Acórdão nº 068/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26-02-2014
Data de Julgamento | 26 Fevereiro 2014 |
Número Acordão | 068/14 |
Ano | 2014 |
Órgão | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A………….., Lda., com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 17/10/2013, no recurso que aí correu termos sob o nº 06919/13.
1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1.ª - A ora recorrente tem consciência que o recurso de revista tem carácter excecional, mas no caso em apreço entende que o mesmo se mostra totalmente justificado quer pela relevância jurídica e social da questão que se pretende ver reapreciada, quer pela necessidade de revisão da decisão tendo em vista a melhor aplicação do direito, quer ainda porque entende que a presente decisão se encontra em contradição ostensiva com o julgado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de maio de 2012, proferido no processo 0155/11, transitado em julgado e disponível em www.dgsi.pt.
2.ª - O Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em crise no presente recurso começa por conceder provimento ao recurso quanto ao erro de julgamento da matéria de facto, aditando e retificando a matéria de facto assente, o que seria suficiente para julgar procedente o recurso, mas ao invés de proceder à análise da questão jurídica suscitada nos autos que conduziria a essa procedência, designadamente com o conhecimento da inexistência do referido direito de preferência, obsta a tal conhecimento sustentando que “tal tutela exige que o lesado aduza os fundamentos específicos e próprios do incidente de anulação de venda, tal como este é configurado nos artigos 257.º do CPPT e nos artigos 908.º e 909.º do CPC”, mais julgando não ser esse o caso da invocação da inexistência do direito de preferência por parte do preferente.
3.ª - Analisada e reanalisada a decisão recorrida e salvo melhor interpretação da mesma, chegamos à conclusão que o Tribunal:
(1) reconhece o direito da recorrente impugnar o ato de adjudicação – assiste o direito de impugnar a mesma –
(2) praticado no âmbito de uma venda executiva em função da preterição nessa venda em virtude do exercício do direito de preferência – à recorrente, preterida na venda executiva em causa, em virtude do exercício do direito de preferência por parte do adjudicatário,
(3) mas simultaneamente determina que tal direito impugnatório está dependente da existência de fundamentos específicos do incidente de anulação da venda, o que não é o caso da violação do direito de preferência – não pode, todavia, a recorrente de deduzir a referida pretensão processual de impugnação da venda ou de impugnação do procedimento que antecede a venda, o que é o mesmo, sem aduzir fundamentos específicos e próprios do incidente de anulação de venda, tal como este é configurado nos artigos 257.º do CPPT e nos artigos 908.º e 909.º do CPC..
4.ª - Na prática o que resulta da decisão em crise é que não obstante existir o direito abstrato de impugnar a venda com o fundamento aduzido pela recorrente, na prática a recorrente não pode (ou não tem expediente onde) exercer tal direito, pois mesmo tratando-se de um ato de adjudicação ilegal, não é uma ilegalidade reconhecida nos artigos que disciplinam o incidente de anulação de venda, único meio processual que o Tribunal parece configurara para conhecer do presente pedido, pelo que sempre a ação da recorrente estaria condenada à improcedência.
5.ª - Determinar que o incidente de anulação da venda é o meio próprio para um interessado preterido numa venda judicial, em virtude do reconhecimento de um direito de preferência, discutir a legalidade desse ato, vedando a possibilidade de impugnar semelhante ato em sede de reclamação do ato do órgão de execução fiscal e simultaneamente reconhecer que o alegado vício não é fundamento de anulação de venda constitui uma flagrante violação do princípio do acesso à justiça e de tutela efetiva consignada no art. 20º da Constituição da República Portuguesa, bem como do art.º 9º da Lei Geral Tributária que consagra o acesso à justiça tributária para a tutela plena e efetiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, conferindo aos interessados o direito de impugnar ou recorrer de todo o ato lesivo dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, um direito que, assim se mostra vedado.
6.ª - O entendimento sufragado pelo Acórdão recorrido encontra-se em clara contradição com a posição sufragada pela jurisprudência dos Tribunais superiores, mormente do Venerando Supremo Tribunal Administrativo, que já decidiu que a reclamação prevista no art.º 276.º é o meio próprio para conhecer da existência do direito de preferência numa venda judicial efetuada no âmbito de uma execução fiscal.
