Acórdão nº 06623/13 de Tribunal Central Administrativo Sul, 13-10-2017

Data de Julgamento13 Outubro 2017
Número Acordão06623/13
Ano2017
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul

I - Relatório

E..., S.A. (doravante designada apenas por ...,), notificada das liquidações adicionais e respectivos juros compensatórios - emitidas na sequência das correcções realizadas pelos Serviços de Inspecção da Administração às declarações relativas aos períodos de Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2009 e decorrentes da não-aceitação de parte do Imposto Sobre o Valor Acrescentado que o sujeito passivo registara nas declarações em referência - apresentou reclamação graciosa.

Notificada do indeferimento da reclamação e com base nos mesmos fundamentos que aí adiantara, a Recorrente apresentou recurso hierárquico, que veio a ser igualmente indeferido, no essencial, com a fundamentação espelhada no relatório de inspecção e no acto de indeferimento da reclamação graciosa.

Inconformada deduziu a presente impugnação judicial concluindo, em resumo nosso, que:

- A actividade de disponibilização em boas condições e de valorização da rede rodoviária nacional, desenvolvida a título principal pela ..., é uma operação que não se encontra fora do âmbito de incidência de IVA, isto é, para efeitos deste imposto configura-se como uma actividade económica de prestação de serviços, pelo que o IVA suportado nos inputs afectos às infra-estruturas rodoviárias que integram o objecto da concessão é dedutível nos termos gerais previstos no CIVA;

- A ..., actua no caso concreto como sujeito passivo de IVA, não lhe podendo ser aplicada a delimitação negativa de incidência constante do artigo 2.º, n.º 2, do CIVA, uma vez que não é uma entidade de natureza pública, não é dotada de poderes de autoridade para a actividade económica que desenvolve e a sua não sujeição a IVA conduz a distorções de concorrência, pelo que sempre se teria de concluir pela não aplicação do quadro legal em referência;

- A ..., tem direito à dedução de IVA suportado relativamente às actividades relacionadas com a Contribuição de Serviço Rodoviário.

Em conformidade, pediu a anulação das liquidações adicionais e o ressarcimento dos prejuízos por si sofridos desde a data-limite para pagamento do reembolso do IVA por parte do Estado até ao seu efectivo pagamento, incluindo os custos das garantias bancárias que está a suportar.

A Fazenda Pública contestou a pretensão da então Impugnante, de defendendo a sua improcedência com os fundamentos de facto e de direito que anteriormente invocara nas informações finais prestadas no âmbito da reclamação graciosa e do recurso hierárquico.

O Ministério Público em 1ª instância, no primeiro parecer que emitiu, acompanhou a posição vertida pela Fazenda Pública no seu articulado e concluiu pela improcedência da impugnação.

Produzida a prova testemunhal requerida pela Impugnante e notificadas as partes para, querendo, apresentarem alegações, vieram ambas a fazê-lo, mantendo, no essencial, as posições que anteriormente haviam vertido nos articulados antecedentes.

Em parecer final, o Ministério Público pugnou pela procedência da impugnação judicial, alegando, em síntese, que a Impugnante não deve ser considerada uma pessoa colectiva pública na acepção do artigo 2.º do CIVA.

Por sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, a impugnação judicial foi julgada improcedente.

Não se conformando, a Impugnante apresentou recurso jurisdicional, sintetizando as críticas negativas dirigidas ao julgado ao longo das suas alegações nas conclusões, que infra se transcrevem:

«1. A ... é a concessionária geral da RRN, conforme o previsto no Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de Novembro, que aprova as bases do contrato de concessão entre o Estado e a ..., assinado a 23 de Novembro de 2007 (alteradas pela Lei n.º 13/2008, de 29 de Fevereiro, pelo Decreto-Lei n.º 110/2009, de 10 de Maio e pelo Decreto-Lei n.º 44-A/2010 de 5 de Maio).

2. A concessão abrange o financiamento, concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da RRN por 75 anos, deixando o Estado de garantir ou avalizar, directa ou indirectamente, qualquer dívida ou obrigação desta sociedade ou de assumir qualquer responsabilidade pelos seus passivos.

3. Ora, sendo certo que, tal como as demais concessionárias, deve exercer as suas funções tendo em vista a prossecução do interesse público, fá-lo em moldes empresariais, com sujeição a um regime de direito privado.

4. Nomeadamente quanto ao regime fiscal aplicável, determina-se expressamente, na Base 14 da concessão, que “A concessionária fica sujeita ao regime fiscal aplicável às sociedades comerciais”, clarificando-se expressamente que o regime fiscal aplicável deverá ser aquele que é aplicável a entidades privadas.

5. Desde 2008, o financiamento da actividade da ... assenta, fundamentalmente, no valor das taxas de portagem cobradas nas vias portajadas, incluindo as taxas a cobrar nas SCUT, e no produto da Contribuição de Serviço Rodoviário, uma receita que lhe é expressamente atribuída por lei.

