Acórdão nº 0671/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14-01-2015

Data de Julgamento14 Janeiro 2015
Número Acordão0671/14
Ano2015
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A Fazenda Pública, inconformada, recorreu da sentença do Tribunal tributário de Lisboa (TTL) datada de 18 de Fevereiro de 2014, que, anulou a liquidação de IRS de 2007 com o nº 2008 5003879465, devendo a AT emitir liquidação correctiva em conformidade com o decidido e condenou a AT no pagamento de juros indemnizatórios a calcular nos termos do artº 61º do CPPT, julgando portanto procedente a impugnação deduzida por A……….. e B………, contra a liquidação de IRS referente ao ano de 2007.

Alegou, tendo concluído:
1. Por muito respeito que mereça o vertido na decisão a quo, com a mesma não se pode, de modo algum, concordar.
2. Se mais não fosse, até porque manda o bom senso jurídico que por mais deficientes que por vezes as leis se apresentem, quase tudo nelas pode ser corrigido pela sua adequada interpretação,
3. Consequentemente, entende a Recorrente que uma vez que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, ao ter decidido como decidiu, e com os fundamentos supra elencados, é razão pela qual deve a mesma ser revogada por este respeitoso areópago, e substituída por outra que faça uma correcta interpretação do direito aplicável.
4. Bastaria que fosse dada uma maior acuidade ao escopo do vertido no art. 28.° do CIRS; art. 43° e 55°, ambos da LGT; art. 266.° da CRP (principio da legalidade) conjugadamente com a mais recente jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, para que, se pudesse aquilatar pela improcedência in totum da Impugnação aduzida pelos Recorridos/Impugnantes.
5. Pelo que, a Recorrente, com o devido respeito, conclui não ter razão o Tribunal a quo, que julgou num determinado sentido que perante os normativos aplicáveis à temática em apreço, não tem a devida correspondência com o modo como as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão sindicada, deveriam ter sido interpretadas e aplicadas.
6. Por conseguinte, reiterando o devido respeito, que é muito, o areópago a quo lavrou em erro de interpretação e aplicação do direito ao caso em apreço.
7. A quaestio decidenda do caso vertente, consiste em saber se, face aos rendimentos auferidos pela 2.ª Recorrida, os mesmos devem ser determinados com base no regime simplificado ou com base no regime da contabilidade.
8. No âmbito do processo supra melhor identificado, foi proferida a decisão a quo, a qual, decidiu que:
- “a) Anulo a liquidação de IRS/2007 identificada nos autos, devendo a AT emitir liquidação correctiva em conformidade com o decidido;
b) Condeno a AT no pagamento de juros indemnizatórios a calcular nos termos do art. 61.° do CPPT (Negrito e sublinhado nossos).
9. Para tanto, o respeitoso Tribunal a que, em síntese, consubstanciou-se na seguinte fundamentação:
- “A determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso de imputação prevista no art. 20.° do CIRS, faz-se com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado ou com base na contabilidade dos contribuintes (n.° 1 do art. 28.° do CIRS)”
10. “... Os n.°s 3 e 4 do citado normativo, dispõe que os sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado podem optar pela determinação dos rendimentos com base na sua contabilidade, na declaração de início de actividade ou até ao fim do mês de Março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação dos rendimentos, mediante a apresentação de declaração de alterações.
11. In casu, conforme resulta do probatório, a 2ª impugnante encontrava-se abrangida pelo regime simplificado de tributação no triénio 2001/2003 e, no triénio de 2004/2006, por não ter exercido a opção pelo regime de tributação com base na sua contabilidade, a que se reportam os n.°s 3 e 4 do art. 28.° do CIRS, naquele primeiro ano”. (Negrito nosso).
12. -“...não tendo a 2.ª impugnante optado por essa alteração, nos termos da alínea b) do n.° 4 do art. 28.º do CIRS, é claro que, em 2007, automaticamente, se prorrogou, por igual período, o tempo de permanência do mesmo no regime simplificado por que esteve abrangida no triénio anterior, por não se ter verificado a previsão a que alude o n.° 6 do art. 28.º CIRS.
13. Ou seja, tal regime só cessaria se algum dos limites a que se refere o n.° 2 desse dispositivo legal, tivesse sido ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou num único exercício em montante superior a 25% desses limites, o que não decorre dos autos, pois em 2005 auferiu € 85.400,00, em 2006 auferiu € 101.400,00 e em 2007, € 91.642,80…” (Negrito nosso).
14. - “A doutrina tem entendido a este respeito “(...) uma vez inserido no regime simplificado, o contribuinte tem de aí permanecer por três anos. Findo este prazo tem, então, nova possibilidade de optar pelo regime da contabilidade organizada (art. 28.°, n.° 4, al. b). Se não o fizer, terá de permanecer neste regime durante, pelo menos, mais três anos.” Cfr. Rui Morais, Sobre o IRS, 2.ª ed., Almedina, 2008, pg. 95)…” (Negrito nosso).
