Acórdão nº 0662/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05-11-2014

Data de Julgamento05 Novembro 2014
Número Acordão0662/13
Ano2014
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
Recurso jurisdicional do despacho liminar proferido no incidente da execução fiscal com o n.º 1797/12.0BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A…………….. (a seguir Requerente ou Recorrido), invocando a sua qualidade de cônjuge da executada e o disposto no art. 257.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e nos arts. 201.º e 909.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil (CPC) (Aqui como adiante, as referências ao CPC são para a versão anterior à que foi aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto.), fez dar entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 3, em 2 de Fevereiro de 2012, um requerimento que intitulou de incidente de anulação da venda, endereçado ao Director de Finanças de Lisboa, e no qual formulou o pedido, na procedência do incidente de anulação de venda, de anulação de todos os actos praticados na execução fiscal após o despacho que ordenou a venda ou, subsidiariamente, a declaração da falta de citação, com a anulação de todos os actos subsequentes dela dependentes.
Invocou como fundamentos, em síntese, que tendo a execução fiscal sido instaurada contra a sua mulher (i) esta nunca foi citada, o que constitui nulidade insanável, nos termos do art. 165.º do CPPT, a determinar a anulação de todos os actos subsequentes do processo que dependam absolutamente da citação, bem como (ii) não foram cumpridas as formalidades impostas pelos arts. 239.º, 241.º, 242.º, 244.º, 245.º e 249.º do CPPT e pelo art. 890.º do CPC, nulidades processuais que implicam a anulação de todos os actos posteriores ao despacho relativo à marcação da venda, nos termos dos arts. 201.º, n.º 1 e 909.º, n.º 1, alínea c), do CPC.

1.2 Em 27 de Março de 2012, o mesmo A………… apresentou no Serviço de Finanças de Lisboa 3 uma reclamação, ao abrigo do disposto no art. 276.º do CPPT, respeitante ao indeferimento tácito do pedido de anulação de venda, anexando o respectivo comprovativo do pagamento da taxa de justiça.

1.3 Em 28 de Maio de 2012, o Serviço de Finanças de Lisboa 3 remeteu o requerimento dito em 1.1 ao Tribunal Tributário de Lisboa, cuja Secretaria recusou o recebimento com um duplo fundamento, ao abrigo, respectivamente, das alíneas f) e a) do n.º 1 do art. 474.º do CPC: (i) não foi comprovado o prévio pagamento da taxa de justiça e (ii) a petição inicial não vem endereçada ao (Juiz do) Tribunal.

1.4 Em 6 de Junho de 2012, o Requerente veio apresentar o comprovativo do pagamento da taxa de justiça respeitante à reclamação dita em 1.2, que foi imputado ao incidente de anulação de venda, motivo por que este incidente foi apresentado a despacho à Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa.

1.5 Apreciando liminarmente o incidente, a Juíza daquele Tribunal considerou que, após as alterações introduzidas no regime do pedido de anulação da venda pela Lei n.º 64-A/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012), «o processo judicial de anulação da venda passa a ser analisado junto do órgão periférico regional, só competindo ao Tribunal Tributário apreciar a anulação da venda após decisão desse mesmo órgão e mediante reclamação da mesma», motivo por que ordenou «a devolução do presente incidente de anulação de venda ao órgão da execução fiscal, para que este proceda à remessa para o órgão competente, no caso, o Órgão Periférico Regional – Direcção de Finanças de Lisboa, para aí ser tramitado e decidido, segundo os ulteriores termos do artigo 257.º do CPPT».

1.6 A Fazenda Pública recorreu dessa decisão para este Supremo Tribunal Administrativo, o qual foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.7 A Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.): «

A) Por muito respeito que mereça o vertido na decisão a quo, com a mesma não se pode, de modo algum, concordar.

B) Se mais não fosse, até porque manda o bom senso jurídico que por mais deficientes que por vezes as leis se apresentem, quase tudo nelas pode ser corrigido pela sua adequada interpretação, o que no caso em apreço, com o devido respeito, que é muito, não foi alcançado pelo Tribunal a quo. Pelo que, bastaria que fosse dada uma maior acuidade ao escopo do vertido no processo, mormente ao peticionado pelo Recorrido na sua petição inicial do incidente de anulação de venda,

C) à sua posterior rejeição pela secretaria do Tribunal competente, atenta a falta de junção do comprovativo de pagamento da respectiva taxa de justiça, à posterior interposição pelo Recorrido da reclamação dos actos do órgão de execução fiscal (art. 276.º e sgs. do CPP Tributário), assim como a todo o tratamento processual que, com o devido respeito, erroneamente, foi dado pelo areópago a quo a toda esta vicissitude processual que emergiu do caso sub judice...

D) Para que, perfunctoriamente, se pudesse aquilatar da competência do Tribunal a quo para conhecer da Reclamação (art. 276.º e sgs. do CPPT), maxime, para que melhor se pudesse aferir pela efectiva competência do Tribunal a quo para decidir da referida Reclamação apresentada pelo Recorrido em 27.03.2012 (vide. fls. 39 a 41 dos presentes autos).

