Acórdão nº 06817/10 de Tribunal Central Administrativo Sul, 19-12-2017

Data de Julgamento19 Dezembro 2017
Número Acordão06817/10
Ano2017
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO

Maria ……………….. e marido, José ……………………….., devidamente identificados nos autos, inconformados, vieram interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, datada de 24/05/2010, que, no âmbito da ação administrativa comum, sob a forma ordinária, para efetivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, instaurada contra o Estado Português, o Município do Crato, a Junta de Freguesia de Crato e Mártires e a Associação de Caçadores das ……………………….. e Anexos, em que pedem a condenação solidária dos Réus a pagar uma indemnização no valor de € 7.357,65 em consequência dos danos patrimoniais decorrentes do embate produzido pelo javali, acrescida de juros calculados, à taxa legal, a partir da citação e até efetivo pagamento e nas custas e procuradoria condigna, absolveu da instância a Ré, Associação de Caçadores …………………………….e Anexos, e os demais Réus do pedido.

Formulam os aqui Recorrentes nas respetivas alegações (cfr. fls. 208 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem:

1ª. - Por reconhecimento da Direcção-Geral dos Recursos Florestais, à data da ocorrência dos factos, já tinha conhecimento que a Estrada Municipal n.º 1023, em particular, o local onde o embate se produziu, é hábito que javalis a atravessem;

2ª. - Independentemente da Estrada Municipal em causa estar ladeada por uma área de reserva de caça, impunha-se à Direcção-Geral dos Recursos Florestais, por ser a entidade que fiscaliza o ordenamento florestal e cinegético a advertência ao Município do Crato para a aposição do sinal A 19b;

3ª. - Maior imposição resulta ainda, da Direcção-Geral dos Recursos Florestais ter sido a entidade que deferiu o processo de reserva de caça que ladeia a Estrada Municipal n.º 1023, recaindo pois sobre ela, um dever especial de cuidado;

4ª. - O que aliás veio a fazer – concretamente, após ter tomado conhecimento do acidente destes autos, veio solicitar à Câmara Municipal do Crato a colocação do sinal, nos termos do disposto na legislação (o sublinhado e negrito são nossos – e referem-se ao último parágrafo do Doc. nº. 4 junto com a p.i.);

5ª. - Todavia, como acima já se disse, a Direcção-Geral dos Recursos Florestais actuou tarde, porque há já muito tempo que tinha conhecimento da alta probabilidade de naquela via de trânsito atravessarem animais selvagens;

6ª. - A sinalização de perigo (animais selvagens - indicação que a via pode ser atravessada por animais selvagens) permite dar conhecimento aos condutores da efectiva perigosidade, tendo obrigação de passar a circular com mais atenção, ou com atenção redobrada e, sendo o caso, reduzir a velocidade;

7ª. - Por outro lado, também sobre o Município do Crato, através da sua Câmara Municipal, recai a obrigação legal de proceder à conveniente sinalização das estradas municipais;

8ª. - Sendo do seu conhecimento a existência da área de reserva de caça, aliás, não o nega sequer na sua contestação, “empurra” é a responsabilidade pela advertência da colocação do sinal para a Direcção-Geral dos Recursos Florestais, a advertência ou solicitação que acabou por fazer mais tarde;

9ª. - A douta sentença ao se decidir pela absolvição do Estado Português (via Direcção Geral dos Recursos Florestais) e do Município do Crato violou toda a legislação a que faz alusão quando aprecia a questão de mérito relativa ao Estado Português e toda a legislação a que faz alusão quando aprecia a questão de mérito relativamente ao Município do Crato;

10ª. - Trata-se de uma mera questão de interpretação o que separa o entendimento dos Autores do que vem expresso na douta sentença - sendo certo que, efectivamente é na resposta às condições particularmente perigosas para o trânsito que imponham especial atenção e prudência dos condutores que reside a diferença, respondendo os Autores que sim, mas que a douta sentença responde que não, que a Estrada Municipal em causa, atentas todas as sua características não tinha que estar sinalizada pelo sinal A 19b;

11ª. - Revogando-se a douta decisão e substituindo-a por outra que condene aqueles dois Réus solidariamente a pagar aos Autores a quantia peticionada, está-se a fazer a costumada BOA JUSTIÇA!!!”.


*

O ora recorrido, Estado português, representado pelo Ministério Público notificado, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 244 e segs.), tendo aí concluído do seguinte modo:

“1 - Inexiste acto ilícito de órgão ou agente do Estado Português, como inexiste nexo de causalidade entre o facto imputado pelos recorrentes à Direcção Geral dos Recursos Florestais e o dano por eles sofrido.

2 - Estando em causa dano originado por animal selvagem, não se verificam relativamente ao Estado os pressupostos de responsabilização mencionados nos artigos 493° e 502° do Código Civil.

3 - Deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta decisão recorrida”.