15. - “O sujeito passivo é obrigatoriamente excluído do regime simplificado - passando a estar sujeito ao regime normal - se, em dois exercícios consecutivos, ultrapassar um dos limites previstos no art. 28.°, n.° 2 ou se, num único exercício, ultrapassar em mais de 25% um desses limites (art. 28.°, n.° 6)...” (Negrito nosso).
16. - “…encontrando-se a 2ª impugnante enquadrada no regime simplificado no triénio 2004/2006 e, não tendo optado pela alteração desse regime no momento em que o poderia ter feito, tal regime foi automaticamente prorrogado por igual período, nos termos do n.° 5 do art. 28.° do CIRS, mantendo-se nesse regime de tributação até que opte pela determinação do rendimento com base na contabilidade ou, até que cesse pela verificação de alguma das situações previstas no n.° 6 do art. 28.° do CIRS
17. –“…a liquidação de IRS/2007 é ilegal na parte em que determina os rendimentos do sujeito passivo B, com base no regime da contabilidade, pelo que deverá ser corrigida em conformidade.”
18. Ora, o supra vertido, com o devido respeito que é muito, consubstancia um erro de interpretação e aplicação dos normativos atinentes a esta temática, porquanto o iter cognoscitivo seguido pelo areópago a quo ao sufragar a predita fundamentação, omite, ou no limite, desvirtua o status quo exigível e o modus operandi a implementar na aplicação do regime simplificado, mormente, no que directamente respeita ao caso concreto, o art. 28.° do CIRS talqualmente vem asseverado e aplicado pelo Tribunal a quo.
19. Nesta senda, o areópago a quo, com o devido respeito, que é muito, preconizou uma errada interpretação do acervo factual dado como assente, e consequentemente, tendo eclodido uma errada interpretação e aplicação do Direito aplicável ao caso sub judice.
20. Para tanto, para melhor clarificar e delinear o ponto de partida do itinerário a seguir na interpretação do normativo em causa, conjugadamente com os factos que foram dados como assentes no caso em apreço, é pertinente desde já chamar à colação a opinião do lustre Professor Diogo Leite Campos, in Direito Tributário, Almedina Coimbra, a páginas 66 e 67, a qual vai sufragada como infra se segue:
- “...o método de interpretação das normas jurídicas deve compreender duas perspectivas complementares: ontológica, envolvendo a análise das expressões lógico-textuais das normas e os correspondentes significados; gnoseológica, actuando a reconstituição sistemática e dogmática dos enunciados das normas jurídicas.
A primeira vertente assume uma importância ainda mais decisiva em matéria de Direito Tributário.
Em termos gerais, a única realidade objectiva, como positiva experiência que se oferece ao interprete, é constituída pelas normas legais representadas no tecido lógico-textual, exteriorizadas na formulação feita, pelo que não se pode, na interpretação, transcender a linguagem, a construção linguística (sintático-formal) para afirmar um significado que não resulte expresso. Uma intenção só pode ser compreendida - e, assim, proposta como significado, por parte do intérprete - sempre que se exprima no contexto formal da norma.
21. O ilustre Professor supra referido, assevera ainda, nesta lógica de raciocínio que:
- “…se isto é evidentemente assim em tese geral, ainda o é mais em matéria tributária.
É sempre necessário que se assente em qualquer termo objectivo idóneo para conferir uma certeza à formulação da figura tributária; objectividade e certeza que são expressões do principio da reserva da lei. Por força deste princípio, as normas legais que instituem e disciplinam os impostos, envolvem um momento de formulação das proposições jurídicas que deve ser dotado de um conteúdo de levada determinação e objectividade. A lei tributária apresenta-se necessariamente como um conjunto de enunciados com forma vinculada.
Verifica-se uma conexão essencial entre linguagem expressiva e conteúdo expresso...”
22. Pelo que, seguindo de perto este ideário argumentativo, emerge a consolidação de que a Lei Fiscal se apresenta como direito material positivo, como tal carecendo de ser interpretada objectivamente e com precisão, sobre duas perspectivas, a perspectiva ontológica e a perspectiva gnoseológica, sendo que a primeira se apresenta ainda de importância decisiva em sede de matéria fiscal.
23. Assim, onde a Lei não distingue, não pode o intérprete distinguir, ou grosso modo, não se deverá na interpretação a aplicar, transcender a linguagem, tendo em vista alcançar um resultado que não resulte expresso na Lei.
24. Outrossim, à revelia da segurança jurídica, se o art. 28.° do CIRS permitisse duas interpretações tão distintas, quanto aquelas que in casu são perfilhadas, quer pela Administração Fiscal, quer pelos impugnantes/recorridos, mal teria andado o legislador ou, pelo menos, mui deficientemente se teria expressado.
25. Como resulta assente, os recorridos completaram dois...

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