7.ª - O Ac. de 23 de maio de 2012, proferido no processo 0155/11, determina que “o tribunal tributário pode e deve conhecer da existência do direito de preferência invocado por quem pretenda exercer esse direito na execução fiscal, sendo sua (e não dos tribunais judiciais) a competência em razão da matéria para conhecer desse pedido, como ficou decidido no caso sub judice pelo Tribunal dos Conflitos.
8.ª - A tese sustentada na decisão recorrida constitui um revés à jurisprudência constante vertida no Acórdão citado, pondo em crise a segurança jurídica, o que exige e justifica a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo no âmbito de uma revista excecional, ou caso assim se entenda promovendo a análise da oposição de julgados, entre o Acórdão recorrido e o Acórdão acabado de referenciar.
9.ª - Com a decisão em crise nos autos, num primeiro momento define-se qual o meio próprio para o conhecimento de um vício de um ato, mas num segundo momento faz-se mais e pior ao determinar-se que esse meio próprio, acabado de identificar, não admite o conhecimento do vício invocado pela recorrente, ficando assim esta sem expediente para ver tutelados judicialmente os seus interesses legítimos.
10.ª - Com a posição assumida pelo Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão recorrido mostra-se controversa a compatibilização dos dois meios processuais previstos na lei – o incidente da anulação da venda previsto no art.º 257.º do CPPT e a reclamação judicial prevista no art.º 276.º do CPTT – no caso de questões da índole da que se mostra vertida nos autos, assumindo pelas razões que se tem vindo a expor, uma complexidade que carece de intervenção superior.
11.ª - O Acórdão recorrido, ao decidir o que decidiu, não colide somente com os interesses gerais, de obtenção de uma decisão dimanada dos Tribunais do Estado, mas põe igualmente em crise os princípios jurídicos fundamentais como são o princípio da tutela jurisdicional efetiva e o direito fundamental de acesso à justiça, consagrados no art.º 20.º da CRP, mostrando-se mostra-se imprescindível a admissão do recurso de revista para uma melhor aplicação do direito.
12.ª - A existência nos autos do direito de preferência do proprietário do prédio confinante compreende o preenchimento dos pressupostos de verificação do direito de preferência previstos no art.º 1380.º do CC, bem como a não verificação de uma causa de exclusão desse mesmo direito, determinadas no art.º 1381.º CC.
13.ª - Nos presentes autos, não basta apurar se o prédio confinante é ou não um prédio rústico, pois a questão essencial suscitada pela recorrente transcende tal “definição jurídica”, incidindo sobretudo nas causas de exclusão previstas no artigo 1381.º do Código Civil, sendo que da interpretação conjugada dos artigos 1380º e 1381º do Código Civil, resulta que o direito de preferência não existe mesmo na presença de prédios rústicos quando estes se destinem a fins que não sejam a cultura (v. 1381º/a) do Cód. Civil).
14.ª - O prédio penhorado não estava afeto à agricultura, nem se encontrava a ser adquirido pela recorrente para tal fim, encontrando-se a ser utilizado como estaleiro, onde se encontravam armazenados diversos materiais de obras, designadamente betoneiras, depósitos de água e andaimes (cfr. foto junta aos autos com a resposta apresentada pela Fazenda Pública e depoimento das testemunhas arroladas pela recorrente).
15.ª - A ora recorrente é uma sociedade comercial que se dedica à construção civil, tendo sido no âmbito dessa atividade comercial que adquiriu o terreno em causa, com objetivo de manter o fim a que estava destinado, ou seja, estaleiro de obras (cfr. certidão comercial permanente da recorrente e depoimento das testemunhas arroladas pela recorrente).
16.ª - O fim que releva para não se verificar o direito de preferência é o que constitui a finalidade da compra, pelo que, se a aquisição não se destina à exploração agrícola do terreno, não existe razão para conceder a preferência.
17.ª - O prédio penhorado encontra-se rodeado por armazéns e está localizado numa zona ocupada por habitações, indústrias e armazéns de construção Civil e não por terrenos de cultivo agrícola conforme prevê a lei.
18.ª - O terreno confinante encontra-se ocupado por um armazém de palha e feno e por uma balança de pesados, pelo que notoriamente não está afeto à cultura.
19.ª - O preferente só beneficia dessa qualidade se o seu terreno confinante for rústico e estiver afeto à cultura agrícola, e esse não é seguramente o caso dos autos.
20.ª - Os prédios em causa não apresentam potencialidades agrícolas que do ponto de vista...
