACIONAL DE COMUNICAÇÕES (doravante, ANACOM), devidamente identificada nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, de 06.02.2024, que julgou procedente a ação de impugnação judicial intentada por B..., S.A. (entretanto incorporada pela A..., S.A.), contra o ato de liquidação de Taxa Anual de Atividade de Fornecedor de Redes e Serviços de Comunicações Eletrónicas Escalão 2, relativa ao ano de 2013, no valor total de € 3 005 079, 26, na parte concernente à condenação no pagamento de juros indemnizatórios, veio dela interpor recurso para este Supremo Tribunal.
1.2. A Recorrente conclui da seguinte forma as suas alegações de recurso:
«…
1.ª O presente recurso é interposto per saltum da sentença de fls. 2614 a 2638, retificada por despacho de fls. 2639 (numeração dos autos no SITAF) na parte em que esta condenou a ANACOM, ora Recorrente, no pagamento de juros indemnizatórios;
2.ª Nesse segmento, a sentença recorrida violou o disposto na alínea d) do n.° 3 do artigo 43.° da LGT, na redação dada pela Lei n.° 9/2019, encontrando-se em contradição com a jurisprudência desse Venerando Tribunal em matéria de desaplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade e suas consequências no plano do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios (vide Acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no processo n.º 0107/17.5BEFUN e Acórdão do STA de 12.10.2022, proferido no processo n.º 01501/19.2BELRS);
3.ªCrê-se, com o devido respeito que, na parte recorrida, a sentença padece de erro de julgamento ou de erro de direito, na medida em que a aplicação do artigo 43.°, n.° 3, alínea d), da LGT, na redação da Lei n.º 9/2019, pressupõeuma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto ou a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, não sendo a existência de Acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional, noutros processos envolvendo as mesmas Partes, para desencadear a aplicação da referida norma da LGT, na redação resultante da Lei n.º 9/2019;
4.ª Decorre do Acórdão de uniformização de jurisprudência proferido pelo Plenoda Secção de Contencioso Tributário desse Venerando Tribunal (Acórdão de 30.01.2019, proferido no processo n.º 0564/18.2BALSB) que «Para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT) e não poder deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. art. 281.º da CRP) ou se esteja perante violação de normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP)»;
5.ª No caso em apreço e apesar de já terem sido proferidos diversos Acórdãospelo Tribunal Constitucional, julgando inconstitucionais as normas em que se baseou a liquidação impugnada, todas essas decisões foram proferidas em processos de fiscalização concreta da constitucionalidade (recursos de constitucionalidade), não tendo sido proferido qualquer acórdão declarando a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nem estando em causa a violação de normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias;
6.ª A ANACOM, ora Recorrente, encontra-se vinculada pelo princípio dalegalidade e pela presunção de constitucionalidade das normas, estando impedida de recusar a aplicação ou desaplicar as normas dos n.ºs 1, 2, 4 e 5 do Anexo II da Portaria n.º 1473-B/2008, na redação aplicável à data da liquidação das respetivas taxas, na medida em que não foi declarada, pelo Tribunal Constitucional, a respetiva inconstitucionalidade com forçaobrigatória geral, nem está em causa a violação de normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias;
7.ª No entender da ANACOM, ora Recorrente, só existe obrigação de indemnizarcom fundamento em julgamento de inconstitucionaiidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 43.°, n.° 3, alínea d), da LGT, na redação da Lei n.° 9/2019, quando exista uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto ou a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral;
8.ª Como nenhum destes pressupostos se verifica no caso em apreço, aapreciação do presente recurso, implica o esclarecimento da seguinte questão de direito:
para aplicar a norma do artigo 43.°, n.° 3, alínea d), da LGT, na redação da Lei n.° 9/2019, é necessária uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto ou a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, ou basta a desaplicação da norma pelas instâncias, com base em decisões do Tribunal Constitucional proferidas noutros processos, envolvendo as mesmas partes, mesmo que não digam respeito ao caso concreto em apreciação pelo Tribunal a quo?