*

O Recorrido, Município do Crato, contra-alegou o recurso apresentado pelos Recorrentes, formulando as seguintes conclusões:

1) O javali apareceu de forma inesperada.

2) Sendo que tal espécie não se confina às reservas da cerca.

3) Só em condições extremamente perigosas se impunha a sinalização.

4) O que, in casu, não sucedia.

5) Nem os recorrentes alegam factos conducentes à imputação de qualquer falta ao Município do Crato.

6) Ao mesmo tempo que olvidam as suas responsabilidades.

7) Pelo que, a douta decisão recorrida deve ser mantida in totum, fazendo-se assim, a melhor Justiça.”.


*

O processo vai, com vistos, dos Exmos. Juízes-Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

A questão suscitada resume-se, em suma, em determinar se a decisão judicial recorrida enferma de erro de julgamento no tocante à responsabilidade civil do Estado português, através da Direção-Geral dos Recursos Florestais, e do Município do Crato, por existirem condições particularmente perigosas para o trânsito na Estrada Municipal em causa, devendo por isso, estar sinalizada com o sinal A 19b, existindo uma omissão ilícita do dever de sinalização.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos:

«§º) – Os autores alegam e pedem o seguinte, em petição inicial entrada em juízo em 18/12/2007 – cfr. p.i.:


01º.
No dia 26 de Dezembro de 2004, por cerca das 20 horas e 50 minutos, na Estrada Municipal nº. 1023, que liga Flor da Rosa à Estrada Nacional nº. 18, o Autor José ……………, conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros matrícula …………, veículo registado em nome da Autora Maria, mas propriedade de ambos, por serem casados no regime da comunhão de adquiridos (Doc. n°. 1);

02º.
Circulavam no sentido Flor da Rosa - Estrada Nacional nº. 18, pela meia faixa direita de rodagem atento o seu sentido de marcha, a uma velocidade não superior a 60/70 kms./hora, seguindo a Autora Maria como passageira no lugar da frente (Doc. n°. 1);

03º.
A certa altura do percurso, à aproximação do Km. 10 da referida Estrada Municipal, sem que ninguém o pudesse prever, súbita e inesperadamente, vindo do lado esquerdo atento o sentido de marcha (Doc. n°. 1),

04º.
Surgiu um javali de grande porte, atravessando a faixa de rodagem da esquerda para a direita, atento o sentido de marcha do veículo, indo embater na parte da frente do veículo automóvel (Doc. nº. 1),

05º.
Sem que o seu condutor pudesse evitar o embate, tal a surpresa e a forma repentina da situação que se lhe deparou.

06º.
Que acabou por determinar o embate, tendo como consequência directa e necessária, a morte do animal e avultados danos no veículo automóvel (Doc. n°s. 1 e 2).

07º.
O embate deu-se na meia faixa direita de rodagem atento o sentido de marcha do veículo automóvel (Doc. n°. 1);

08º.
O local de embate configura uma recta plana, era de noite, o tempo estava bom e o piso estava em boas condições de conservação (Doc. n°. 1);

09º.
A faixa de rodagem tem uma largura de 5,00 metros, dividida por duas hemi-faixas com 2,50 metros cada uma, ladeadas por bermas com 0,50 metros de largura (Doc. n°. 1);

10º.
O veículo automóvel após o embate ficou imobilizado na meia faixa esquerda de rodagem atento o seu sentido de marcha, com a sua parte lateral direita, a cerca de 3,80 metros de distância do marco quilométrico dos 10 Kms., em oblíquo imediatamente antes dele (Doc. n°. 1).

11º.
Como consequência directa e necessária do embate, resultaram no veículo automóvel os danos seguintes (Doc. n°. 2):
- Farolim de nevoeiro;
- Faróis;
- Pára-choques;
- Spoilers frente;
- Reforço;
- Forra guarda-lama;
- Grelha cromada;
- Emblema;
- Radiador ar condicionado;
- Radiador;
- Compressor;
- Anti-congelante;
- Travessa;
- Tampa;
- Conjunto blindage;
- Chapa de matrícula;
- Vidro pára-brisas;
- Kit pára-brisas;
- Friso pára-brisas;
- Kit cola vidros;
- Cinto segurança;
- Chicote cinto segurança;
- Computador;
- Air bag;
- Centro volante c/air;
- Sensores;
- Sensor air bag LA;
- Forra encosto;
- Moldado branco;
- Serviço de bate-chapas;
- Serviço de pintura;
- Serviço de estofador;
- Serviço de mecânica.

12º.
Danos que foram orçamentados pela quantia total de 7.357,65 € (Doc. nº. 2).

13º.
Tendo os Autores decidido transaccioná-lo pelo preço de 8.000,00 € no estado em que se encontrava (salvado), sofrendo um decréscimo de valor igual ao valor dos danos descritos no artigo anterior.

14º.
O embate deu-se por única e...

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