RELATÓRIO
1.1. A………….., Lda., com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 17/10/2013, no recurso que aí correu termos sob o nº 06919/13.
1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1.ª - A ora recorrente tem consciência que o recurso de revista tem carácter excecional, mas no caso em apreço entende que o mesmo se mostra totalmente justificado quer pela relevância jurídica e social da questão que se pretende ver reapreciada, quer pela necessidade de revisão da decisão tendo em vista a melhor aplicação do direito, quer ainda porque entende que a presente decisão se encontra em contradição ostensiva com o julgado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de maio de 2012, proferido no processo 0155/11, transitado em julgado e disponível em www.dgsi.pt.
2.ª - O Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em crise no presente recurso começa por conceder provimento ao recurso quanto ao erro de julgamento da matéria de facto, aditando e retificando a matéria de facto assente, o que seria suficiente para julgar procedente o recurso, mas ao invés de proceder à análise da questão jurídica suscitada nos autos que conduziria a essa procedência, designadamente com o conhecimento da inexistência do referido direito de preferência, obsta a tal conhecimento sustentando que “tal tutela exige que o lesado aduza os fundamentos específicos e próprios do incidente de anulação de venda, tal como este é configurado nos artigos 257.º do CPPT e nos artigos 908.º e 909.º do CPC”, mais julgando não ser esse o caso da invocação da inexistência do direito de preferência por parte do preferente.
3.ª - Analisada e reanalisada a decisão recorrida e salvo melhor interpretação da mesma, chegamos à conclusão que o Tribunal:
(1) reconhece o direito da recorrente impugnar o ato de adjudicação – assiste o direito de impugnar a mesma –
(2) praticado no âmbito de uma venda executiva em função da preterição nessa venda em virtude do exercício do direito de preferência – à recorrente, preterida na venda executiva em causa, em virtude do exercício do direito de preferência por parte do adjudicatário,
(3) mas simultaneamente determina que tal direito impugnatório está dependente da existência de fundamentos específicos do incidente de anulação da venda, o que não é o caso da violação do direito de preferência – não pode, todavia, a recorrente de deduzir a referida pretensão processual de impugnação da venda ou de impugnação do procedimento que antecede a venda, o que é o mesmo, sem aduzir fundamentos específicos e próprios do incidente de anulação de venda, tal como este é configurado nos artigos 257.º do CPPT e nos artigos 908.º e 909.º do CPC..
4.ª - Na prática o que resulta da decisão em crise é que não obstante existir o direito abstrato de impugnar a venda com o fundamento aduzido pela recorrente, na prática a recorrente não pode (ou não tem expediente onde) exercer tal direito, pois mesmo tratando-se de um ato de adjudicação ilegal, não é uma ilegalidade reconhecida nos artigos que disciplinam o incidente de anulação de venda, único meio processual que o Tribunal parece configurara para conhecer do presente pedido, pelo que sempre a ação da recorrente estaria condenada à improcedência.
5.ª - Determinar que o incidente de anulação da venda é o meio próprio para um interessado preterido numa venda judicial, em virtude do reconhecimento de um direito de preferência, discutir a legalidade desse ato, vedando a possibilidade de impugnar semelhante ato em sede de reclamação do ato do órgão de execução fiscal e simultaneamente reconhecer que o alegado vício não é fundamento de anulação de venda constitui uma flagrante violação do princípio do acesso à justiça e de tutela efetiva consignada no art. 20º da Constituição da República Portuguesa, bem como do art.º 9º da Lei Geral Tributária que consagra o acesso à justiça tributária para a tutela plena e efetiva de todos os direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, conferindo aos interessados o direito de impugnar ou recorrer de todo o ato lesivo dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, um direito que, assim se mostra vedado.
6.ª - O entendimento sufragado pelo Acórdão recorrido encontra-se em clara contradição com a posição sufragada pela jurisprudência dos Tribunais superiores, mormente do Venerando Supremo Tribunal Administrativo, que já decidiu que a reclamação prevista no art.º 276.º é o meio próprio para conhecer da existência do direito de preferência numa venda judicial efetuada no âmbito de uma execução fiscal.