6. A Recorrente cobra portagens e a CSR como contrapartida voluntária dos serviços que presta.

7. No presente processo está essencialmente em causa a análise jurídica, na perspectiva das regras do Direito da União Europeia e das regras nacionais que regem o IVA, das seguintes questões: (i) Configuração da Contribuição de Serviço Rodoviário e das portagens como contraprestações de prestações de serviços aos utentes, incluindo o Estado; (ii) Aplicação à ... da delimitação negativa de incidência prevista no n.º2 do artigo 2.º do CIVA, a saber – será a ... uma pessoa colectiva de direito público para estes efeitos específicos? Actuará no exercício de poderes de autoridade? A sua consideração como não sujeito passivo e a consequente desconsideração enquanto tal do direito à dedução do IVA suportado traduzir-se-ão em distorções de concorrência?

8. Não tendo o Tribunal a quo analisado devidamente os factos subjacentes aos pressupostos de aplicação da delimitação negativa de incidência prevista no n.º2 do artigo 2.º do CIVA, nomeadamente a manifesta existência de distorções de concorrência no caso concreto, a sentença recorrida errou no julgamento da matéria de facto e, consequentemente, errou também na apreciação da questão de direito que analisou.

9. Ao ter limitado a factualidade relevante à matéria indicada sob as alíneas A) a M) do probatório, concluindo “que não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito em face das possíveis soluções de direito e que, por conseguinte, importa registar como não provados”, a sentença recorrida analisou inadequadamente a questão de direito tendo viciado as suas conclusões e consequente decisão.

10. Ora, para se poder pronunciar sobre esta matéria, não poderia o Tribunal a quo deixar de levar ao probatório os factos que se indicam sob as alíneas N) a Z), onde precisamente se provam as posições das partes nesta matéria e de onde se retira a conclusão de que a ... deve ser tratada no caso concreto como um sujeito passivo de IVA que, no exercício das suas operações tributáveis, deve poder deduzir o IVA suportado.

11. Assim, não poderia o Tribunal a quo ter concluído que “a impugnante – para os efeitos da situação em apreciação – constitui uma entidade de natureza pública, não sendo sujeito passivo do imposto, detentora de poderes de autoridade no exercício das suas actividades, sem que tenha sido materialmente decidido, ou demonstrado pela impugnante, que a sua não sujeição a IVA distorce a concorrência de forma significativa” – tendo que ter concluído no sentido exactamente contrário, como, aliás, conclui no seu Douto Parecer o Digno representante do Ministério Público.

12. Na realidade, como resulta claramente dos factos e da matéria de direito em causa, distintamente do alegado pela AT e decidido pelo Tribunal a quo, a actividade principal da ..., a saber, a disponibilização em boas condições e valorização da rede rodoviária nacional, é uma prestação de serviços para efeitos de IVA, não se encontra fora do âmbito de incidência do IVA e não impõe quaisquer limites à dedução do imposto suportado, pelo que o IVA suportado nos inputs afectos às infra-estruturas rodoviárias que integram o objecto da concessão é dedutível nos termos gerais acolhidos no CIVA, tal como concluem, clara e inequivocamente, os Professores Doutores António Carlos dos Santos, Eduardo Paz Ferreira e Clotilde Celorico Palma, em Pareceres anexados.

13. Desde logo, ao contrário do entendido pelo Tribunal a quo quando afirma que a CSR não consubstancia a contraprestação de um serviço individualizável para efeitos de IVA, os montantes transferidos para a ... respeitantes à receita da CSR representam a contrapartida de um serviço individualizável que presta aos utentes da rede rodoviária nacional, incluindo o Estado, previsto e regulamentado por lei, verificando-se a existência de uma actividade económica de prestação de serviços para efeitos de IVA (como concluem no seu Douto Parecer o Digno representante do Ministério Público e os Professores Doutores António Carlos dos Santos, Eduardo Paz Ferreira e Clotilde Celorico Palma, em Pareceres anexados).

14. Com efeito, para que estejamos perante uma operação tributável em IVA a título de prestações de serviços, há muitos anos que o TJUE salienta ser necessária a existência de um “princípio das prestações recíprocas”: uma prestação de serviços só é tributável se existir um nexo directo entre o serviço prestado e a contrapartida recebida.

15. No caso concreto ficou amplamente demonstrado que a ... presta um serviço individualizável aos utentes, incluindo o Estado, representando os montantes transferidos para a ... respeitantes à receita da CSR e às portagens, para efeitos do IVA, a contrapartida de tal serviço, como resulta expressa e claramente da lei e dos factos.

16. Como se determina expressamente no contrato de concessão, “Como contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, a Concessionária tem...

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