E) Nesta senda, o areópago a quo, ao decidir como decidiu, com o devido respeito, que é muito, “fulminou” a decisão em apreço de nulidade, maxime, a nulidade plasmada na al. d) do art. 668.º do C.P.Civil ex vi art. 2.º, e) do C.P.Civil [(A Recorrente por certo queria dizer CPPT onde escreveu CPCivil, pois é a alínea e) do art. 2.º do CPPT que prevê a aplicação subsidiária do CPC.)], porquanto, o caso vertente se enquadra numa daqueles situações em que o Juiz a quo deixou de pronunciar-se sobre questões que deveria apreciar (omissão de pronúncia) e conheceu de questões de que não poderia tomar conhecimento (excesso de pronúncia).

F) No âmbito do processo supra melhor identificado, foi proferida a decisão a quo, a qual, decidiu que “Em face do exposto, resulta, no caso vertente, que à data em que o requerente deduziu o presente Incidente de Anulação de Venda (2 de Fevereiro de 2012), já estava em vigora nova lei”.

G) Da douta decisão a quo, também consta que “Importa, então, concluir que os incidentes de anulação de venda que sejam apresentados após 1 de Janeiro de 2012 devem ser analisados pelo Órgão Periférico Regional, visto que as alterações legislativas decorrentes da Lei n.º 64-A/12011, de 30 de Dezembro, consubstanciam normas estritamente adjectivas, que dizem respeito à forma ou via processual da anulação da venda”.

H) Mais vai decidido no sentido de que, “O que vem de dizer-se implica a devolução do presente incidente de anulação de venda ao órgão de execução fiscal, para que este proceda à remessa para o órgão competente, no caso, o Órgão Periférico Regional - Direcção de Finanças de Lisboa, para ai ser tramitado e decidido, segundo os ulteriores termos previstos no art. 257.º do CPPT”.

I) Consequentemente, o Tribunal a quo decidiu determinar a “... devolução do presente incidente de anulação de venda ao órgão de execução fiscal...”.

J) Sem necessidade de nos atermos à discussão da aplicação da lei no tempo no que concerne à competência para conhecer do incidente de anulação de venda, até pelas consequências processuais que lhe estão inerentes, cumpre desde já dissecar a factualidade processual que no caso vertente consubstancia a nulidade da sentença, plasmada na al. d) do art. 668.º do C.P.Civil ex vi art. 2.º, e) do C.P.Civil [(A Recorrente por certo queria dizer CPPT onde escreveu CPCivil, pois é a alínea e) do art. 2.º do CPPT que prevê a aplicação subsidiária do CPC.)].

K) Nesta senda, in casu, o Recorrido em 2 de Fevereiro de 2012 deduziu um incidente de anulação de venda (cfr. fls. 4 dos autos) o qual deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 3, todavia a referida peça processual, foi rejeitada pela secretaria, atenta a falta da junção do comprovativo de pagamento da taxa de justiça devida e por não estar endereçada ao Tribunal, tudo conforme o consignado nas als. a) e f) do art. 474.º do C.P.Civil.

L) Posteriormente, e como melhor se poderá aferir nos autos, aquele incidente de anulação de venda, “extinguiu-se” pura e simplesmente, pois que, tendo sido rejeitado pela secretaria, o Recorrido não mais logrou juntar aos autos o comprovativo do pagamento da taxa de justiça atinente ao incidente de anulação de venda deduzido, com a devida correspondência temporal daquele comprovativo de pagamento da taxa de justiça, com a entrada do incidente nas instâncias competentes (ou seja, um comprovativo do pagamento da taxa de justiça datado até 02.02.2012).

M) Nesta senda, o que posteriormente veio a acontecer, cuja análise é de absoluta pertinência para a boa resolução processual do caso sub judice, foi que o Recorrido, em 27.03.2012, apresentou uma nova peça processual, com uma natureza e itinerário processual distinto do incidente de anulação de venda que já havia sido extinto e devidamente rejeitado.

N) O que o Recorrido apresentou no Serviço de Finanças de Lisboa 3, conforme melhor se poderá aferir dos autos (vide. fls. 39 a 41 dos autos) foi uma Reclamação dos Actos do Órgão de Execução Fiscal nos termos do art. 276.º e sgs. do C.P.P. Tributário e com esta peça processual foi junto o comprovativo do pagamento da taxa de justiça datado de 23.03.2012, reportado, indubitavelmente, à respectiva reclamação apresentada em 27.03.2012.

O) O Tribunal a quo, com o devido respeito, que é muito, simplesmente desconsiderou a reclamação dos actos do órgão de execução fiscal apresentada pelo Recorrido, ex novo, em 27.03.2012. e como abissus abissum invocat, o mesmo que dizer, e como uma desgraça nunca vem só, o tribunal a quo “aproveitou” o comprovativo do pagamento da taxa de justiça da...

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