7.ª - O Ac. de 23 de maio de 2012, proferido no processo 0155/11, determina que “o tribunal tributário pode e deve conhecer da existência do direito de preferência invocado por quem pretenda exercer esse direito na execução fiscal, sendo sua (e não dos tribunais judiciais) a competência em razão da matéria para conhecer desse pedido, como ficou decidido no caso sub judice pelo Tribunal dos Conflitos.
8.ª - A tese sustentada na decisão recorrida constitui um revés à jurisprudência constante vertida no Acórdão citado, pondo em crise a segurança jurídica, o que exige e justifica a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo no âmbito de uma revista excecional, ou caso assim se entenda promovendo a análise da oposição de julgados, entre o Acórdão recorrido e o Acórdão acabado de referenciar.
9.ª - Com a decisão em crise nos autos, num primeiro momento define-se qual o meio próprio para o conhecimento de um vício de um ato, mas num segundo momento faz-se mais e pior ao determinar-se que esse meio próprio, acabado de identificar, não admite o conhecimento do vício invocado pela recorrente, ficando assim esta sem expediente para ver tutelados judicialmente os seus interesses legítimos.
10.ª - Com a posição assumida pelo Tribunal Central Administrativo Sul no Acórdão recorrido mostra-se controversa a compatibilização dos dois meios processuais previstos na lei – o incidente da anulação da venda previsto no art.º 257.º do CPPT e a reclamação judicial prevista no art.º 276.º do CPTT – no caso de questões da índole da que se mostra vertida nos autos, assumindo pelas razões que se tem vindo a expor, uma complexidade que carece de intervenção superior.
11.ª - O Acórdão recorrido, ao decidir o que decidiu, não colide somente com os interesses gerais, de obtenção de uma decisão dimanada dos Tribunais do Estado, mas põe igualmente em crise os princípios jurídicos fundamentais como são o princípio da tutela jurisdicional efetiva e o direito fundamental de acesso à justiça, consagrados no art.º 20.º da CRP, mostrando-se mostra-se imprescindível a admissão do recurso de revista para uma melhor aplicação do direito.
12.ª - A existência nos autos do direito de preferência do proprietário do prédio confinante compreende o preenchimento dos pressupostos de verificação do direito de preferência previstos no art.º 1380.º do CC, bem como a não verificação de uma causa de exclusão desse mesmo direito, determinadas no art.º 1381.º CC.
13.ª - Nos presentes autos, não basta apurar se o prédio confinante é ou não um prédio rústico, pois a questão essencial suscitada pela recorrente transcende tal “definição jurídica”, incidindo sobretudo nas causas de exclusão previstas no artigo 1381.º do Código Civil, sendo que da interpretação conjugada dos artigos 1380º e 1381º do Código Civil, resulta que o direito de preferência não existe mesmo na presença de prédios rústicos quando estes se destinem a fins que não sejam a cultura (v. 1381º/a) do Cód. Civil).
14.ª - O prédio penhorado não estava afeto à agricultura, nem se encontrava a ser adquirido pela recorrente para tal fim, encontrando-se a ser utilizado como estaleiro, onde se encontravam armazenados diversos materiais de obras, designadamente betoneiras, depósitos de água e andaimes (cfr. foto junta aos autos com a resposta apresentada pela Fazenda Pública e depoimento das testemunhas arroladas pela recorrente).
15.ª - A ora recorrente é uma sociedade comercial que se dedica à construção civil, tendo sido no âmbito dessa atividade comercial que adquiriu o terreno em causa, com objetivo de manter o fim a que estava destinado, ou seja, estaleiro de obras (cfr. certidão comercial permanente da recorrente e depoimento das testemunhas arroladas pela recorrente).
16.ª - O fim que releva para não se verificar o direito de preferência é o que constitui a finalidade da compra, pelo que, se a aquisição não se destina à exploração agrícola do terreno, não existe razão para conceder a preferência.
17.ª - O prédio penhorado encontra-se rodeado por armazéns e está localizado numa zona ocupada por habitações, indústrias e armazéns de construção Civil e não por terrenos de cultivo agrícola conforme prevê a lei.
18.ª - O terreno confinante encontra-se ocupado por um armazém de palha e feno e por uma balança de pesados, pelo que notoriamente não está afeto à cultura.
19.ª - O preferente só beneficia dessa qualidade se o seu terreno confinante for rústico e estiver afeto à cultura agrícola, e esse não é seguramente o caso dos autos.
20.ª - Os prédios em causa não apresentam potencialidades agrícolas que do ponto de vista...
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