9.ª No entender da ANACOM, ora Recorrente, à luz dos Acórdãos do STA de02.02.2022, proferido no processo n.° 0107/17.5BEFUN, e de 12.10.2022, proferido no processo n.° 01501/19.2BELRS, só existe obrigação de indemnizar com fundamento em julgamento de inconstitucionalidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 43.°, n.° 3, alínea d), da LGT, na redação da Lei n.° 9/2019, quando exista uma pronúncia do Tribunal Constitucional no caso concreto ou a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral;
10.ª Atendendo à natureza jurídico-processual da fiscalização sucessiva concreta da constitucionalidade, que se configura como um incidente processual e como uma questão prejudicial de validade normativa (heterogénea), que sesuscita no âmbito de um processo principal ou "processo-pretexto" e que condiciona a decisão final a proferir nesse processo, não pode deixar de se concluir (em linha com a jurisprudência constante do Acórdão do STA de 02.02.2022, proferido no processo n.° 0107/17.5BEFUN e reiterada no Acórdão do STA de 12.10.2022, proferido no processo n.° 01501/19.2BELRS), que a alínea d) do n.° 3 do artigo 43.° da LGT, aditada pela Lei n.° 9/2019, apenas tem aplicação nos casos em que o segmento normativo que serve de base à tributação tenha sido julgado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional;
11.ªResulta dos trabalhos preparatórios da Lei n.º 9/2019, que os juros indemnizatórios com fundamento em inconstitucionalidade apenas são devidos, caso o Tribunal Constitucional venha a julgar inconstitucional (em fiscalização abstrata ou concreta) o segmento normativo que serve de base à tributação;
12.ª A ratio legis, o contexto histórico e a motivação do legislador para a introdução da alínea d) do n° 3 do artigo 43° da LGT apontam no sentido de não se pretender alargar o direito a juros indemnizatórios a todos os casos de desaplicação de normas tributárias pelas instâncias com fundamento em inconstitucionalidade, sob pena de se prejudicar o julgamento de constitucionalidade que cabe ao Tribunal Constitucional, violando a reserva de jurisdição que lhe foi constitucionalmente conferida;
13.ª A generalização do direito a juros indemnizatórios, sem qualquer pronúnciado Tribunal Constitucional, equivaleria a alargar um instituto desenhado para o ressarcimento do contribuinte, em situações de pagamento indevido de prestações tributárias, decorrente da violação de normas fiscais substantivas, a todos e quaisquer casos de desaplicação de normas com fundamento em inconstitucionalidade, sem qualquer pronúncia do Tribunal Constitucional, sendo certo que nada impede o contribuinte lesado de aceder aos meios normais de tutela fundados em responsabilidade civil extracontratual do Estado;
14.ª Tendo presente a jurisprudência do STA em matéria de reconhecimento dodireito a juros indemnizatórios, seria manifestamente excessivo ignorar porcompleto, na interpretação do artigo 43.º da LGT, o conceito de "erro imputável aos serviços", criando um campo aberto de acesso à tutela ressarcitória automática, inerente aos juros indemnizatórios, sempre que ocorresse a desaplicação de uma norma tributária sem pronúncia do Tribunal Constitucional, tanto mais que a Administração se encontra vinculada pelo princípio da legalidade e pela presunção de constitucionalidade nas normas;
15.ª Não podendo recusar-se a aplicar a norma julgada inconstitucional peloTribunal Constitucional em sede de recurso (fiscalização concreta), não é imputável à ANACOM, ora Recorrente, a responsabilidade por eventuais prejuízos causados ao contribuinte;
16.ª O conceito de "erro imputável aos serviços" continua a desempenhar umpapel hermenêutico na configuração do direito a juros indemnizatórios;
17.ª Ao considerar que pode haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios,mesmo que não exista uma decisão do Tribunal Constitucional no caso concreto e na ausência de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a sentença recorrida violou o disposto no artigo 43.°, n.° 3, alínea d), da LGT, na redação da Lei n.° 9/2019, padecendo de erro de julgamento ou erro de direito, pelo que deverá ser revogada na parte em que condena a ANACOM a pagar à Impugnante juros indemnizatórios.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. que se pede e espera, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, revogada a sentença recorrida, na parte em...
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